terça-feira, 30 de abril de 2024

Lei das S.A. rege nulidades em assembleia quando decisões afetam apenas relações intrassocietárias

 

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DECISÃO
30/04/2024 07:25
 

Lei das S.A. rege nulidades em assembleia quando decisões afetam apenas relações intrassocietárias

Ao discutir o regime de nulidades das deliberações da assembleia nas sociedades por ações, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a legislação específica – Lei 6.404/1976, a chamada Lei das S.A. – se aplica prioritariamente às relações intrassocietárias – entre os acionistas ou entre eles e a própria sociedade –, remanescendo a disciplina geral do Código Civil para as situações em que os efeitos das deliberações da assembleia alcancem a esfera jurídica de terceiros.

No caso em julgamento, às vésperas da assembleia geral de aprovação de contas, um sócio administrador transferiu a totalidade de sua participação acionária para uma sociedade empresária da qual detinha, juntamente com a esposa, a totalidade do capital social, e que votou de maneira determinante para a aprovação das contas, configurando vício do voto.

Regime especial de invalidades das deliberações assembleares

O relator do caso, ministro Antonio Carlos Ferreira, explicou que há uma aparente incompatibilidade entre o artigo 286 da Lei das S.A. e a disciplina das nulidades dos negócios jurídicos em geral, prevista no Código Civil. No primeiro, esclareceu, a sanção é em regra a anulabilidade, que permite convalidação do ato; já no regime civil, a sanção prevista depende da gradação do vício previsto em lei.

Na sua avaliação, uma primeira solução para esse conflito é o critério da especialidade, segundo o qual prevalece a norma especial (Lei das S.A.) sobre a geral (Código Civil). Contudo, o relator destacou que há divergências na doutrina sobre a forma de aplicar cada um desses regimes: enquanto alguns defendem o uso exclusivo da lei especial, outros sustentam a aplicação do regime geral de invalidades a todas as relações jurídicas obrigacionais, e uma terceira corrente prega a aplicação do regime especial de nulidades com uso do sistema civil, a depender do interesse violado.

Para o ministro, diante desse regime especial de invalidade das deliberações da assembleia, o uso das normas gerais do direito civil deve ocorrer com prudência, "sendo possível desde que haja omissão e seja substancialmente compatível com a disciplina especial, partindo-se, em princípio, da previsão de sanção de anulabilidade aos vícios e considerando-se como referência fundamental o interesse violado".

Fraude a votos em assembleia atinge interesses da empresa e é causa de anulabilidade

Antonio Carlos Ferreira verificou que, no caso julgado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concluiu pela nulidade da assembleia, ao fundamento que houve fraude à Lei das S.A., que veda ao administrador votar nas deliberações da assembleia geral relativas à aprovação de suas contas (artigo 115, parágrafo 1º). Esse vício, entendeu o tribunal paulista, causa a nulidade do ato, segundo o Código Civil (artigo 166, VI).

Segundo o relator, contudo, embora essa proibição imposta ao acionista administrador tenha significativo fundamento ético, ela envolve interesses dos acionistas e da própria companhia, mas não interesses da coletividade ou de terceiros.

Desse modo, afirmou, a questão é de anulabilidade da deliberação, e não de nulidade. "Embora a proibição legal não possa ser desconsiderada pelas partes interessadas – notadamente sócios e a própria sociedade –, é possível sua convalidação, seja por nova deliberação assemblear livre do vício (sem o voto do sócio administrador) ou pelo transcurso do tempo necessário à ocorrência da extinção, pela decadência, do direito formativo à decretação de sua nulidade", esclareceu.

Por fim, o ministro lembrou que a jurisprudência do STJ exige a prévia desconstituição da decisão que aprovou as contas para o ajuizamento da ação de responsabilização e, como os acionistas minoritários não haviam ajuizado aquela ação, a ação de responsabilidade foi extinta sem resolução do mérito.

Leia o acórdão no REsp 2.095.475.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2095475
 
Fonte -STJ 

Audiência pública vai discutir penhora de imóvel alienado fiduciariamente em execução de dívida de condomínio ​

 

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AUDIÊNCIA PÚBLICA
29/04/2024 19:10

Audiência pública vai discutir penhora de imóvel alienado fiduciariamente em execução de dívida de condomínio

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) convocou para o dia 3 de junho, às 14h, uma audiência pública para discutir se, no curso de execução de débitos condominiais, deve ser admitida a penhora de imóvel com financiamento garantido por alienação fiduciária.

A realização da audiência foi determinada pelo ministro Antonio Carlos Ferreira, relator de um recurso especial que, embora não tenha sido qualificado como repetitivo, foi afetado pela Quarta Turma à Segunda Seção para pacificação do tema no STJ.

Os interessados em participar como expositores da audiência pública devem solicitar a inscrição até as 23h59 do dia 10 de maio, exclusivamente pelo e-mail fiduciaria.propter.rem@stj.jus.br. Na solicitação, devem constar as seguintes informações, sob pena de indeferimento:

a) entendimento jurídico a ser defendido;

b) justificativa do interesse em participar da audiência;

c) entidade que representa (se for o caso);

d) curriculum vitae do expositor;

e) material didático (se for o caso);

f) recursos audiovisuais que pretenda utilizar (se for o caso);

g) modalidade de participação (virtual ou presencial); e

h) memoriais (se for o caso).

O tempo de cada expositor será definido de acordo com o número de candidatos habilitados. A habilitação e a ordem de distribuição dos painéis serão decididas posteriormente pelo ministro Antonio Carlos, com base nos entendimentos propostos e na representatividade dos interessados, como forma de garantir uma composição plural e equilibrada dos expositores.

Decisão afeta vida financeira dos condomínios e custo do crédito imobiliário

Antonio Carlos Ferreira destacou que, enquanto a Terceira Turma considera impossível a penhora do imóvel alienado na cobrança de dívida de condomínio, a Quarta Turma possui precedentes que admitem a penhora nesse caso, o que justifica a análise da controvérsia no âmbito da Segunda Seção.

