Apenas concessionárias de energia elétrica respondem por cobranças referentes à CDE
Resumo em texto simplificado
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.148),
decidiu que apenas as prestadoras de serviços de energia elétrica devem
responder pelas demandas nas quais o consumidor discute parte dos
objetivos e parâmetros de cálculo das quotas anuais da Conta de
Desenvolvimento Energético (CDE).
Com isso, o colegiado reconheceu a ilegitimidade
passiva da União e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para
ações dessa natureza, ainda que a discussão envolva a legalidade dos
regulamentos expedidos pelo poder público.
De
acordo com a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, o
tribunal tem jurisprudência consolidada no sentido de que esse tipo de
disputa envolve apenas o prestador e o consumidor do serviço público. "O
ente público concedente e eventual entidade autárquica são considerados
ilegítimos para figurar no polo passivo, ou mesmo atuar como
assistentes, ainda que tenham atuado na definição da tarifa", afirmou a
ministra.
A relatora explicou que a CDE, criada pelo artigo 13 da Lei 10.438/2002,
é um fundo público destinado a subsidiar o setor elétrico a partir de
recursos do Tesouro Nacional e dos consumidores. Entre suas fontes estão
as quotas anuais pagas pelas prestadoras de serviço de energia
elétrica, que são autorizadas a repassar o seu valor para as tarifas
cobradas do consumidor final.
Discussão indireta sobre encargo das distribuidoras e transmissoras
Além
desses dois atores, a ministra ressaltou o papel da União, da Aneel e
da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) na controvérsia.
Segundo ela, a União é a proprietária do patrimônio da CDE e não exerce
diretamente poderes de administração; a Aneel é a responsável por
definir os valores das quotas e o destino da CDE, mas sem a gestão
direta; e a CCEE é a gestora do patrimônio da CDE.
Em um dos recursos especiais
analisados como representativos da controvérsia, uma empresa
consumidora ajuizou ação contra a concessionária de energia elétrica, a
União e a Aneel para questionar a legalidade de componentes da quota
imposta às empresas do setor energético. Ela alegou que o valor deveria
ser menor, o que se refletiria em uma tarifa reduzida.
Na
avaliação da relatora, o que a autora da ação buscou – ainda que
indiretamente – foi debater o encargo das distribuidoras e
transmissoras, não havendo qualquer discussão sobre o cálculo do repasse
pela fornecedora de energia.
Segundo Maria Thereza de Assis Moura, a empresa autora é consumidora final e, como tal, "tem legitimidade
apenas para discutir a própria relação com a empresa de energia.
Portanto, a procedência do pedido reduz a tarifa para o usuário final,
mas não gera efeitos na quota anual devida pela prestadora do serviço".
Anuência dos herdeiros com habilitação de crédito em inventário deve ser expressa, decide Terceira Turma
Resumo em texto simplificado
A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por
unanimidade, que a concordância dos herdeiros para a habilitação de
crédito em inventário deve ser expressa e inequívoca. Para o colegiado,
embora não tenha natureza contenciosa, a habilitação impacta a esfera
jurídica dos herdeiros, razão pela qual o seu silêncio não pode ser
interpretado como anuência tácita, conforme previsto nos artigos 642, parágrafo 2º, e 643 do Código de Processo Civil (CPC).
O
entendimento foi adotado pela turma ao julgar o recurso de duas
empresas que buscavam a habilitação de um crédito de R$ 608 mil no
inventário do devedor falecido. O valor, segundo as empresas, decorre de
contratos atípicos de locação firmados com o autor da herança.
Como o espólio,
intimado para se manifestar, permaneceu inerte, o juízo de primeiro
grau indeferiu a habilitação, sob o argumento de que a ausência de
manifestação dos herdeiros inviabilizava o processamento do pedido no
inventário, tornando necessária a propositura de ação autônoma. O
Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) manteve essa decisão.
No
recurso ao STJ, as empresas alegaram que a omissão dos herdeiros não
poderia ser interpretada como discordância e que apenas uma negativa
expressa justificaria a remessa do pedido às vias ordinárias.
Decisão judicial sobre habilitação não substitui a vontade das partes
O
relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que o
consenso das partes interessadas em torno do reconhecimento da dívida é
condição essencial à habilitação –procedimento de natureza híbrida que
pode ser jurisdição não contenciosa ou instrumento cautelar, mas não
gera nova lide.
