A Constituição Federal de 1988,
consagrando o Estado Democrático de Direito, definiu em seu artigo 5º,
inciso LXXIV, que o Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. A previsão visa
dar efetividade ao devido processo legal, consubstanciado,
essencialmente – nas palavras do ministro Jorge Mussi –, na garantia à
ampla defesa e ao contraditório.
“Não se pode conceber o exercício da pretensão punitiva por parte do
Estado sem que sejam observadas as garantias do acusado à ampla defesa e
ao contraditório, as quais, frise-se, não se prestam somente para zelar
pelo interesse deste, mas também para que seja preservada a
imparcialidade do órgão julgador, ao conduzir um processo no qual as
partes foram tratadas de forma parelha, sem nenhuma vantagem para
qualquer delas” – afirmou o ministro do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) no julgamento do HC 368.318.
A assistência jurídica gratuita, que assegura essas garantias aos
necessitados, é prestada pela Defensoria Pública (DP) – e também por
outros meios – e se complementa com a dispensa do pagamento de despesas
judiciais. Embora as expressões às vezes se confundam no debate dos
tribunais, há doutrinadores que fixam uma distinção clara entre
assistência jurídica (orientação e defesa em juízo das pessoas pobres) e
gratuidade de Justiça, ou Justiça gratuita (dispensa de despesas
judiciais).
Ampla jurisprudência
De acordo com a Constituição de 1988, artigos 134 e 135,
cabe à DP “a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos
individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
necessitados”. A Lei 1.060/1950 estabelece normas para a concessão da assistência judiciária.
O novo Código de Processo Civil (CPC/2015), nos artigos 98 a 102,
dispôs sobre a gratuidade de Justiça, prevendo ser o benefício direito
da pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com
insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e
os honorários de advogados e peritos. Até das despesas com exame de
DNA, por exemplo, o beneficiário da Justiça gratuita está livre.
A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) produziu três edições (148, 149 e 150) do boletim Jurisprudência em Teses,
com um total de 40 teses jurídicas sobre gratuidade de Justiça.
Confira, na sequência, alguns entendimentos do tribunal sobre a matéria.
Defensor dativo
Ao julgar o RMS 49.902,
de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a Quinta Turma do
STJ firmou o entendimento de que a DP não detém a exclusividade da
prestação de assistência jurídica gratuita àqueles que não têm meios
financeiros para contratar advogado, assim como não existe o direito
subjetivo do acusado de ser defendido pela DP.
Na ocasião, o relator destacou que, caso não haja órgão de
assistência judiciária na comarca ou subseção judiciária, ou se a DP não
estiver devidamente organizada na localidade, é admissível a designação
de defensor dativo, sem que haja declaração automática de nulidade do
processo.
Reynaldo Soares da Fonseca rememorou decisão no RHC 106.394,
de relatoria da ministra Rosa Weber, em que a Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF) reconheceu a preferência de nomeação da DP para a
representação do réu incapaz de custear seu próprio patrono, caso o
órgão esteja devidamente estruturada no local.
Porém, segundo o ministro do STJ, “tal interpretação é passível de
uma série de exceções e mitigações, e não impede a substituição pontual
do defensor público por defensor dativo” – por exemplo, no caso de o
defensor público não produzir uma defesa efetiva, situação em que a
própria lei aconselha sua substituição.
A tese foi aplicada também no julgamento do RHC 105.943,
em que o relator do processo, ministro Felix Fischer, salientou que, em
caso de nomeação de defensor dativo, “a declaração de nulidade exige a
comprovação de prejuízo, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo)”.
Requisitos legais
“O custeio da causa pela DP não expressa a automática concessão dos
benefícios da Justiça gratuita, devendo ser observadas as condições
necessárias para a obtenção de seus efeitos previstos em lei.” Essa foi a
tese aplicada pela Terceira Turma do STJ no julgamento do AgInt no AREsp 1.012.133, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva.
No caso analisado, o réu recorreu de decisão da presidência do STJ
que negou seguimento a recurso interposto por ele, sob o fundamento de
que não foram juntados aos autos a guia de custas e o comprovante de
pagamento do preparo.
O recorrente alegou que, por se tratar de processo com exercício de
curadoria especial pela DP, a exigência de pagamento de custas
representaria obstáculo à representação processual, além de configurar
cerceamento de defesa e ferir os princípios do contraditório e da ampla
defesa.