Ao designar a audiência pública, o relator também enfatizou que o tema é de grande relevância social, podendo afetar, "de um lado, a sustentabilidade financeira dos condomínios e, de outro, o custo do crédito imobiliário, consequências que devem ser levadas em conta pelo julgador, nos termos do artigo 20, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro".

 
Fonte -STJ

Quarta Turma decide que tempo da prisão por dívida de alimentos deve ter fundamentação específica

 

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DECISÃO
30/04/2024 06:50
 

Quarta Turma decide que tempo da prisão por dívida de alimentos deve ter fundamentação específica

Resumo em texto simplificado

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é obrigação do juízo fundamentar – de maneira individualizada, razoável e proporcional – o tempo de prisão civil decorrente do não pagamento da dívida alimentícia. O colegiado concluiu que a fundamentação, necessária em qualquer medida que envolva coerção à pessoa, evita que o período de restrição da liberdade seja fixado de maneira indiscriminada pelo juízo.

Com esse entendimento, a turma julgadora fixou no mínimo legal de um mês o tempo de prisão de um devedor de alimentos. No decreto original de prisão, o juízo havia se limitado a indicar o prazo de três meses, sem, contudo, apresentar justificativa específica para esse período.

"Não se pode admitir que uma decisão superficial e imotivada, com a mera escolha discricionária do magistrado, venha a definir o tempo de restrição de liberdade de qualquer pessoa, sob pena de se incorrer em abuso do direito e arbítrio do magistrado, impedindo a ampla defesa e o contraditório pelo devedor, além de inviabilizar o controle das instâncias superiores pelas vias recursais adequadas", afirmou o relator do recurso em habeas corpus, ministro Raul Araújo.

O decreto prisional foi mantido em segundo grau, sob o entendimento de que não há ilegalidade se a decisão respeita o prazo máximo de três meses previsto no artigo 528, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil (CPC).

Motivação das decisões judiciais é garantia constitucional e limita o poder estatal

O ministro Raul Araújo lembrou que, conforme previsto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, a motivação das decisões judiciais é elemento fundamental de proteção e garantia da liberdade, além de servir como ferramenta de limitação do próprio poder do Estado.

"Visando dar concretude aos ditames constitucionais é que o Código de Processo Civil de 2015 dispôs, de forma expressa, sobre o dever de fundamentação analítica e adequada de todas as decisões judiciais (artigo 489, parágrafo 1º), em substituição ao livre convencimento e em repulsa às interpretações arbitrárias e solipsistas", completou o ministro.

Apesar dessas premissas, Raul Araújo apontou que tem havido divergência nos tribunais brasileiros a respeito da necessidade de motivação do decreto de prisão civil no tocante ao tempo de encarceramento, ou seja, se é necessário haver uma espécie de "dosimetria" ou se o período está inserido na discricionariedade do juízo.

Reincidência e consequências da dívida podem embasar escolha do tempo de prisão

O relator comentou que a prisão civil é um instrumento legal para coagir o devedor de alimentos a cumprir sua obrigação de forma mais rápida. Como qualquer medida coercitiva, apontou o ministro, é necessário haver uma justificativa adequada para sua imposição, especialmente porque envolve direitos fundamentais da pessoa executada.

"Nessa perspectiva, deve prevalecer o dever de fundamentação analítica e adequada de toda decisão determinante de prisão civil do devedor de alimentos, seja quanto ao preenchimento dos requisitos – requerimento do credor; existência de débito alimentar que compreenda até três prestações anteriores ao ajuizamento da execução; não pagamento do débito em três dias; ausência de justificação ou de impossibilidade de fazê-lo (CPC, artigo 528) –, seja quanto à definição do tempo de constrição de liberdade entre o mínimo e o máximo (um a três meses) estabelecidos pela legislação", detalhou.

Entre os elementos que podem auxiliar o juízo na determinação do tempo de prisão, o ministro apontou a capacidade econômica do devedor e o valor da dívida; o comportamento do devedor (se age de boa-fé ou se é reincidente); as características pessoais (se está desempregado, se tem outros filhos ou é doente); e as consequências do não pagamento para o alimentando (abandono de escola ou danos à saúde, por exemplo).

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte -STJ

 

Reconhecido direito de mãe a patrimônio digital da filha falecida

 

Reconhecido direito de mãe a patrimônio digital da filha falecida

Decisão da 3ª Câmara de Direito Privado. 
 
A 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu o direito de mãe a patrimônio digital de filha falecida. Segundo os autos, após a morte da filha, a apelante solicitou o desbloqueio do celular junto à empresa responsável pelo serviço, alegando ser a única herdeira e ter direito aos bens deixados pela filha, o que incluiria o acervo digital do aparelho. 
Para o relator do acórdão, desembargador Carlos Alberto de Salles, apesar da inexistência de regulamentação legal específica, o patrimônio digital de pessoa falecida, considerado seu conteúdo afetivo e econômico, pode integrar o espólio e, assim, ser objeto de sucessão. “Não se verifica justificativa para obstar o direito da única herdeira de ter acesso às memórias da filha falecida, não se vislumbrando, no contexto dos autos, violação a eventual direito da personalidade da de cujus, notadamente pela ausência de disposição específica contrária ao acesso de seus dados digitais pela família. Acrescente-se, ainda, que não houve resistência da apelada ao pedido de transferência de acesso à conta da falecida, desde que houvesse prévia decisão judicial a esse respeito”, escreveu.
Completaram a turma julgadora os desembargadores João Pazine Neto e Donegá Morandini. A decisão foi unânime.
 
 
  Comunicação Social TJSP – RD (texto) / Banco de imagens (foto)

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Anuidade cobrada pela OAB não tem natureza tributária, reafirma Segunda Turma

 

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DECISÃO
29/04/2024 07:35
 

Anuidade cobrada pela OAB não tem natureza tributária, reafirma Segunda Turma

Resumo em texto simplificado

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que as contribuições devidas pelos advogados à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não têm natureza tributária. Para o colegiado, a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 647.885 não altera nem a jurisprudência do STJ nem as posições recentes do próprio STF.

