Celebra-se
em 28 de setembro o Dia Internacional do Acesso Universal à Informação.
Foram necessárias duas décadas de mobilização da sociedade para que se
cumprissem os princípios do direito à informação presentes na
Constituição de 1988. Em 18 de novembro de 2011, foi promulgada a Lei nº
12.527, a Lei de Acesso à Informação (LAI). A informação produzida,
guardada, organizada e gerenciada pelo Estado em nome da sociedade é um
bem público e o acesso a esses dados favorece a boa gestão, o controle e
a compreensão do impacto das mesmas nas contas públicas, nos rumos da
nação e na vida de cidadãos e cidadãs.
Pela LAI, a
transparência deve ser a regra. As informações coletadas e produzidas
pelo Estado ou por instituições de interesse público só podem ser
mantidas em sigilo em casos excepcionais. No entanto, esse preceito às
vezes não é seguido pelo Estado brasileiro. Quem afirma é a jornalista
Maria Vitória Ramos, cofundadora da Fiquem Sabendo, agência de
jornalismo especializada na Lei de Acesso à Informação. “No último ano,
vimos uma mudança de paradigma, que se aprofundou com a chegada da LGPD
(Lei Geral de Proteção de Dados). As regulações têm sido usadas pelo
Governo Federal como justificativa para a rejeição de pedidos de acesso a
informações públicas e a colocação dessas mesmas informações públicas
sob sigilo de 100 anos”, afirma a jornalista.
O artigo 31
da LAI dispõe sobre o tratamento que deve ser dado a informações
pessoais, que neste caso podem ter acesso restrito, independentemente de
classificação de sigilo e pelo prazo de até 100 anos. A LGPD, por sua
vez, regula as operações realizadas pelos setores públicos e privado com
dados pessoais, como coleta, uso e armazenamento desse tipo de dado, de
forma que o direito à privacidade e a outras garantias individuais seja
preservado. Ainda assim, ambas as leis defendem a transparência e a
divulgação de dados de interesse público.
Para Ramos, o
direito à privacidade é “do cidadão que não tem vida pública ou que
tampouco interage de forma opcional com as esferas de poder, tendo
contato ou se beneficiando de recursos públicos”, o que, portanto, não
se aplicaria aos casos em que órgãos públicos têm se recusado a fornecer
informações e imposto sigilo aos dados.
Vale
destacar que fora do âmbito federal também há desafios para quem quer
obter informações públicas. Isso porque a LAI supõe um grau de
ordenamento informacional do Estado brasileiro que ainda está longe de
existir em muitos Estados e municípios, pela falta de falta
controladorias, fiscalização e de padronização dos dados, em que pesem
ilhas de excelência e setores com melhor gestão da informação.
“Uma
vez, tentamos construir um grande relatório sobre a violência de gênero
no país. Fizemos 800 pedidos de acesso à informação sobre o tema em
diferentes municípios, mas foi impossível concluir a tarefa”, lembra a
jornalista da Fiquem Sabendo. E explica: “Enquanto algumas localidades
registravam a morte de uma mulher e suas características completas, em
outras localidades se registrava apenas a morte de uma pessoa, sem
qualquer grau de identificação”.
A importância do acesso à informação
Em
um momento de ataque às estruturas da Lei de Acesso à Informação,
conhecê-la e valorizá-la é fundamental para a sobrevivência desse
instrumento que garante um direito constitucional de todos os
brasileiros e todas as brasileiras. O acesso à informação pode assegurar
a cidadãos e cidadãs direitos essenciais como saúde, educação e
benefícios sociais.
Em 2016, por exemplo, uma série de
reportagens do jornal O Globo, capitaneada pelo jornalista Vinicius
Sassine, usou da Lei de Acesso à Informação para cruzar dados e revelar
que, entre 2013 e 2015, a FAB (Força Aérea Brasileira) recusou o
transporte de 153 órgãos destinados a transplantes, mas, nos mesmos dias
das recusas, a mesma FAB atendeu a 716 requisições de transporte de
ministros de Estado e dos presidentes do Supremo Tribunal Federal, da
Câmara de Deputados e do Senado. O impacto da reportagem levou o então
presidente interino da República, Michel Temer, a assinar o decreto nº
8.783, de 6 de junho, determinando que ao menos uma aeronave ficasse
sempre à disposição exclusiva para transporte de órgãos.
A
Fiquem Sabendo faz e acompanha cerca 2,5 mill pedidos via LAI por ano
para o Governo Federal, demais Poderes e unidades da federação. No
presente momento, a agência aguarda manifestação do Tribunal de Contas
da União (TCU) sobre a falta de transparência em relação ao salário dos
servidores nas empresas estatais federais. A agência tem tido um
importante papel na divulgação, fiscalização, aprimoramento e
cumprimento da LAI no setor público.
Em 2021, depois de
uma batalha de quatro anos, a Fiquem Sabendo conseguiu a liberação
completa - e inédita - dos pagamentos a pensionistas e aposentadoria de
inativos. Graças a essa base de dados, a agência revelou que mais de
17,4 mil beneficiários civis e militares que receberam pensões do
governo brasileiro em 2020 tinham dívidas com a União (Imposto de Renda
ou FGTS), as quais somam R$ 2,2 bilhões. A agência apurou que Governo
Federal pagou R$ 384 bilhões a pensionistas (viúvas, filhas maiores
solteiras sem cargo público permanente, companheiro e companheira, filho
e filha) desde 1994.
Maria Vitória Ramos contou também
que a Fiquem Sabendo identificou dados que haviam sido imputados de
maneira errada. Apurou ainda que o próprio sistema provocava anomalias
nos dados na hora da extração das informações. “Informamos a área
técnica e esses erros foram corrigidos. No fim das contas, contribuímos
para o governo melhorar e atualizar o tratamento dos seus próprios
dados”, sublinha a jornalista.
A imprensa brasileira
também aproveitou a liberação dos dados de pensionistas para produzir
reportagens. Matéria da revista Piauí mostrou que os herdeiros de um
auditor da Receita Federal receberam pensão por 107 anos, de 1912 a
2019. Outra matéria, esta da Agência Pública, usou os dados das pensões e
aposentadorias das Forças Armadas para mostrar que o governo brasileiro
paga R$ 1,2 milhão por mês a herdeiros de militares acusados de crimes
na ditadura.
Transparência na Ordem e na Caixa
Na
Seção de São Paulo da OAB e na Caixa de Assistência dos Advogados de
São Paulo, transparência é palavra de ordem. Em 2019, ambas lançaram
seus Portais da Transparência, afixados nos respectivos sites, exibindo
todas as demonstrações contábeis, descrição do quadro de funcionários,
cargos e salários, orçamentos e indicadores de desempenho.