Sem presunção
Em seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva citou decisão sob relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze no AgRg no AREsp 772.756,
em que a mesma Terceira Turma decidiu que o deferimento da Justiça
gratuita não se presume, mesmo na hipótese de a DP atuar como curadora
especial, em caso de revelia do réu devedor, citado fictamente.
Ele lembrou ainda orientação jurisprudencial que define que “as guias
de recolhimento e os respectivos comprovantes de pagamento do preparo
são essenciais para a regularidade recursal, devendo ser comprovado o
correto recolhimento no ato de interposição do recurso, sob pena de
deserção”.
Em julgamento semelhante, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca (AgRg no AREsp 729.768),
a Quinta Turma estendeu o entendimento de que não se presume a
gratuidade de Justiça às causas patrocinadas pelos núcleos de prática
jurídica.
Intimação pessoal
Ainda em relação aos núcleos de prática jurídica, a jurisprudência do
STJ entende que seus advogados, por se equipararem aos defensores
públicos na prestação da assistência judiciária gratuita, serão
intimados pessoalmente de todos os atos processuais. O entendimento foi
aplicado pela Quinta Turma no julgamento do AgRg no AREsp 780.340, de relatoria do ministro Gurgel de Faria.
Na ocasião, o relator reconheceu o direito de intimação pessoal dos
advogados integrantes dos núcleos de prática jurídica, porém destacou
que, apesar do privilégio, tais defensores não estão dispensados de
apresentar a procuração ou o ato de nomeação judicial, por ausência de
previsão legal.
Da mesma forma, o colegiado decidiu no HC 387.135,
de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, anular decisão do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por entender que a ausência de
intimação pessoal do defensor do núcleo de prática jurídica constitui
prejuízo à parte.
Ribeiro Dantas destacou que “o reconhecimento de nulidades no curso
do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte,
sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas,
positivado pelo artigo 563 do Código de Processo Penal”.
No caso dos autos, o magistrado destacou que, com a não realização da
intimação pessoalmente, ficou “manifesta a ilegalidade imposta ao
paciente”.
Pedido expresso
Segundo a jurisprudência do STJ, o benefício da assistência
judiciária gratuita depende de expresso pedido da parte, sendo vedada
sua concessão de ofício pelo juiz.
Ao julgar o AgRg no AREsp 694.351,
de relatoria do ministro Herman Benjamin, a Segunda Turma negou
seguimento ao recurso de um sindicato que sustentou o direito à
gratuidade de Justiça no âmbito do STJ, em virtude de ter obtido
dispensa do pagamento de custas e preparo na ação civil pública que deu
origem ao agravo interposto no tribunal.
Em seu voto, o ministro relator destacou que, neste caso, a alegação
da parte não merece prosperar, visto que, se não há pedido de concessão
dos benefícios da assistência judiciária gratuita anterior à
interposição do recurso especial, nem decisão expressa que defira tal
vantagem, não compete ao magistrado conferi-la de ofício.
“A concessão do benefício está condicionada à existência de pedido
expresso do interessado em tal sentido, de modo a declarar que não está
em condições de pagar as custas processuais e os honorários advocatícios
sem prejuízo da subsistência própria ou de sua família.”
Não retroatividade
Outra importante definição sobre o tema é que o deferimento do pedido de gratuidade de Justiça tem efeitos ex nunc, ou seja, não alcançam encargos anteriores ao requerimento do benefício.
Esse foi o entendimento da Quinta Turma ao julgar o AgRg no REsp 839.168,
de relatoria da ministra Laurita Vaz. Em seu voto, a relatora afirmou
que o pedido de gratuidade de Justiça pode ser formulado em qualquer
fase do processo, inclusive na execução da sentença, porém, os seus
efeitos não poderão retroagir para alcançar atos processuais
anteriormente convalidados.
Caso se esteja na fase de execução do julgado, a magistrada salientou
que o requerimento “não poderá ter o propósito de impedir a execução
dos honorários advocatícios que foram anteriormente fixados no processo
de conhecimento, no qual a parte litigou sem o benefício da Justiça
gratuita”.
Ação de alimentos
Recentemente, a Terceira Turma decidiu que a gratuidade em ação de
alimentos não exige prova de insuficiência financeira do responsável
legal, tendo em vista que o direito à gratuidade tem natureza
personalíssima (artigo 99, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil de 2015) e que é notória a incapacidade econômica dos menores.