O entendimento foi aplicado pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) segundo o qual as anuidades pagas à OAB teriam nítido caráter tributário, nos termos do artigo 3º do Código Tributário Nacional. O tribunal também citou que o STF, no julgamento do Tema 732 (RE 647.885), entendeu que seria inconstitucional a suspensão do exercício laboral pelo conselho de fiscalização profissional, pois a medida geraria sanção política em matéria tributária.

Como consequência, o TRF3 manteve a decisão da Justiça Federal de primeiro grau que, em ação de execução de título extrajudicial decorrente de dívida de anuidades com a seccional da OAB em São Paulo, declinou de sua competência para o juízo da execução fiscal.

STF já afirmou expressamente que anuidade não tem caráter tributário

Relator do recurso especial da OAB/SP, o ministro Mauro Campbell Marques disse que, pelo menos em duas oportunidades (EREsp 463.258 e EREsp 503.252), a Primeira Seção do STJ concluiu que, como as contribuições devidas à OAB não ostentavam natureza tributária, a cobrança de eventual dívida originada das anuidades não poderia seguir o rito da execução fiscal (Lei 6.830/1980).

Por outro lado, o relator apontou que, ao julgar o RE 647.885, o STF, embora estivesse analisando outra questão (a possibilidade de suspensão de advogados que não pagassem as anuidades), acabou tocando no tema da natureza jurídica dessas contribuições.  

Entretanto, ele apontou que o voto do relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, não distinguiu os conselhos profissionais genericamente considerados e a OAB, de forma que não seria possível extrair, apenas a partir desse precedente, o caráter tributário das anuidades.

Segundo Campbell, essa compreensão é reforçada por outro precedente do STF (RE 1.182.189), no qual se afirmou, expressamente, que a anuidade cobrada pela OAB não tem natureza tributária.

"O decidido no RE 647.885 não abala a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nem mesmo a do Supremo Tribunal Federal no que concerne à natureza jurídica das anuidades cobradas pela OAB, e, dessa forma, o acórdão impugnado realmente destoa da correta interpretação dada à matéria", concluiu o relator ao reconhecer a competência do juízo federal cível para análise da ação.

Leia o acórdão no AREsp 2.451.645.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): AREsp 2451645
 
Fonte - STJ 

A jurisprudência do STJ após a Lei 14.230 e o tratamento prioritário dos casos de improbidade ​

 

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ESPECIAL
28/04/2024 06:55
 

A jurisprudência do STJ após a Lei 14.230 e o tratamento prioritário dos casos de improbidade

A exigência de uma conduta honesta na administração de bens e interesses públicos remonta à Antiguidade: já no Código de Hamurabi, escrito no 18º século a.C., havia previsão de sanção ao juiz que conduzisse indevidamente um processo. Também a Lei das Dozes Tábuas, criada na Roma Antiga, estipulava que o juiz que recebesse dinheiro para julgar em favor de uma das partes deveria ser punido com a morte.

Ao longo da história, a probidade em funções públicas foi um princípio ampliado e renovado pelas leis nacionais. No Brasil, leis antigas, como o Código Criminal de 1830, traziam algumas sanções para o agente ímprobo (a exemplo de quem cometesse o crime de suborno), mas foi a partir da Constituição de 1988 que o conceito de improbidade administrativa ganhou seus atuais contornos.

Em atendimento ao comando do artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição, o Brasil editou a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). Tida como um marco histórico no combate aos atos ilícitos na administração pública, a norma sofreu alterações importantes com a edição da Lei 14.230/2021. Entre as principais modificações, está a retirada da modalidade culposa para a configuração dos atos ímprobos.

A cobrança crescente da sociedade por uma administração pública guiada pelo interesse comum levou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a incluir nas Metas Nacionais do Poder Judiciário (Meta 4) a prioridade para o julgamento dos processos sobre crimes contra a administração e atos de improbidade administrativa.

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem dado especial atenção à análise desses casos, e, neste mês de abril, alcançou a marca de 75% de cumprimento da Meta 4 (julgar, até o fim do ano, 90% dos processos distribuídos até 2022).

Os entendimentos adotados pelo STJ sobre improbidade administrativa, especialmente após a edição da Lei 14.230/2021, são o tema da edição 234 de Jurisprudência em Teses e também desta reportagem especial.

Aplicação retroativa da Lei 14.230/2021 é limitada

Segundo a jurisprudência mais recente do STJ, a retroatividade das alterações trazidas pela Lei 14.230/2021 é restrita aos atos de improbidade culposos praticados na vigência da norma anterior, sem condenação transitada em julgado.

Conforme explicou o ministro Benedito Gonçalves no AREsp 1.877.917, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 1.199, estabeleceu que a Lei 14.230/2021 se aplica aos atos ímprobos culposos praticados na vigência do texto anterior da Lei de Improbidade, porém sem condenação transitada em julgado, tendo em vista a revogação expressa dos dispositivos anteriores sobre o tema.

Sobre o mesmo assunto, o STJ tem considerado possível a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021 aos atos de improbidade culposos sem trânsito em julgado, inclusive na hipótese de não conhecimento do recurso, ou seja, quando o recurso não ultrapassa a etapa do juízo de admissibilidade.

Indisponibilidade de bens exige demonstração de urgência da medida

Decisões recentes do STJ também definiram que, a partir da vigência da Lei 14.230/2021, o deferimento da indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa depende da demonstração de urgência da medida.

Em recurso do Ministério Público do Rio Grande do Norte no AREsp 2.272.508, o ministro Gurgel de Faria apontou que, com a edição da nova Lei de Improbidade, o requisito de urgência passou a ser exigido ao lado da necessidade de indicação da plausibilidade do direito alegado.

O ministro também destacou que a decisão de indisponibilidade de bens tem caráter processual e natureza de tutela provisória de urgência – podendo, portanto, ser revogada ou modificada a qualquer tempo –, de modo que, nos termos do artigo 14 do Código de Processo Civil de 2015, a Lei 14.230/2021 tem aplicação imediata ao processo em curso.