De
acordo com o ministro, o CPC prevê duas hipóteses para o pedido de
habilitação de crédito: a primeira quando há concordância entre todos os
herdeiros e interessados, permitindo a separação dos bens suficientes
para o pagamento da dívida; a segunda quando há discordância, o que
impõe a necessidade de ação própria. Neste último caso, caberá ao juízo
do inventário apenas reservar os bens, mas não resolver a lide.
Portanto,
segundo o relator, a prestação jurisdicional quanto ao pedido de
habilitação de crédito não substitui a vontade das partes no processo de
inventário. Villas Bôas Cueva explicou que, caso haja consenso, o
procedimento é de jurisdição voluntária, sem lide; no entanto, havendo dissenso, configura-se uma lide, e a disputa deve ser resolvida em foro próprio, por meio de ações específicas como cobrança ou execução de título extrajudicial.
Habilitação de crédito não pode ser usada para superar devido processo legal
No
caso dos autos, o ministro observou que o ponto central da controvérsia
é a forma como a concordância sobre o pedido deve ser manifestada. Para
o tribunal de segunda instância, o fato de não ter havido manifestação
do espólio
dentro do prazo não implica anuência tácita e não autoriza o deferimento
do pedido, pois é necessário que a concordância seja expressa nos
autos. Esse entendimento – acrescentou o ministro – está alinhado com a
natureza não contenciosa do procedimento de habilitação em inventário,
que exige manifestação explícita das partes.
Villas
Bôas Cueva concluiu que, embora a habilitação de crédito não seja
contenciosa, ela não pode ser usada para suplantar o contraditório e o
devido processo legal. O relator ressaltou que interpretar o silêncio ou
a inércia do inventariante como consentimento prejudicaria o direito de
discutir a dívida. "O consentimento, portanto, deve ser materializado,
senão de forma expressa, ao menos de forma explícita, em razão da
prática de atos materiais", declarou.
As múltiplas mulheres representadas na jurisprudência do Tribunal da Cidadania
Oficializado
pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, o Dia Internacional
da Mulher, celebrado em 8 de março, marca as conquistas políticas e
sociais das mulheres ao longo do tempo, bem como reforça a necessidade
de mobilização por mais direitos, pelo fim da violência e pela promoção
da equidade de gênero.
Ainda que haja grandes pautas em comum, a
luta de cada mulher pode também incluir múltiplas particularidades: se
ela é negra, existe o racismo; se é mãe, tem de vencer barreiras para
conciliar a vida profissional; se é mulher trans, a batalha é pelo
direito elementar de ser reconhecida como mulher.
Muitas
dessas lutas têm como palco o Judiciário, que deve olhar cada caso com a
perspectiva de gênero que o senso de equidade requer, conforme a Resolução 492/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Para contribuir com esse imperativo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) lançou, em dezembro de 2024, a publicação digital Visão do STJ – Julgamentos com Perspectiva de Gênero, que reúne doutrina e jurisprudência sobre o tema e está disponível na Biblioteca Digital Jurídica (BDJur).
O
material, direcionado prioritariamente ao público interno do STJ,
especialmente às equipes dos gabinetes de ministros, tem o objetivo de
otimizar o julgamento dos processos a partir das principais questões já
definidas pela corte.
Conheça, a seguir, alguns julgamentos marcantes do tribunal caracterizados pela perspectiva de gênero na aplicação do direito.
Lei Maria da Penha é aplicável à violência contra mulher trans
Ao
destacar que o objetivo da Lei Maria da Penha é combater a violência
contra a mulher em virtude do gênero, e não em razão do sexo, a Sexta
Turma estabeleceu que suas normas igualmente se aplicam aos casos de
violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais.
O colegiado deu provimento
a um recurso do Ministério Público de São Paulo e determinou a
aplicação das medidas protetivas requeridas por uma transexual, nos
termos do artigo 22 da Lei 11.340/2006,
após ela sofrer agressões do seu pai na residência da família. As
instâncias ordinárias haviam negado a aplicação da lei ao entendimento
de que o seu alcance seria limitado à condição de mulher biológica. O
caso correu sob segredo de justiça.
Em
seu voto, o relator do caso, ministro Rogerio Schietti Cruz, explicou
que "gênero é questão cultural, social, e significa interações entre
homens e mulheres", enquanto sexo se refere às características
biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, de modo que,
para ele, o conceito de sexo "não define a identidade de gênero".
