A Quarta Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) entendeu que os danos decorrentes da execução de medida
cautelar – na hipótese em que o processo principal é extinto sem
julgamento do mérito e cessa a eficácia da medida – devem ser reparados
pelo requerente, independentemente da comprovação de culpa, ou seja, de
forma objetiva.
No julgamento, realizado sob as regras do Código de Processo Civil
(CPC) de 1973, o colegiado reconheceu a uma companhia transportadora o
direito de ser indenizada após ter um navio retido cautelarmente por 431
dias.
A empresa autora da ação cautelar firmou com a transportadora
contrato de afretamento de navio para transportar 50 mil toneladas de
aço do Espírito Santo até a Bélgica. Por entender que a embarcação não
tinha condições adequadas para o transporte da carga, a autora pediu a
concessão de liminar para que fosse impedida a saída do navio até a
realização de inspeção e o fornecimento de garantia contratual.
A cautelar foi deferida, e o navio ficou retido até ser liberado pela
Justiça, após a extinção do processo principal, sem julgamento do
mérito, em virtude da existência de cláusula contratual em que as partes
se comprometiam a submeter qualquer conflito ao foro arbitral de
Londres. A arbitragem, porém, não chegou a ser instaurada pela
contratante do navio.
Prejuízos
Ao ingressar com a ação indenizatória, a empresa de transporte alegou
ter sofrido danos materiais no montante de R$ 484.812,80, relativos às
despesas durante a retenção; lucros cessantes de R$ 6.206.400,00,
correspondentes ao valor diário da locação multiplicado pelo número de
dias em que a embarcação ficou retida, e danos morais.
A ação foi julgada improcedente, sob o fundamento de que a autora da
ação cautelar agiu dentro dos limites legais que lhe garantem o acesso à
Justiça. O entendimento foi mantido pelo Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro (TJRJ).
Ao STJ, a dona do navio sustentou que, conforme os artigos 808, III, e 811,
III, do CPC/1973, é obrigação de quem requer o procedimento cautelar
responder à outra parte pelo prejuízo que lhe causar a execução da
medida.
Risco assumido
Em seu voto, o relator, ministro Marco Buzzi, reconheceu o direito da
transportadora à indenização, por entender que, como a extinção da ação
principal se deveu à existência de cláusula arbitral, é perfeitamente
aplicável a responsabilidade objetiva da requerente da medida cautelar –
como previsto nos artigos 808, III, e 811, III, do CPC/1973.
“A recorrida, ainda que diante da existência de cláusula
compromissória arbitral no contrato entabulado com a recorrente,
prevendo que os conflitos entre elas deveriam ser dirimidos pelo foro
arbitral de Londres, na Inglaterra, optou por ingressar com cautelar e
posteriormente ajuizar ação indenizatória correspondente no Brasil,
assumindo o risco do seu insucesso”, afirmou.
Após pedidos de vista, os ministros Raul Araújo e Isabel Gallotti se
manifestaram no sentido de que a aplicação da cautelar foi correta, com o
objetivo de afastar o risco representado pelo mau estado da embarcação.
Quanto à responsabilidade, Raul Araújo entendeu ser subjetiva, enquanto
Isabel Gallotti seguiu o relator.
De acordo com Marco Buzzi, a análise dos autos demonstra que “não há
como cogitar que a medida cautelar tivesse cunho satisfativo”, visto que
a retenção do navio foi requerida no intuito de garantir futura
reparação de danos, “sobretudo em relação aos custos de transbordo do
aço e outros supostos prejuízos decorrentes do atraso na entrega da
carga”.
“Caso o risco que se queria afastar dissesse respeito, propriamente,
ao transporte da mercadoria de propriedade da recorrida, a cautelar
deveria ter se limitado ao descarregamento do navio, sem necessidade de
retenção, que, no caso, ultrapassou um ano e dois meses.”
O relator destacou ainda que a reparação de eventual descumprimento
contratual por parte da transportadora – fundamento da liminar deferida
na ação cautelar – nunca chegou a ser pleiteada no foro competente.
Distinção
Segundo Marco Buzzi, deve-se fazer a distinção entre os pressupostos
de responsabilidade pelos danos decorrentes da execução da cautelar e a
existência de justo motivo para concessão da medida. Enquanto a aferição
de justo motivo para a cautelar se funda na evidência do direito
alegado e no risco da demora (fumus boni iuris e periculum in mora), os pressupostos da responsabilização se limitam ao dano, à conduta e ao nexo causal.
O ministro salientou que não há como afastar a responsabilização
pelos danos apenas com base na aparente regularidade da concessão da
cautelar, como fez o tribunal de origem.
“A rigor, medidas cautelares somente são concedidas quando há justo
motivo, isto é, quando há plausibilidade jurídica e perigo de dano, pelo
que, se isso pudesse afastar a responsabilidade, ninguém jamais
responderia pelos danos daí decorrentes, ou seja, a disciplina legal
pertinente seria inócua.”
Para o relator, a responsabilização “diz respeito à circunstância
processual posterior à decisão liminar, sobretudo no que tange à
confirmação do direito outrora salvaguardado, a qual nunca se viabiliza,
por óbvio, se não a perseguir a parte requerente da tutela de
urgência”.
Lealdade processual
Ao analisar os pressupostos da responsabilidade objetiva no caso
concreto, o ministro afirmou que, quanto à conduta, o requerente da
medida cautelar descumpriu o “dever processual de viabilizar um juízo
definitivo de mérito a respeito do direito outrora acautelado”, conforme
os artigos 808 e 811 do CPC/1973 – o que tornou inócuo o requerimento
cautelar.
Sobre o nexo causal, Buzzi afirmou que o pressuposto ficou
demonstrado pelo fato de que o requerente da medida, mesmo após a
extinção do processo sem julgamento de mérito, sabendo que não iria
instaurar o juízo arbitral, não requereu sua revogação – o que deveria
fazer por lealdade processual –, permanecendo o navio retido por mais de
um ano e dois meses.
“Não há como desconsiderar, como causa invencível da retenção do
navio, a força da ordem judicial que a determinou, a qual foi, a
propósito, devidamente impugnada e, mesmo assim, mantida por longo
tempo.”
Em relação ao dano, afirmou que ele ainda precisa ser confirmado.
Para o relator, concluir pelo afastamento do dever de reparação no
caso julgado caracterizaria “subversão, não apenas da literalidade dos
artigos 808 e 811 do CPC/1973, mas da própria lógica em que se fundam as
decisões precárias do sistema de tutelas provisórias” – o qual foi
mantido, em essência, no CPC em vigor.
Por maioria, a turma seguiu o entendimento do relator, reconheceu o
direito de indenização e determinou a devolução dos autos às instâncias
ordinárias para o exame da efetiva existência e da extensão dos danos
materiais, lucros cessantes e danos morais alegados.
Fonte: STJ