Não é possível condenação genérica baseada em incisos revogados

Os colegiados de direito público do STJ também têm entendido que, com a nova redação do artigo 11 da Lei de Improbidade – que tipificou de forma taxativa os atos ímprobos por ofensa aos princípios da administração pública –, não é possível a condenação genérica com base nos revogados incisos I (ato visando a fim proibido em lei ou regulamento) e II (retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício), em relação aos atos praticados na vigência do texto anterior da lei e sem a condenação transitada em julgado.

Imagem de capa do card  Imagem de capa do card 

A condenação com base em genérica violação a princípios administrativos, sem a tipificação das figuras previstas nos incisos do artigo 11 da Lei 8.429/1992 – ou, ainda, quando condenada a parte ré com base nos revogados incisos I e II do mesmo artigo, sem que os fatos tipifiquem uma das novas hipóteses previstas na atual redação do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa –, remete à abolição da tipicidade da conduta e, assim, à improcedência dos pedidos formulados na inicial.
AREsp 1.174.735

Ministro Paulo Sérgio Domingues


No julgamento do AREsp 1.174.735, o ministro Paulo Sérgio Domingues afirmou que o panorama normativo da improbidade administrativa sofreu alterações significativas após a Lei 14.230/2021 – legislação que, em diversos pontos, representou verdadeira lei nova mais benéfica ao réu (novatio legis in mellius).

No caso analisado, diante do novo cenário legal, o ministro considerou desnecessário o retorno dos autos às instâncias de origem para reanálise, tendo em vista que não havia mais embasamento legal para a qualificação da conduta do agente público como ímproba.

Improbidade se mantém se novo texto tiver apenas modificado inciso que prevê a conduta

Ainda em relação à caracterização do ato ímprobo, o STJ já se manifestou no sentido de que não é possível afastar a acusação de improbidade se a conduta não foi completamente abolida da legislação, mas apenas teve alterada a sua especificação pelo novo texto legal.

O entendimento foi aplicado no AREsp 1.206.630, no qual se discutiu a improbidade decorrente de promoção pessoal do agente público em atos de uma prefeitura.

Segundo o ministro Paulo Sérgio Domingues, a alteração feita no caput do artigo 11 da Lei 8.429/1992, que passou a exigir que o reconhecimento do ato de improbidade por violação aos princípios administrativos ocorra com a indicação de uma das condutas previstas nos seus incisos, não alterou a caracterização do ato de improbidade. De acordo com o relator, a conduta do agente passou a ser enquadrada no inciso XII do artigo 11.

"Não obstante a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios administrativos, anteriormente prevista no caput do artigo 11 da Lei 8.249/1992, a novel previsão, entre os seus incisos, da conduta considerada no acórdão como violadora dos princípios da moralidade e da impessoalidade evidencia verdadeira continuidade típico-normativa", reforçou o ministro.

Absolvição por falta de dolo na ação de improbidade tem impacto na esfera penal

Entendimentos recentes do STJ também trataram de outros temas importantes sobre a improbidade administrativa, a exemplo da ausência de foro por prerrogativa de função na instauração de inquéritos civis ou nas ações de improbidade, tendo em vista que esses procedimentos não têm natureza criminal.

Outra posição definida nos últimos anos foi a de que, no julgamento da ação de improbidade administrativa, a absolvição por ausência de dolo na conduta do agente público e de obtenção de vantagem indevida esvazia a justa causa para a manutenção da ação penal.

Imagem de capa do card  Imagem de capa do card 

Não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, porquanto se trata do mesmo fato, na medida em que a ausência do requisito subjetivo provado interfere na caracterização da própria tipicidade do delito, mormente se se considera a doutrina finalista (que insere o elemento subjetivo no tipo), bem como que os fatos aduzidos na denúncia não admitem uma figura culposa, culminando-se, dessa forma, em atipicidade.
RHC 173.448

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca


Em um desses precedentes (RHC 173.448), o ministro Reynaldo Soares da Fonseca comentou que, embora haja independência entre as esferas civil, penal e administrativa, é necessário que a instância penal considere os fundamentos contidos na decisão que absolveu o agente em ação de improbidade administrativa.

No caso analisado, na visão do ministro, tendo a instância cível concluído que os réus não induziram ou concorreram para a prática de ato contrário aos princípios da administração, "não pode a mesma conduta ser violadora de bem jurídico tutelado pelo direito penal".

É possível homologação de acordo de não persecução cível na fase recursal

Em precedentes recentes, o STJ também reforçou o entendimento de que a contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, quando baseada em legislação local, não configura, por si só, o ato de improbidade administrativa previsto no artigo 11 da Lei 8.429/1992. Nessa situação, de acordo com os precedentes (a exemplo do REsp 1.930.054Tema Repetitivo 1.108), não estaria presente o dolo necessário para a configuração da improbidade.

Segundo o STJ, também não caracteriza ato de improbidade a falta de repasse, pelo prefeito, de informações solicitadas pelo Poder Legislativo ou por outros interessados, quando não há evidência de malícia ou desonestidade na omissão.

Julgados recentes das duas turmas de direito público do STJ, além da Primeira Seção, também admitiram a homologação judicial de acordo de não persecução cível em ação de improbidade administrativa que esteja em fase recursal. A homologação de um desses acordos, inclusive, ocorreu no STJ, no âmbito do EAREsp 1.831.535.

 
Fonte - STJ 

Prazo prescricional da indenização por abuso sexual na infância não começa automaticamente na maioridade civil

 

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DECISÃO
29/04/2024 07:00
 

Prazo prescricional da indenização por abuso sexual na infância não começa automaticamente na maioridade civil

Resumo em texto simplificado
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que, no caso de abuso sexual durante a infância ou a adolescência, o prazo prescricional da ação indenizatória não começa a correr automaticamente quando a vítima atinge a maioridade civil (atualmente, aos 18 anos). Segundo o colegiado, é preciso considerar o momento em que ela adquiriu total consciência dos danos em sua vida, aplicando-se, assim, a teoria subjetiva da actio nata.