O
conceito de gênero não pode ser empregado sem que se saiba exatamente o
seu significado e acabe por desproteger justamente quem a Lei Maria da
Penha deve proteger: mulheres, crianças, jovens, adultas ou idosas e, no
caso, também as trans.
Processo em segredo de justiça
Ministro Rogerio Schietti Cruz
Para
o ministro, a Lei Maria da Penha não faz considerações sobre a
motivação do agressor, mas apenas exige, para sua aplicação, que a
vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico
e familiar ou no contexto de relação de intimidade ou afeto entre
agressor e agredida.
Remarcação de curso de formação para candidata lactante
Apesar
de não ser possível remarcar provas de concurso público em razão de
circunstâncias pessoais dos candidatos, a jurisprudência do STJ garante o
direito de remarcação do teste de aptidão física às candidatas
grávidas, em consonância com orientação do Supremo Tribunal Federal
(STF) fixada no julgamento do RE 1.058.333, com repercussão geral (Tema 973).
Em 2019, no julgamento do RMS 52.622,
os ministros da Primeira Turma ampliaram essa possibilidade e
asseguraram a participação de uma candidata lactante no curso de
formação e nas demais etapas de concurso para agente penitenciário em
Minas Gerais.
A candidata estava em licença-maternidade na época
em que foi convocada para a sexta etapa do certame – o curso de formação
–, mas se sentiu impedida de realizar o curso devido à sua condição
física. Por meio de liminar,
ela realizou o curso posteriormente, mas o Tribunal de Justiça de Minas
Gerais (TJMG) entendeu que não haveria o direito à remarcação de
provas, pois o edital do concurso vedava tratamento diferenciado a
qualquer candidato.
O relator do caso
no STJ, ministro Gurgel de Faria, destacou que a candidata lactante é
merecedora do mesmo amparo estabelecido pelo STF para as gestantes, uma
vez que a Constituição Federal garante o direito à saúde, à maternidade,
à família e ao planejamento familiar. O ministro sublinhou que, embora a
concorrente não estivesse mais grávida, ela estava em
licença-maternidade e sua filha tinha apenas um mês de vida quando o
curso começou.
Palavra da vítima tem especial relevância nos casos de violência doméstica
A
jurisprudência do tribunal firmou orientação no sentido de que, em
casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, a palavra da
vítima tem especial relevância, uma vez que muitos desses fatos ocorrem
em situação de clandestinidade.
A
violência de gênero contra as mulheres é um dos meios pelos quais a
assimetria de poder estrutural e os papéis estereotipados são
perpetuados. Imprescindível que o Poder Judiciário utilize as lentes de
gênero na interpretação do direito.
APn 902
Ministro Sebastião Reis Junior
Esse entendimento foi aplicado pela Corte Especial em 2024, no julgamento da APn 902, para condenar um desembargador por violência doméstica cometida contra a sua companheira em 2017.
Para
o relator do caso, ministro Sebastião Reis Junior, a violência contra a
mulher no âmbito doméstico e familiar é comumente praticada na ausência
de testemunhas. "Nesse ponto, é imperioso frisar que as declarações da
ofendida podem fundamentar decreto condenatório, desde que sejam seguras
e harmônicas com os demais elementos de convicção", disse.
Plano de saúde deve cobrir operação de mudança de sexo para mulher trans
Em
2023, a Terceira Turma considerou que os procedimentos de redesignação
sexual, reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e
incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS), não podem ser considerados
apenas estéticos.
Com esse entendimento, o colegiado decidiu, no REsp 2.097.812,
que as operadoras de planos de saúde têm a obrigação de custear
cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de
próteses para mulheres transexuais.
Entre
outros fundamentos, a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, levou
em conta que tais procedimentos são reconhecidos pelo CFM como de
afirmação de gênero e foram incorporados ao SUS, com indicação para o
processo transexualizador.
A ministra
ponderou que esses fatos atestam a existência de evidências científicas
sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança dos
procedimentos, conforme interpretação do artigo 19-Q, parágrafo 2º, incisos I e II, da Lei 8.080/1990.
Prisão domiciliar para mãe de crianças pequenas durante enchentes no RS
Desde a aprovação do Estatuto da Primeira Infância,
em 2016, o STJ tem analisado muitos casos de mães ou gestantes que
pedem o benefício da prisão domiciliar. A lei alterou o artigo 318 do
Código de Processo Penal (CPP) para possibilitar a conversão da prisão preventiva em regime domiciliar no caso de mulheres gestantes ou com filhos de até 12 anos incompletos.