Porém, o colegiado ressalvou que, em tais casos, há a possibilidade de posterior impugnação do benefício, nos termos do parágrafo 2º do
artigo 99 do CPC, o qual garante ao réu a chance de demonstrar a
eventual ausência dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade
– preservando, dessa forma, o direito constitucional ao contraditório.
“É evidente que, em se tratando de menores representados pelos seus
pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois
diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da
incapacidade civil e econômica do próprio menor, o que não significa
dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à
gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação financeira
de seus pais”, afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo.
Com esse entendimento, o colegiado reformou decisão que havia
indeferido a gratuidade por falta de comprovação de impossibilidade
financeira da representante dos menores – a qual exercia atividade
remunerada na época do pedido.
Redução de padrão
Em seu voto, a relatora destacou ainda que o fato de a representante
legal possuir atividade remunerada não impediria, por si só, a concessão
do benefício, e que o atraso da pensão alimentícia pelo genitor, no
caso analisado pela turma, contribuiu para a redução do padrão de vida
da família, o que justificaria a declaração de insuficiência momentânea
de recursos.
“Diante do evidente comprometimento da qualidade de vida dos menores
em decorrência do sucessivo inadimplemento das obrigações alimentares
pelo genitor, geradoras de cenário tão grave, urgente e de risco
iminente, não é minimamente razoável o indeferimento do benefício da
gratuidade da Justiça aos menores credores dos alimentos.”
Contadoria judicial
Em recurso repetitivo, a Segunda Seção, ao julgar o REsp 1.274.466,
de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, definiu que, para a
liquidação por fase autônoma, o beneficiário da assistência judiciária
gratuita tem direito à elaboração de cálculos pela contadoria judicial,
independentemente de sua complexidade.
O caso foi cadastrado como Tema 672 na base de dados de repetitivos do STJ e consolidou o entendimento firmado pela Corte Especial nos EREsp 541.024 e 450.809.
Para definir a tese, o colegiado analisou a possibilidade de atribuição
do encargo ao réu, na hipótese em que o autor seja beneficiário da
gratuidade da Justiça.
Sobre a questão, a ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.200.099,
observou que o fato de o autor exequente estar amparado pelo benefício
da assistência judiciária não autoriza a remessa automática dos autos ao
contador judicial.
Porém, ela afirmou que, uma vez requerida pelo beneficiário da
Justiça gratuita a elaboração dos cálculos do valor da condenação pela
contadoria judicial, não cabe ao juiz negá-lo com fundamento na análise
da suposta ausência de complexidade dos cálculos ou na atuação da DP.
Facilitação da defesa
Isso porque, no caso analisado pela Terceira Turma, o tribunal de
origem manteve decisão de primeiro grau que indeferiu o benefício, sob o
fundamento de que o artigo 475-B, parágrafo 3º, do CPC – o qual dispõe
que os cálculos poderão ser feitos pelo contador judicial nos casos de
assistência judiciária – é exceção e só deve ser aplicado quando a
elaboração dos cálculos apresentar complexidade extraordinária.
Nancy Andrighi lembrou que, de fato, a evolução legislativa reduziu o
campo de atuação do contador judicial, mas não excluiu sua participação
nas hipóteses em que a memória apresentada pelo credor aparentemente
exceder os limites da decisão exequenda ou nos casos de assistência
judiciária.
“O artigo 475-B, parágrafo 3º, do CPC, ao permitir a utilização da
contadoria, excepcionando a regra geral de que os cálculos do valor da
execução são de responsabilidade do credor, não faz a exigência de que o
cálculo deva ‘apresentar complexidade extraordinária’, ou que fique
demonstrada a ‘incapacidade técnica ou financeira do hipossuficiente’.”
Para a magistrada, “especificamente no que tange às hipóteses de
assistência judiciária, é importante consignar que a finalidade da norma
é claramente a de facilitação da defesa daquele credor que não tem
condições financeiras de contratar profissional para realização dos
cálculos sem comprometimento do seu sustento ou de sua família”.
Prazo para comprovação
Outra importante tese foi firmada no ano passado pela Terceira Turma
ao julgar um caso envolvendo pedido de gratuidade de Justiça que foi
indeferido sem ter sido aberto prazo para a empresa solicitante
comprovar a alegada hipossuficiência financeira.