Uma mulher ajuizou ação de danos morais e materiais contra seu padrasto, afirmando que sofreu abusos sexuais na infância. Alegou que, apesar dos abusos terem ocorrido entre seus 11 e 14 anos, só na idade de 34 as memórias daqueles fatos passaram a lhe causar crises de pânico e dores no peito, a ponto de procurar atendimento médico. Para amenizar o sofrimento, disse ter iniciado sessões de terapia, nas quais entendeu que a causa das crises eram os abusos sofridos na infância – situação atestada em parecer técnico da psicóloga.

O juízo de primeiro grau entendeu que o prazo de prescrição, que é de três anos para esse tipo de ação, deveria ser contado a partir do momento em que autora atingiu a maioridade civil. Como a ação só foi ajuizada mais de 15 anos após o vencimento do prazo, foi declarada a prescrição – decisão mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Manifestação dos danos decorrentes do abuso pode variar ao longo do tempo

O relator do recurso no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, observou que, embora os danos íntimos do abuso sexual sejam permanentes, sua manifestação pode variar ao longo do tempo, como resposta a diferentes eventos ou estágios da vida da vítima. O magistrado apontou que, muitas vezes, a vítima tem dificuldade para lidar com as consequências psicológicas do abuso e pode levar anos, ou mesmo décadas, para reconhecer e processar plenamente o trauma que sofreu.

Por conta disso, para o ministro, não há como exigir da vítima de abuso sexual na infância ou na adolescência que tome uma atitude para buscar a indenização no reduzido prazo de três anos após atingir a maioridade civil. Segundo ele, em razão da complexidade do trauma causado pelo abuso, é possível que, ao atingir a maioridade, a vítima ainda não tenha total consciência do dano sofrido nem das consequências que o fato poderá trazer à sua vida.

"Considerar que o prazo prescricional de reparação civil termina obrigatoriamente três anos após a maioridade não é suficiente para proteger integralmente os direitos da vítima, tornando-se essencial analisar cuidadosamente o contexto específico para determinar o início do lapso prescricional em situações de abuso sexual na infância ou na adolescência", concluiu.

Vítima deve ter a oportunidade de comprovar quando constatou os transtornos

Segundo Antonio Carlos Ferreira, é imprescindível conceder à vítima a oportunidade de comprovar o momento em que constatou os transtornos decorrentes do abuso sexual, a fim de estabelecer o termo inicial de contagem do prazo de prescrição para a reparação civil.

O ministro ressaltou que a aplicação da teoria subjetiva da actio nata é especialmente relevante no contexto de abuso sexual infantojuvenil. "A teoria subjetiva da actio nata estabelece que o prazo de prescrição para propor ação judicial começa a ser contado do momento em que o ofendido toma ciência da extensão do dano sofrido e de sua autoria. Essa teoria desempenha papel crucial na proteção dos direitos das vítimas, garantindo que tenham a oportunidade de buscar justiça mesmo diante de circunstâncias que inicialmente dificultem o exercício de seus direitos", declarou o relator ao dar provimento ao recurso especial.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2123047
 
Fonte - STJ 

Mantida proibição de venda de bebida alcoólica em estabelecimento localizado em rodovia

 

Mantida proibição de venda de bebida alcoólica em estabelecimento localizado em rodovia

Norma estadual regula a matéria. 

 
A 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça manteve decisão da Vara da Fazenda Pública de Araçatuba, proferida pelo juiz José Daniel Dinis Gonçalves, que negou mandado de segurança a empresa que pedia liberação para comercialização de bebidas alcóolicas no estabelecimento, localizado em rodovia estadual.
Na decisão, o relator do acórdão, Eduardo Prataviera, apontou que a concessão de mandado de segurança é condicionada à existência de direito líquido e certo, o que não ocorre no caso dos autos, uma vez que a Lei Estadual nº 9.468/96 proíbe a venda de bebidas alcoólicas pelos estabelecimentos situados em terrenos contíguos às faixas de domínio do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DER). 
A respeito da alegação de haver legislação federal que permite a comercialização de bebidas alcoólicas em estabelecimentos situados em área urbana, o magistrado destacou que a aplicação da norma se restringe aos comércios localizados em rodovias federais. “Verifica-se que a Lei Federal nº 11.705/2008 tem aplicação nas rodovias federais tão somente, especialmente quando há lei estadual tratando da matéria no âmbito das rodovias estaduais, que é o caso do Estado de São Paulo. Logo, a aplicação do regramento estadual acerca das rodovias estaduais de São Paulo é medida que se impõe”, salientou.
Também foi afastada a alegação de que o estabelecimento não se enquadra na restrição por ser acessado por uma via marginal. "O acesso ao estabelecimento da impetrante se dá necessariamente pela rodovia, que tão apenas conta com uma via marginal de segurança, que não desconfigura o acesso direto pela rodovia nem subverte a previsão contida no artigo 1º da Lei Estadual nº 9.468/96", concluiu.
Completaram a turma julgadora os desembargadores Fermino Magnani Filho e Francisco Bianco. A decisão foi unânime.
 
 
Comunicação Social TJSP – RD (texto) / Banco de imagens (foto)  

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Discussão sobre benefícios da cannabis medicinal e críticas ao cultivo marcam encerramento da audiência pública

 

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AUDIÊNCIA PÚBLICA
25/04/2024 19:49

Discussão sobre benefícios da cannabis medicinal e críticas ao cultivo marcam encerramento da audiência pública

De um lado, reflexões sobre os potenciais benefícios do uso da cannabis medicinal – não só à saúde, mas à indústria e ao sistema econômico; de outro, argumentos sobre possíveis perigos da autorização indiscriminada para importação de sementes e plantio. Essas posições marcaram o encerramento da audiência pública realizada nesta quinta-feira (25), no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O tema é objeto do Incidente de Assunção de Competência 16 (IAC 16), que tramita na Primeira Seção e tem como relatora a ministra Regina Helena Costa.

Abrindo o terceiro painel de discussão, o advogado Emílio Figueiredo falou em nome da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Rede Reforma). Em sua apresentação, ele fez um apanhado histórico sobre a regulação da cannabis e estabeleceu diferenças entre o uso terapêutico e o uso industrial da planta. "O IAC 16 está afetando principalmente associações de pacientes que submeteram à jurisdição o direito de cultivar a cannabis e estão com suas ações suspensas", lembrou.