Essa possibilidade se consolidou a partir do julgamento do HC 143.641, em 20 de fevereiro de 2018, quando os ministros do STF concederam ordem coletiva para substituir por domiciliar a prisão preventiva de gestantes, puérperas ou mães de crianças de até 12 anos ou de deficientes.
No RHC 191.995,
julgado em maio de 2024, a Quinta Turma do STJ concedeu regime
domiciliar para que uma mulher, presa por tráfico de drogas, pudesse
cuidar de duas filhas durante a calamidade pública provocada pelas
chuvas no Rio Grande do Sul. O tribunal estadual havia negado o pedido
ao fundamento de que não haveria evidências claras de que a acusada
detinha a guarda das crianças.
A
superlotação e as condições muitas vezes precárias das prisões podem se
tornar ainda mais problemáticas durante uma calamidade. Questões como
higiene precária, acesso limitado a cuidados médicos e a impossibilidade
de manter o distanciamento social podem transformar as prisões em focos
de propagação de doenças.
RHC 191.995
Ministra Daniela Teixeira
Na
avaliação da relatora, ministra Daniela Teixeira, "eventos como
pandemias, catástrofes naturais ou emergências em larga escala exigem
uma reavaliação das prioridades e capacidades do sistema prisional".
Para a ministra, a prisão domiciliar da mãe junto às suas filhas
conciliava a contenção do direito de ir e vir da acusada, o que a
impedia de eventualmente voltar a cometer delitos, e a convivência
necessária com as crianças.
Corte manteve ação contra dirigente acusado de discriminar mulher negra
Se
o fato de ser mulher impõe a necessidade de uma luta diária contra a
discriminação, ser mulher negra faz dessa luta um esforço dobrado.
Em 2005, a Sexta Turma analisou um caso de suposto racismo na admissão de sócios por um clube de Uberaba (MG) e manteve a ação penal
instaurada contra o presidente da entidade, acusado de impedir que um
casal adquirisse cotas do estabelecimento e compusesse o quadro social
devido ao fato de a mulher ser negra.
No julgamento do RHC 12.890,
o colegiado definiu que a recusa de admissão no quadro associativo de
clube social, em razão de preconceito de raça ou de cor, caracteriza o
tipo penal do artigo 9º da Lei 7.716/1989.
Para os ministros, a expressão "impedir o acesso" constante no
dispositivo legal se refere tanto a barrar a entrada nas dependências
físicas do estabelecimento quanto a negar a admissão no respectivo
quadro associativo, o que autorizava o prosseguimento do processo penal.
De
acordo com os autos, as tratativas corriam normalmente por telefone,
até que a interessada foi pessoalmente concluir a negociação das cotas
e, a partir de então, os representantes do clube passaram a recusar sua
admissão e a de seus familiares. De acordo com as informações da denúncia
oferecida pelo Ministério Público, um dos representantes da entidade
chegou a afirmar que os vendedores das cotas foram orientados pelo
presidente a não negociar com negros.
O
dirigente alegou que o clube era uma entidade fechada, frequentada
apenas pelos associados, e que a diretoria, com base no estatuto,
poderia aceitar ou recusar as propostas de ingresso sem indicar
motivos.
Para o relator do caso, ministro Hamilton Carvalhido
(falecido), "a faculdade, estatutariamente atribuída à diretoria, de
recusar propostas de admissão em clube social, sem declinação dos
motivos, não lhe atribui a natureza especial de fechado, de maneira a
subtraí-lo da incidência da lei".
Contrato de adesão a consórcio pode ser essencial na ação de busca e apreensão
Resumo em texto simplificado
A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a ação
de busca e apreensão deve ser ajuizada com o contrato de adesão ao
grupo de consórcio quando, no contrato de alienação fiduciária, não constarem as condições e os encargos a que o devedor se obrigou.
Uma
administradora de consórcio de veículos ajuizou ação de busca e
apreensão contra um de seus consorciados, a qual foi extinta sem
julgamento de mérito porque a autora, intimada, não anexou à petição inicial a cópia do contrato de adesão ao consórcio.
O
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)
manteve a decisão, confirmando que o não atendimento à determinação do
magistrado para apresentar o documento justificou a extinção do processo
sem resolução de mérito.