Ao julgar o REsp 1.787.491,
o colegiado entendeu que a assistência jurídica gratuita só poderá ser
negada pelo magistrado se houver elementos nos autos que indiquem a
falta de critérios legais para a concessão do benefício, e apenas depois
de intimado o requerente para comprovar a alegada hipossuficiência,
como previsto nos artigos 98 e 99 do CPC/2015.
A relatoria foi do ministro Villas Bôas Cueva, que destacou que,
“antes do indeferimento, o juiz deve determinar que a parte comprove a
alegada hipossuficiência. Indeferido o pedido de gratuidade de Justiça,
observando-se o procedimento legal, o requerente deve ser intimado para
realizar o preparo na forma simples. Mantendo-se inerte, o recurso não
será conhecido em virtude da deserção”.
Pessoa jurídica
Para o STJ, faz jus ao benefício da Justiça gratuita a pessoa
jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade
de arcar com os encargos processuais – entendimento firmado na Súmula
481. Com base no enunciado, a Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.648.861, decidiu que o benefício só pode ser concedido à massa falida se comprovada a hipossuficiência.
No processo analisado pelo colegiado, a massa falida de uma empresa
de alimentos contestou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJSP) que não lhe concedeu a gratuidade por entender que massa falida
de empresa não se enquadra no perfil de hipossuficiente adotado pelo
legislador. O tribunal consignou ainda a necessidade de comprovar a
falta de recursos para o pagamento das custas e despesas processuais.
Ao STJ, a massa falida alegou que estava em processo de falência e
que não poderia arcar com as despesas judiciais, por não ter liquidez
financeira.
Em seu voto, a ministra relatora, Nancy Andrighi, manteve a decisão do TJSP, seguindo posicionamento da Primeira Seção no EREsp 855.020,
de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, que concluiu que “o
benefício da gratuidade pode ser concedido às massas falidas apenas se
comprovarem que dele necessitam, pois não se presume a sua
hipossuficiência”.
Bibliografias Selecionadas
A publicação Bibliografias Selecionadas,
da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, traz, periodicamente, referências
de livros, artigos de periódicos, legislação, notícias de portais
especializados e outras mídias sobre temas relevantes para o STJ e para a
sociedade – muitos deles com texto integral.
Veja a edição sobre Gratuidade de Justiça.
Fonte: STJ
A Constituição Federal de 1988,
consagrando o Estado Democrático de Direito, definiu em seu artigo 5º,
inciso LXXIV, que o Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. A previsão visa
dar efetividade ao devido processo legal, consubstanciado,
essencialmente – nas palavras do ministro Jorge Mussi –, na garantia à
ampla defesa e ao contraditório.
“Não se pode conceber o exercício da pretensão punitiva por parte do
Estado sem que sejam observadas as garantias do acusado à ampla defesa e
ao contraditório, as quais, frise-se, não se prestam somente para zelar
pelo interesse deste, mas também para que seja preservada a
imparcialidade do órgão julgador, ao conduzir um processo no qual as
partes foram tratadas de forma parelha, sem nenhuma vantagem para
qualquer delas” – afirmou o ministro do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) no julgamento do HC 368.318.
A assistência jurídica gratuita, que assegura essas garantias aos
necessitados, é prestada pela Defensoria Pública (DP) – e também por
outros meios – e se complementa com a dispensa do pagamento de despesas
judiciais. Embora as expressões às vezes se confundam no debate dos
tribunais, há doutrinadores que fixam uma distinção clara entre
assistência jurídica (orientação e defesa em juízo das pessoas pobres) e
gratuidade de Justiça, ou Justiça gratuita (dispensa de despesas
judiciais).
Ampla jurisprudência
De acordo com a Constituição de 1988, artigos 134 e 135,
cabe à DP “a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos
individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos
necessitados”. A Lei 1.060/1950 estabelece normas para a concessão da assistência judiciária.
O novo Código de Processo Civil (CPC/2015), nos artigos 98 a 102,
dispôs sobre a gratuidade de Justiça, prevendo ser o benefício direito
da pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com
insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e
os honorários de advogados e peritos. Até das despesas com exame de
DNA, por exemplo, o beneficiário da Justiça gratuita está livre.
A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) produziu três edições (148, 149 e 150) do boletim Jurisprudência em Teses,
com um total de 40 teses jurídicas sobre gratuidade de Justiça.
Confira, na sequência, alguns entendimentos do tribunal sobre a matéria.