Em seguida, falaram em nome do Laboratório de Produtos Naturais e Fitoterápicos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) o pró-reitor de inovação da instituição, Geraldo Pereira Jotz, e o secretário de desenvolvimento tecnológico, Flávio Anastácio de Oliveira Camargo. Eles demonstraram preocupação com as possíveis formas de controle do cultivo familiar da cannabis.

"O canabidiol, falando como médico, é excelente, mas onde está o controle quando se autoriza o cultivo familiar? Temos que enxergar a medicina daqui a dez ou 20 anos. A repercussão do THC no cérebro de uma criança é irreparável. O Estado precisa ter esse controle", afirmou o pró-reitor de inovação da UFRGS.

A advogada Bruna Barbosa Rocha abordou aspectos econômicos ao representar a Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides (BRCann). Ela citou um estudo conjunto da Confederação Nacional da Indústria (CNI), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) apontando a fuga de cerca de R$ 453 bilhões devido à existência de um mercado não regulado de cannabis no Brasil.

"Há a necessidade de se estabelecer uma base jurídica a partir das autoridades competentes. Viabilizar que o Poder Judiciário alimente ações sem amparo legal é facilitar que dados como esse cresçam", refletiu a advogada.

Uso industrial do cânhamo possibilita novos negócios

A fundadora do Instituto InformaCann, Manuela Borges, destacou os possíveis usos do cânhamo industrial – uma subespécie da planta Cannabis sativa que não contém psicoatividade. "Ela é uma solução ecologicamente correta que pode substituir uma série de produtos derivados do petróleo. Seu cultivo tem sido usado como moeda no mercado de crédito de carbono e representa produção de emprego e renda, que estão saindo do Brasil", observou.

Ainda sobre as possibilidades do uso do cânhamo, o advogado André Tadeu de Magalhães Andrade expôs a posição da Associação Brasileira de Cannabis e Cânhamo Industrial. Ele lembrou que a Convenção Única sobre Entorpecentes da Organização das Nações Unidas (ONU) excluiu, em seu artigo 28, a possibilidade de repressão ao uso da cannabis para fins exclusivamente industriais.

No âmbito nacional, segundo o advogado, a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) "está preocupada com a produção não autorizada e com o tráfico ilícito de drogas, o que em muito difere da atuação daqueles trabalhadores e empreendedores que pretendem lidar com uma commodity agrícola materialmente incapaz de originar drogas", ressaltou.

Representando o Conselho Federal de Química, Luiz Miguel Skrobot Júnior lembrou que é possível o controle do cânhamo industrial por meio de rastreabilidade. "Há projetos em andamento nesse sentido que utilizam biomarcadores em sementes. O controle já existe também com o petróleo e a gasolina", exemplificou.

Para SBPC, estudo controlado pode ampliar base de informações sobre usos indicados da cannabis

Primeira a falar no painel 4, a professora da Universidade de Brasília (UnB) Andrea Donatti Gallassi, representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), destacou as evidências científicas do potencial terapêutico da cannabis na saúde pública.

"Para doenças como epilepsia, dor crônica/neuropática, fibromialgia e esclerose múltipla, muitos estudos colocam o uso do canabidiol, com baixo teor de THC, como uma grande indicação terapêutica. Para avançarmos mais nesses estudos com relação a outras doenças, precisamos de uma produção nacional de produtos à base de cannabis, pois conseguiríamos ter um ambiente de estudo controlado", disse. 

Já os representantes da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann), Ana Fábia Martins e Rafael Medeiros Popini Vaz, ressaltaram que mais de 20 milhões de pessoas no Brasil já poderiam estar fazendo uso de produtos à base de cannabis para tratar cerca de 500 tipos de patologias diferentes. "Estamos sendo obrigados a judicializar o que devia ser legislado e regulamentado. Mas, felizmente, temos essas decisões para proteger o direito à saúde e ao bem-estar", declarou Ana Fábia Martins.

Para Fabian Borghetti, doutor em biologia molecular e representante do Conselho Federal de Biologia (CFBio), a Cannabis sativa apresenta um repertório químico e farmacológico extremamente rico, o que possibilita seu uso para inúmeros tratamentos. "A Anvisa, a Fiocruz e a ONU reconhecem a potencialidade da cannabis. O seu plantio traz outros benefícios, como a retirada de metais pesados do solo, a regeneração de solos degradados, alta incorporação de gás carbônico – que contribui no combate às mudanças climáticas – e, além disso, o cultivo geraria aumento de emprego e renda", disse.

Associação aponta potencial do Brasil na exploração do cânhamo industrial

O diretor de relações institucionais da Associação Nacional do Cânhamo Industrial, Marcelo Alexandre Andrade de Almeida, ressaltou que o Brasil tem um enorme potencial para a exploração do cânhamo industrial. Segundo ele, o cânhamo é uma cultura muito versátil e multiúso, utilizável em ampla gama de produtos baseados na biodiversidade, o que desperta o interesse em diversos mercados.

"Tecidos, equipamentos para a construção civil, manejo sustentável do setor agrícola e uma série de outras circunstâncias que nada têm a ver com a ilicitude carreada pelos narcotraficantes. Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Portugal e Argentina são alguns dos países que comercializam cânhamo industrial normalmente. Precisamos incorporar isso aos nossos ordenamentos para que o desenvolvimento da atividade econômica com base no cânhamo industrial tenha segurança e solidez jurídica", declarou.

Para finalizar o painel, falaram as professoras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Claudia Fegadolli e Luciana Surjus. A primeira ressaltou que a população brasileira tem acesso a cerca de 33 produtos com extratos de Cannabis sativa e canabidiol. "No entanto, as empresas brasileiras só podem produzir com a importação dos insumos, o que se traduz em preços bastante elevados. Entre 2015 e 2023, por exemplo, cerca de R$ 165,8 milhões foram gastos pela União para fornecer os medicamentos", explicitou.