No recurso especial
dirigido ao STJ, a administradora sustentou que a lei não a obriga a
apresentar o contrato de adesão para iniciar o processo e que o contrato
de alienação fiduciária seria suficiente.
A ministra explicou que são indispensáveis para o ajuizamento desse tipo de ação a comprovação da mora do devedor fiduciante, conforme a Súmula 72 do STJ, e o contrato escrito celebrado
entre as partes. "É também necessária a comprovação da adesão do
devedor fiduciante ao contrato de consórcio", enfatizou.
Segundo ela observou, o contrato de alienação fiduciária no caso em julgamento, como muitos outros, não contém elementos que permitam definir o valor da dívida com exatidão.
Alienação fiduciária é instrumento acessório
Nancy Andrighi comentou que o pacto de alienação fiduciária
é um instrumento acessório ao contrato de adesão, negócio jurídico
principal. Conforme apontou, "é o descumprimento do contrato principal
que dá ensejo à busca e apreensão embasada no pacto de alienação fiduciária".
A ministra esclareceu ainda que o contrato de adesão permite comprovar a titularidade do direito e a legitimidade das partes, além de identificar o objeto que será apreendido e contabilizar os encargos da mora.
Termo de adesão a associação de moradores não vale como título executivo extrajudicial
Resumo em texto simplificado
A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o
termo de adesão associativa celebrado entre o proprietário de um terreno
e a associação que administra o loteamento não possui natureza jurídica
de título executivo extrajudicial.
Na origem do caso, a
associação de moradores ajuizou ação de execução para receber valores
referentes a taxas ordinárias e extraordinárias de um morador associado.
Ao analisar os embargos opostos pelo réu, o juízo extinguiu a execução,
sob o fundamento de ausência de título executivo extrajudicial, e
declarou inexistente a relação jurídica entre as partes. O tribunal
estadual manteve o entendimento.
No recurso especial
dirigido ao STJ, a associação sustentou a possibilidade de mover a
execução de título extrajudicial com base no termo de adesão firmado
entre o proprietário e a entidade.
Títulos executivos extrajudiciais estão previstos na legislação
A
relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que os títulos executivos
extrajudiciais surgiram com o objetivo de afastar a obrigação de se
passar por todo o processo de conhecimento, permitindo o ajuizamento
direto da execução. "A técnica dos títulos executivos extrajudiciais
representa verdadeira exceção ao processo de cognição exauriente",
destacou.
A ministra apontou que, diante da gravidade das medidas
executivas que poderão recair sobre a parte executada, só podem ser
considerados títulos executivos extrajudiciais os previstos na
legislação ordinária – especificamente no artigo 784 do Código de Processo Civil (CPC), cuja interpretação deve ser restritiva. Assim, por exemplo, segundo a relatora, o inciso VIII
do dispositivo trata do contrato de locação de imóveis, não podendo ser
estendido para abarcar o rateio das despesas de uma associação de
moradores.
No mesmo sentido, ela ressaltou que não se pode confundir a associação com o condomínio para efeito de aplicação do inciso X do artigo 784 do CPC, que trata do crédito decorrente de contribuições condominiais.
Interpretação extensiva prejudica a segurança jurídica
A ministra enfatizou que, de acordo com a tipicidade
dos títulos executivos, não se pode admitir uma interpretação que
amplie o seu âmbito de incidência para alcançar a hipótese de créditos
decorrentes do rateio de despesas de associação de moradores.
Para
Nancy Andrighi, há prejuízo à segurança jurídica nos casos em que a
interpretação ignora a existência de normas jurídicas expressas, devendo
o intérprete "evitar ao máximo a incerteza normativa e a
discricionariedade".
Racismo reverso: STJ afasta injúria racial contra pessoa branca em razão da cor da pele
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus
para anular todos os atos de um processo por injúria racial movido
contra um homem negro, acusado de ofender um branco com referências à
cor da pele.
No julgamento, o colegiado afastou a possibilidade de
reconhecimento do chamado "racismo reverso", ao considerar que "a
injúria racial não se configura em ofensas dirigidas a pessoas brancas
exclusivamente por esta condição", pois "o racismo é um fenômeno
estrutural que historicamente afeta grupos minoritários, não se
aplicando a grupos majoritários em posições de poder".