Defensor dativo
Ao julgar o RMS 49.902,
de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a Quinta Turma do
STJ firmou o entendimento de que a DP não detém a exclusividade da
prestação de assistência jurídica gratuita àqueles que não têm meios
financeiros para contratar advogado, assim como não existe o direito
subjetivo do acusado de ser defendido pela DP.
Na ocasião, o relator destacou que, caso não haja órgão de
assistência judiciária na comarca ou subseção judiciária, ou se a DP não
estiver devidamente organizada na localidade, é admissível a designação
de defensor dativo, sem que haja declaração automática de nulidade do
processo.
Reynaldo Soares da Fonseca rememorou decisão no RHC 106.394,
de relatoria da ministra Rosa Weber, em que a Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF) reconheceu a preferência de nomeação da DP para a
representação do réu incapaz de custear seu próprio patrono, caso o
órgão esteja devidamente estruturada no local.
Porém, segundo o ministro do STJ, “tal interpretação é passível de
uma série de exceções e mitigações, e não impede a substituição pontual
do defensor público por defensor dativo” – por exemplo, no caso de o
defensor público não produzir uma defesa efetiva, situação em que a
própria lei aconselha sua substituição.
A tese foi aplicada também no julgamento do RHC 105.943,
em que o relator do processo, ministro Felix Fischer, salientou que, em
caso de nomeação de defensor dativo, “a declaração de nulidade exige a
comprovação de prejuízo, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo)”.
Requisitos legais
“O custeio da causa pela DP não expressa a automática concessão dos
benefícios da Justiça gratuita, devendo ser observadas as condições
necessárias para a obtenção de seus efeitos previstos em lei.” Essa foi a
tese aplicada pela Terceira Turma do STJ no julgamento do AgInt no AREsp 1.012.133, de relatoria do ministro Villas Bôas Cueva.
No caso analisado, o réu recorreu de decisão da presidência do STJ
que negou seguimento a recurso interposto por ele, sob o fundamento de
que não foram juntados aos autos a guia de custas e o comprovante de
pagamento do preparo.
O recorrente alegou que, por se tratar de processo com exercício de
curadoria especial pela DP, a exigência de pagamento de custas
representaria obstáculo à representação processual, além de configurar
cerceamento de defesa e ferir os princípios do contraditório e da ampla
defesa.
Sem presunção
Em seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva citou decisão sob relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze no AgRg no AREsp 772.756,
em que a mesma Terceira Turma decidiu que o deferimento da Justiça
gratuita não se presume, mesmo na hipótese de a DP atuar como curadora
especial, em caso de revelia do réu devedor, citado fictamente.
Ele lembrou ainda orientação jurisprudencial que define que “as guias
de recolhimento e os respectivos comprovantes de pagamento do preparo
são essenciais para a regularidade recursal, devendo ser comprovado o
correto recolhimento no ato de interposição do recurso, sob pena de
deserção”.
Em julgamento semelhante, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca (AgRg no AREsp 729.768),
a Quinta Turma estendeu o entendimento de que não se presume a
gratuidade de Justiça às causas patrocinadas pelos núcleos de prática
jurídica.
Intimação pessoal
Ainda em relação aos núcleos de prática jurídica, a jurisprudência do
STJ entende que seus advogados, por se equipararem aos defensores
públicos na prestação da assistência judiciária gratuita, serão
intimados pessoalmente de todos os atos processuais. O entendimento foi
aplicado pela Quinta Turma no julgamento do AgRg no AREsp 780.340, de relatoria do ministro Gurgel de Faria.
Na ocasião, o relator reconheceu o direito de intimação pessoal dos
advogados integrantes dos núcleos de prática jurídica, porém destacou
que, apesar do privilégio, tais defensores não estão dispensados de
apresentar a procuração ou o ato de nomeação judicial, por ausência de
previsão legal.
Da mesma forma, o colegiado decidiu no HC 387.135,
de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, anular decisão do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por entender que a ausência de
intimação pessoal do defensor do núcleo de prática jurídica constitui
prejuízo à parte.
Ribeiro Dantas destacou que “o reconhecimento de nulidades no curso
do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte,
sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas,
positivado pelo artigo 563 do Código de Processo Penal”.
No caso dos autos, o magistrado destacou que, com a não realização da
intimação pessoalmente, ficou “manifesta a ilegalidade imposta ao
paciente”.
Pedido expresso
Segundo a jurisprudência do STJ, o benefício da assistência
judiciária gratuita depende de expresso pedido da parte, sendo vedada
sua concessão de ofício pelo juiz.