Já Luciana Surjus ponderou que a restrição ao plantio de Cannabis sativa tem impedido a ampliação do tratamento a pessoas de baixa renda. "Devemos regulamentar o cultivo no nosso país, lembrando de garantir mecanismos de continuidade do tratamento para quem já conquistou essa proteção jurídica e comportando também aqueles que buscam o acesso lícito para as suas atividades, que são essenciais para um acesso equânime e sustentável no Brasil", apontou.

Segundo Osmar Terra, mundo passa por momento de "glamourização proposital" da maconha

No último painel da audiência, conduzido pelo ministro Sérgio Kukina, a representante da Federação das Associações de Cannabis Terapêutica do Brasil, Maria Ângela Aboin Gomes, afirmou que a chamada "guerra às drogas", em seu modelo atual, impede as pessoas de terem acesso a tratamentos com base em cannabis, além de dificultar pesquisas científicas sobre o assunto.

Maria Ângela Gomes também manifestou preocupação em relação à polinização cruzada entre plantas fêmeas – voltadas para o cultivo de cannabis – e machos – relacionadas ao cultivo de cânhamo –, situação que, segundo ela, pode inclusive prejudicar o cultivo doméstico e trazer riscos a pessoas já em tratamento.

Na visão do deputado federal e médico Osmar Terra, existe, no momento atual, uma espécie de "glamourização proposital" da maconha, uma tentativa de legalização da droga no Brasil.

Citando possíveis perigos relacionados à autorização do plantio, Osmar Terra relacionou a maconha a esquizofrenia, psicose, suicídios, retardo mental e mortes no trânsito. "Legalizando o plantio da maconha, o que se legaliza, na prática, é a maconha", sustentou.

Representante do Conselho Federal de Medicina (CFM), Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti destacou que já há autorização da entidade para o uso da cannabis em doenças específicas, como a epilepsia, mas demonstrou preocupação com o crescimento exponencial de prescrições médicas com produtos derivados da planta.

Para Cavalcanti, essas preocupações se estendem ao cultivo doméstico da maconha medicinal. "Existem perspectivas alvissareiras, mas elas não podem permitir que haja um plantio expansivo porque, para o CFM, somente as síndromes convulsivas têm prescrição oficial. As demais prescrições precisam passar pelo crivo da avaliação científica. Fazer um plantio extensivo, com um universo tão pequeno de pessoas que oficialmente podem se beneficiar, não é adequado", ponderou.

Relatora vê necessidade de resposta da Justiça para uma demanda social importante

No encerramento dos trabalhos, o subprocurador-geral da República Aurélio Virgílio Veiga Rios destacou as questões mais relevantes tratadas na audiência – como a atualização normativa do tema, os impactos socioeconômicos e os possíveis benefícios e malefícios do cultivo – e apontou a possibilidade de algum tipo de solução consensual sobre o assunto. "É possível fazer conciliações de interesses, desde que sejam vencidos preconceitos", afirmou.

A ministra Regina Helena Costa ressaltou a importância dos debates realizados durante o dia e a sua contribuição para a análise da controvérsia. "Existe uma demanda social por uma resposta", disse a relatora. 

Fonte - STJ

Expositores debatem uso medicinal da cannabis na primeira parte da audiência pública

 

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AUDIÊNCIA PÚBLICA
25/04/2024 16:32

Expositores debatem uso medicinal da cannabis na primeira parte da audiência pública

Em audiência pública realizada nesta quinta-feira (25) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), representantes de órgãos públicos e entidades privadas discutiram a possibilidade de importação de sementes e plantio de variedades de Cannabis sativa com baixo teor de Tetrahidrocanabinol (THC) para a produção de medicamentos e outros subprodutos com fins exclusivamente medicinais, farmacêuticos ou industriais.

O tema é objeto do Incidente de Assunção de Competência 16 (IAC 16), instaurado em 7 de março de 2023 na Primeira Seção, que tem como relatora a ministra Regina Helena Costa.

Segundo a ministra, a convocação da audiência pública se deve à relevância jurídica, econômica e social da matéria e tem o objetivo de subsidiar os membros da Primeira Seção com informações técnicas e científicas para o julgamento do IAC.​​​​​​​​​

A audiência foi presidida pela ministra Regina Helena Costa, relatora do IAC sobre o tema na Primeira Seção.
A relatora informou que, no total, foram recebidos 55 pedidos de pessoas e instituições interessadas em participar da audiência, sendo 48 favoráveis à autorização para importação e cultivo das variedades de cannabis com baixo teor de THC, e sete defensoras da tese de que não há amparo técnico ou científico para tal medida. Foram selecionados 24 expositores – os sete contrários e os demais favoráveis.

Também acompanharam a audiência presencialmente os ministros Herman Benjamin e Rogerio Schietti Cruz.

Desconhecimento e necessidade de legislação específica

Primeiro a falar no painel 1, o representante da empresa DNA Soluções em Biotecnologia Eireli, Arthur Ferrari Arsuffi, recorrente no IAC, destacou que esse tema enfrenta muita resistência em razão do desconhecimento e do preconceito. "O IAC trata da possibilidade de importação de sementes e de plantio de cânhamo industrial, que é uma variante da cannabis, mas que, diferentemente da planta usada como droga, somente tem potencial para uso farmacêutico, medicinal e industrial. Não se discute aqui a descriminalização das drogas", ponderou.

De acordo com ele, esses medicamentos têm se mostrado muito eficazes para o tratamento de várias doenças. Porém, o representante da empresa observou que, por conta da restrição regulatória, toda a matéria-prima precisa ser importada.

"É um protecionismo às avessas: podemos produzir os medicamentos aqui, mas temos que importar a matéria-prima. Quem se beneficia com isso? Não é o cidadão brasileiro, cujos produtos acabam encarecendo", questionou. Na sua avaliação, o cultivo das sementes no país vai gerar redução de custos para a população e para o próprio Estado, pois o Sistema Único de Saúde (SUS) fornece esses medicamentos em algumas situações.