Para
o relator, ministro Og Fernandes, a tipificação da injúria racial visa
proteger grupos minoritários historicamente discriminados.
De acordo com a denúncia
do Ministério Público de Alagoas, o réu teria cometido injúria racial
contra um italiano, por meio de aplicativo de mensagens, chamando-o de
"escravista cabeça branca europeia". A troca de mensagens teria ocorrido
após o réu não
receber por serviços prestados ao estrangeiro.
Lei protege grupos historicamente discriminados
O relator do pedido de habeas corpus,
ministro Og Fernandes, afirmou que o caso revela uma ilegalidade
flagrante. Segundo ele, a tipificação do crime de injúria racial,
previsto no artigo 2º-A da Lei 7.716/1989,
visa proteger grupos minoritários historicamente discriminados. "A
interpretação das normas deve considerar a realidade concreta e a
proteção de grupos minoritários, conforme diretrizes do Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)", declarou.
Com
base no protocolo, que reconhece o racismo como um fenômeno estrutural
baseado na hierarquia racial historicamente imposta por grupos
dominantes, o ministro destacou que a injúria racial só se configura
quando há uma relação de opressão histórica – o que não se verificava no
caso em discussão.
Og Fernandes mencionou também o artigo 20-C da Lei 7.716/1989,
segundo o qual a interpretação das normas sobre crimes raciais deve
tratar como discriminatória "qualquer atitude ou tratamento dado à
pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação,
vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se
dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou
procedência".
População branca não pode ser considerada minoritária
No
entendimento do relator, "a expressão 'grupos minoritários'
induvidosamente não se refere ao contingente populacional de determinada
coletividade, mas àqueles que, ainda que sejam numericamente
majoritários, não estão igualmente representados nos espaços de poder,
público ou privado, que são frequentemente discriminados inclusive pelo
próprio Estado e que, na prática, têm menos acesso ao exercício pleno da
cidadania".
"Não é possível acreditar que a população brasileira
branca possa ser considerada como minoritária. Por conseguinte, não há
como a situação narrada nos autos corresponder ao crime de injúria
racial", avaliou o ministro.
Em seu voto, Og Fernandes ressalvou
que é perfeitamente possível haver ofensas de negros contra brancos,
porém, sendo a ofensa baseada exclusivamente na cor da pele, tais crimes
contra a honra teriam outro enquadramento que não o de injúria racial.
"A
injúria racial, caracterizada pelo elemento de discriminação em exame,
não se configura no caso em apreço, sem prejuízo da análise de eventual
ofensa à honra, desde que sob adequada tipificação", concluiu o relator
ao conceder o habeas corpus
para afastar qualquer interpretação que considere a injúria racial
aplicável a ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por essa
condição.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 929002
Motorista acusado de homicídio qualificado após perseguição no trânsito continuará preso
O ministro Herman Benjamin, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indeferiu o pedido de liminar em habeas corpus que buscava a revogação da prisão preventiva de um homem acusado de matar um passageiro de carro de aplicativo.
De acordo com a denúncia
apresentada pelo Ministério Público de São Paulo, o acusado perseguiu
por quase cinco quilômetros o veículo de um motorista de aplicativo,
após ter sido supostamente "fechado" por ele em uma rodovia. Ao
alcançá-lo, emparelhou seu carro, exibiu uma arma de fogo e começou a
proferir ofensas.
O motorista de aplicativo acelerou o carro para
fugir, mas nesse momento o acusado teria disparado a arma e atingido o
passageiro, que estava no banco traseiro. A vítima chegou a ser levada a
um posto de saúde, mas não resistiu ao ferimento.
O autor do
disparo teve a prisão em flagrante convertida em preventiva e foi
acusado de homicídio qualificado por motivo fútil e com o uso de recurso
que dificultou a defesa da vítima.
Liminar é negada por falta de urgência no pedido
No habeas corpus
impetrado no STJ, a defesa afirmou que a prisão não estaria apoiada em
fundamentos capazes de autorizá-la. Sustentou, ainda, que medidas
cautelares alternativas, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, seriam adequadas e suficientes para que o processo pudesse prosseguir, sem a necessidade da prisão.
Ao analisar o pedido de liminar,
o ministro Herman Benjamin afirmou que a situação não tinha a urgência
necessária para justificar a intervenção do STJ em regime de plantão.
Indeferida a liminar, o habeas corpus vai tramitar na Sexta Turma, sob a relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 977014