Ao julgar o AgRg no AREsp 694.351,
de relatoria do ministro Herman Benjamin, a Segunda Turma negou
seguimento ao recurso de um sindicato que sustentou o direito à
gratuidade de Justiça no âmbito do STJ, em virtude de ter obtido
dispensa do pagamento de custas e preparo na ação civil pública que deu
origem ao agravo interposto no tribunal.
Em seu voto, o ministro relator destacou que, neste caso, a alegação
da parte não merece prosperar, visto que, se não há pedido de concessão
dos benefícios da assistência judiciária gratuita anterior à
interposição do recurso especial, nem decisão expressa que defira tal
vantagem, não compete ao magistrado conferi-la de ofício.
“A concessão do benefício está condicionada à existência de pedido
expresso do interessado em tal sentido, de modo a declarar que não está
em condições de pagar as custas processuais e os honorários advocatícios
sem prejuízo da subsistência própria ou de sua família.”
Não retroatividade
Outra importante definição sobre o tema é que o deferimento do pedido de gratuidade de Justiça tem efeitos ex nunc, ou seja, não alcançam encargos anteriores ao requerimento do benefício.
Esse foi o entendimento da Quinta Turma ao julgar o AgRg no REsp 839.168,
de relatoria da ministra Laurita Vaz. Em seu voto, a relatora afirmou
que o pedido de gratuidade de Justiça pode ser formulado em qualquer
fase do processo, inclusive na execução da sentença, porém, os seus
efeitos não poderão retroagir para alcançar atos processuais
anteriormente convalidados.
Caso se esteja na fase de execução do julgado, a magistrada salientou
que o requerimento “não poderá ter o propósito de impedir a execução
dos honorários advocatícios que foram anteriormente fixados no processo
de conhecimento, no qual a parte litigou sem o benefício da Justiça
gratuita”.
Ação de alimentos
Recentemente, a Terceira Turma decidiu que a gratuidade em ação de
alimentos não exige prova de insuficiência financeira do responsável
legal, tendo em vista que o direito à gratuidade tem natureza
personalíssima (artigo 99, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil de 2015) e que é notória a incapacidade econômica dos menores.
Porém, o colegiado ressalvou que, em tais casos, há a possibilidade de posterior impugnação do benefício, nos termos do parágrafo 2º do
artigo 99 do CPC, o qual garante ao réu a chance de demonstrar a
eventual ausência dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade
– preservando, dessa forma, o direito constitucional ao contraditório.
“É evidente que, em se tratando de menores representados pelos seus
pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois
diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da
incapacidade civil e econômica do próprio menor, o que não significa
dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à
gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação financeira
de seus pais”, afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora do processo.
Com esse entendimento, o colegiado reformou decisão que havia
indeferido a gratuidade por falta de comprovação de impossibilidade
financeira da representante dos menores – a qual exercia atividade
remunerada na época do pedido.
Redução de padrão
Em seu voto, a relatora destacou ainda que o fato de a representante
legal possuir atividade remunerada não impediria, por si só, a concessão
do benefício, e que o atraso da pensão alimentícia pelo genitor, no
caso analisado pela turma, contribuiu para a redução do padrão de vida
da família, o que justificaria a declaração de insuficiência momentânea
de recursos.
“Diante do evidente comprometimento da qualidade de vida dos menores
em decorrência do sucessivo inadimplemento das obrigações alimentares
pelo genitor, geradoras de cenário tão grave, urgente e de risco
iminente, não é minimamente razoável o indeferimento do benefício da
gratuidade da Justiça aos menores credores dos alimentos.”
Contadoria judicial
Em recurso repetitivo, a Segunda Seção, ao julgar o REsp 1.274.466,
de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, definiu que, para a
liquidação por fase autônoma, o beneficiário da assistência judiciária
gratuita tem direito à elaboração de cálculos pela contadoria judicial,
independentemente de sua complexidade.
O caso foi cadastrado como Tema 672 na base de dados de repetitivos do STJ e consolidou o entendimento firmado pela Corte Especial nos EREsp 541.024 e 450.809.
Para definir a tese, o colegiado analisou a possibilidade de atribuição
do encargo ao réu, na hipótese em que o autor seja beneficiário da
gratuidade da Justiça.
Sobre a questão, a ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.200.099,
observou que o fato de o autor exequente estar amparado pelo benefício
da assistência judiciária não autoriza a remessa automática dos autos ao
contador judicial.