Renata de Morais Souza, especialista da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fez um apanhado da legislação sobre o assunto, abordando as convenções das Nações Unidas de 1961 e de 1971, ratificadas pelo Brasil, que estabeleceram a proibição do uso da cannabis, exceto para fins médicos e científicos, e lembrou que a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) também permite o plantio para uso medicinal ou científico.

Também em nome da Anvisa, o gerente de medicamentos João Paulo Silvério Perfeito afirmou que é preciso mostrar que o uso medicinal e científico da cannabis é seguro, eficaz e de qualidade. "Hoje, há uma variedade enorme de produtos com composições diversas, usadas em apresentações diversas, para finalidade diversas, que nos coloca em uma posição desafiadora sobre as necessidades específicas de cada produto", ressaltou.

Bruno César Gonçalves da Silva, representante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirmou que esse tema está dentro de uma questão mais ampla, que é a política de drogas. Segundo ele, há um grupo de trabalho no conselho que aborda especificamente a questão da cannabis medicinal, em especial diante de casos de pessoas que enfrentam acusações criminais por cultivar a planta para fins medicinais.

"Há pessoas que possuem autorização para importar, mas não têm condições financeiras para isso nem conseguem pelo poder público o medicamento a tempo, e buscam a alternativa de cultivar, mas sofrem o risco de serem enquadradas na Lei de Drogas", comentou. Para ele, é fundamental uma disposição normativa para o Poder Judiciário lidar com essas situações, e o órgão é favorável à regulamentação da matéria. "É um caso de saúde, e não de polícia. Temos que tirar essa situação do âmbito penal", concluiu.  

Fiscalização da entrada de sementes e uso do óleo no tratamento de doenças

Eduardo Porto Magalhães, do Ministério da Agricultura e Pecuária, lembrou que a pasta é responsável pela fiscalização de qualquer importação de material vegetal, incluindo sementes, cujo intuito é impedir a propagação de doenças e pragas. Segundo informou, atualmente não existe nenhum requisito para a importação das sementes de Cannabis sativa, o que configura a proibição de sua entrada no país. Ele afirmou que o ministério estuda os riscos relacionados a essas sementes, já tendo sido identificadas algumas pragas danosas para a agricultura nacional.

Além dessas questões, a auditora fiscal federal Izabela Mendes Carvalho ressaltou que a responsabilidade do ministério está relacionada à regulamentação dos produtos de origem vegetal, de todas as espécies, não sendo competente para regulamentar formas específicas. Desse modo, afirmou que, uma vez autorizada a importação de sementes da cannabis pelos órgãos competentes, os procedimentos do ministério serão os mesmos utilizados para qualquer outra importação.

Cláudia Marin, representante da Associação Canábica em Defesa da Vida, fez um relato emocionado sobre a condição do filho, que tem epilepsia de difícil controle. Ele foi o primeiro paciente de Marília (SP) a usar cannabis medicinal. Segundo ela, o filho chegava a ter 80 convulsões por dia, e reduziu esse número para 50 após o uso do óleo de canabidiol (CBD). Porém, só depois da administração do óleo de espectro amplo produzido por terapeuta é que as crises convulsivas cessaram, em quatro dias.

"A maconha medicinal fez diferença na vida do meu filho, mas poderia ter feito antes. Maconha é remédio que salva vidas", declarou. Ela questionou a política de drogas por comprometer o tratamento de muitos pacientes, cujas famílias dependem desses medicamentos para ter qualidade de vida.

Possíveis impactos da regulamentação do cultivo de cannabis

Presidindo o segundo painel da manhã, o ministro Rogerio Schietti Cruz ressaltou a importância de debater o tema com olhar cuidadoso, sem nenhum tipo de preconceito e pautado na ciência.

"Já passou do tempo de deixarmos de tratar o assunto como política criminal; devemos tratá-lo como uma política de saúde pública. Não é mais possível ver tantos brasileiros sendo perseguidos criminalmente por estarem cuidando de sua saúde", asseverou Schietti.

Os representantes da Associação Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa abriram as exposições do painel 2. A psiquiatra e diretora-geral da organização, Eliane Lima Guerra Nunes, destacou a necessidade de regulamentação da cannabis para prescrição de seu amplo espectro de componentes. "Não podemos ser punidos por falar da importância de substâncias proscritas para realizar nosso trabalho", afirmou. Konstantin Gerber, doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), defendeu que as associações tenham uma regulamentação distinta daquela exigida para empresas.

Para o vice-presidente da Comissão Especial de Direito da Cannabis Medicinal do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rodrigo Melo Mesquita, o tema merece uma solução definitiva e informada para suprimir a atual omissão regulatória. "A regulação de mercados não serve para satisfazer interesses ideológicos ou puramente morais", disse ele.

Representando o Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores (GAETS), as defensoras públicas Anelyse Santos de Freitas e Patrícia Landim Salha apresentaram as dificuldades que os assistidos das defensorias experimentam para ter acesso ao medicamento canábico. "Regulamentar os critérios técnicos para o cultivo das variedades de cannabis contribuiria para a diminuição do custo do canabidiol não apenas para o consumidor, mas também para o SUS", avaliou.

André Estevão Ubaldino, procurador do Ministério Público de Minas Gerais e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), destacou a necessidade da ponderação, sob uma perspectiva não preconceituosa, a respeito dos efeitos danosos e efeitos benéficos da planta: "Devemos ter cuidado para que o remédio não se converta em veneno".

O diretor jurídico do Instituto de Pesquisas Sociais e Econômicas da Cannabis, Pedro Gabriel Lopes, deu contribuições sob a perspectiva do controle internacional de drogas. Segundo o pesquisador, as convenções internacionais não estabelecem restrições sobre sementes e folhas, o que facilitaria a regulamentação para o cultivo no Brasil. "Qualquer tipo de decisão a ser tomada a respeito do tema será estritamente baseada em parâmetros nacionais", defendeu.

A audiência pública continuou durante a tarde desta quinta-feira, com três outros painéis expositivos. Assista no canal do STJ no YouTube.

Veja mais fotos da audiência.

Fonte -STJ