Porém, ela afirmou que, uma vez requerida pelo beneficiário da
Justiça gratuita a elaboração dos cálculos do valor da condenação pela
contadoria judicial, não cabe ao juiz negá-lo com fundamento na análise
da suposta ausência de complexidade dos cálculos ou na atuação da DP.
Facilitação da defesa
Isso porque, no caso analisado pela Terceira Turma, o tribunal de
origem manteve decisão de primeiro grau que indeferiu o benefício, sob o
fundamento de que o artigo 475-B, parágrafo 3º, do CPC – o qual dispõe
que os cálculos poderão ser feitos pelo contador judicial nos casos de
assistência judiciária – é exceção e só deve ser aplicado quando a
elaboração dos cálculos apresentar complexidade extraordinária.
Nancy Andrighi lembrou que, de fato, a evolução legislativa reduziu o
campo de atuação do contador judicial, mas não excluiu sua participação
nas hipóteses em que a memória apresentada pelo credor aparentemente
exceder os limites da decisão exequenda ou nos casos de assistência
judiciária.
“O artigo 475-B, parágrafo 3º, do CPC, ao permitir a utilização da
contadoria, excepcionando a regra geral de que os cálculos do valor da
execução são de responsabilidade do credor, não faz a exigência de que o
cálculo deva ‘apresentar complexidade extraordinária’, ou que fique
demonstrada a ‘incapacidade técnica ou financeira do hipossuficiente’.”
Para a magistrada, “especificamente no que tange às hipóteses de
assistência judiciária, é importante consignar que a finalidade da norma
é claramente a de facilitação da defesa daquele credor que não tem
condições financeiras de contratar profissional para realização dos
cálculos sem comprometimento do seu sustento ou de sua família”.
Prazo para comprovação
Outra importante tese foi firmada no ano passado pela Terceira Turma
ao julgar um caso envolvendo pedido de gratuidade de Justiça que foi
indeferido sem ter sido aberto prazo para a empresa solicitante
comprovar a alegada hipossuficiência financeira.
Ao julgar o REsp 1.787.491,
o colegiado entendeu que a assistência jurídica gratuita só poderá ser
negada pelo magistrado se houver elementos nos autos que indiquem a
falta de critérios legais para a concessão do benefício, e apenas depois
de intimado o requerente para comprovar a alegada hipossuficiência,
como previsto nos artigos 98 e 99 do CPC/2015.
A relatoria foi do ministro Villas Bôas Cueva, que destacou que,
“antes do indeferimento, o juiz deve determinar que a parte comprove a
alegada hipossuficiência. Indeferido o pedido de gratuidade de Justiça,
observando-se o procedimento legal, o requerente deve ser intimado para
realizar o preparo na forma simples. Mantendo-se inerte, o recurso não
será conhecido em virtude da deserção”.
Pessoa jurídica
Para o STJ, faz jus ao benefício da Justiça gratuita a pessoa
jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade
de arcar com os encargos processuais – entendimento firmado na Súmula
481. Com base no enunciado, a Terceira Turma, ao julgar o REsp 1.648.861, decidiu que o benefício só pode ser concedido à massa falida se comprovada a hipossuficiência.
No processo analisado pelo colegiado, a massa falida de uma empresa
de alimentos contestou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJSP) que não lhe concedeu a gratuidade por entender que massa falida
de empresa não se enquadra no perfil de hipossuficiente adotado pelo
legislador. O tribunal consignou ainda a necessidade de comprovar a
falta de recursos para o pagamento das custas e despesas processuais.
Ao STJ, a massa falida alegou que estava em processo de falência e
que não poderia arcar com as despesas judiciais, por não ter liquidez
financeira.
Em seu voto, a ministra relatora, Nancy Andrighi, manteve a decisão do TJSP, seguindo posicionamento da Primeira Seção no EREsp 855.020,
de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, que concluiu que “o
benefício da gratuidade pode ser concedido às massas falidas apenas se
comprovarem que dele necessitam, pois não se presume a sua
hipossuficiência”.
Bibliografias Selecionadas
A publicação Bibliografias Selecionadas,
da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, traz, periodicamente, referências
de livros, artigos de periódicos, legislação, notícias de portais
especializados e outras mídias sobre temas relevantes para o STJ e para a
sociedade – muitos deles com texto integral.
Veja a edição sobre Gratuidade de Justiça.
Fonte: STJ