terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Em evento inédito, STJ reúne representantes de três países para debater equidade racial no direito comparado ​



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EVENTOS
02/12/2024 14:53

Em evento inédito, STJ reúne representantes de três países para debater equidade racial no direito comparado

Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o I Simpósio Internacional pela Equidade Racial: Brasil, Estados Unidos e África do Sul não representa apenas a oportunidade de debater, com diferentes países, um dos temas mais importantes para a sociedade contemporânea. O momento é especial também porque, pela primeira vez, o tribunal realiza um evento internacional para discutir a questão racial em uma perspectiva de direito comparado.

Ainda que tão distantes geograficamente, as nações chamadas a participar do simpósio trazem em sua história a mesma marca da luta racial. Nos Estados Unidos, essa luta atravessa a escravidão e explode no movimento por direitos civis dos anos 1950 e 1960 – inclusive em suas versões atuais, como o Black Lives Matter. Na África do Sul, o regime do Apartheid (1948-1994) deixou sequelas que ainda se expressam em manifestações racistas numa sociedade de ampla maioria negra. No Brasil, as cicatrizes não ficaram apenas no corpo dos escravos açoitados – elas vivem na alma dos que ainda hoje buscam igualdade efetiva de direitos e a superação definitiva do preconceito. 

Nos Estados Unidos, Martin Luther King; na África do Sul, Nelson Mandela; no Brasil, Zumbi dos Palmares. Semelhanças e diferenças entre os países no enfrentamento das questões raciais estarão presentes nos dois dias de evento, marcado para 4 e 5 de dezembro, no auditório externo do STJ.

Segundo um dos participantes do simpósio, o juiz federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, secretário-geral do Conselho da Justiça Federal (CJF), ainda constrange o mundo o regime de segregação que perdurou na África do Sul por quase cinco décadas, e continuam a gerar debates as prisões seletivas nos EUA, país em que os negros são quase cinco vezes mais encarcerados em prisões estaduais do que os brancos.

"No Brasil, nos enchem de vergonha o racismo ambiental, interseccional, obstétrico, algorítmico, recreativo, entre outras formas de desprezo ao povo negro. Precisamos falar disso, e o simpósio será um bom momento, um encontro necessário", resume o juiz.

Simpósio ajuda a cumprir princípios previstos na Constituição

De acordo com o juiz Joacy Dias Furtado – que atua na Presidência do STJ –, o evento é relevante para reafirmar o compromisso do Brasil com um dos objetivos fundamentais definidos na Constituição Federal: promover o bem de todos, sem preconceitos de raça, cor e outras formas de discriminação.

"O evento, aliado à I Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial, traz enorme contribuição para maior reflexão e consequente tomada de posição diferenciada quanto à necessidade de assegurar condições de equidade racial na realidade brasileira, tudo cotejado com as experiências que serão trazidas por representantes dos Estados Unidos e da África do Sul", aponta o juiz.

Em sentido semelhante, a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Maria da Purificação da Silva comenta que os países envolvidos no simpósio se destacam internacionalmente nas pautas raciais. Como representante do Poder Judiciário brasileiro, a magistrada também enxerga no evento uma forma de se apresentar à sociedade para demonstrar a responsabilidade e a preocupação das instituições com a implementação efetiva da equidade racial.

"Precisamos promover ações, construir práticas contínuas, incentivar e proporcionar a interação entre os integrantes da Justiça em relação às questões raciais", enfatizou a desembargadora.  

Jornada de equidade racial e pacto nacional do CNJ são destaques do evento

No mesmo dia da abertura do simpósio, será realizada a I Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial – uma parceria entre o CJF e o STJ. Segundo o juiz Erivaldo Ribeiro dos Santos, mais de 50 enunciados devem ser debatidos por magistrados e estudiosos do tema.

"Esses enunciados virão marcados pela diversidade temática, com abordagem em relação às relações de trabalho, ao patrimônio imaterial das religiões de matriz africana, às diversas formas de racismo, às cotas raciais, entre outros assuntos", aponta o juiz.

Já na programação do simpósio, um dos temas de destaque é o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, esforço capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que os órgãos judiciários de todo o país adotem iniciativas voltadas para o combate às desigualdades raciais.

Segundo o juiz Joacy Furtado, o simpósio contribuirá para dar efetividade ao pacto, ao discutir e repercutir as ações afirmativas, compensatórias e reparatórias que podem ser adotadas pelo Judiciário para eliminação do racismo estrutural.

"O Pacto Nacional impacta o Sistema de Justiça brasileiro ao impor uma mudança de paradigma, pois tem a finalidade evidente de fortalecer a cultura da equidade racial no Poder Judiciário, operacionalizando medidas eficazes que viabilizem condições de igualdade aos grupos raciais excluídos historicamente", resume o magistrado.

Uma das ações previstas pelo pacto é o Prêmio de Equidade Racial, que busca reconhecer as boas práticas promovidas pelos tribunais. A desembargadora Maria da Purificação da Silva lembra que o TJBA foi um dos vencedores da primeira edição do prêmio, o que, na sua opinião, "demonstra a preocupação em estarmos engajados na política de equidade racial e na disseminação do tema entre os nossos juízes e servidores".

Confira a programação completa do I Simpósio Internacional pela Equidade Racial: Brasil, Estados 

Unidos e África do Sul

Fonte - STJ


Quando o acordo não vem: o STJ e os efeitos da audiência de conciliação frustrada

 

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ESPECIAL
01/12/2024 06:50
 

Quando o acordo não vem: o STJ e os efeitos da audiência de conciliação frustrada

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o Brasil adotou, de maneira definitiva, uma orientação voltada para a busca de soluções consensuais. Entre as alternativas para que a solução do conflito não tenha de ser imposta pelo Estado, estão a conciliação – em que um conciliador atua de forma mais efetiva, fazendo sugestões para o acordo – e a mediação – indicada para conflitos mais profundos e relações mais duradouras, nos quais o papel do mediador é facilitar o diálogo entre as partes.

O artigo 334 do CPC/2015 tornou a audiência de conciliação ou mediação obrigatória no início dos processos, salvo nos casos que não admitirem a autocomposição ou se as partes, expressamente, manifestarem desinteresse nessa hipótese.

Embora a solução negociada seja incentivada pelo ordenamento jurídico, o acordo muitas vezes nem é tentado, seja porque alguma das partes se mostrou desinteressada, seja porque, tendo sido marcada a audiência, uma delas não compareceu.

Em situações assim, surgem discussões sobre os efeitos das audiências infrutíferas ou não realizadas, assunto já examinado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em várias ocasiões. O tribunal, inclusive, abordará novamente essa questão no Tema 1.271 dos recursos repetitivos, para decidir se a falta da audiência prevista no artigo 334 do CPC, quando apenas uma das partes manifesta desinteresse em sua realização, pode resultar em nulidade do processo.

Decisão que nega designação da audiência está sujeita a impugnação imediata

Em 2020, no julgamento do RMS 63.202, a Terceira Turma concluiu que a decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes é suscetível de impugnação imediata pelo agravo de instrumento. Para o colegiado, seria ineficaz e inútil reconhecer, apenas no julgamento da apelação, que as partes fariam jus à audiência de conciliação ou à sessão de mediação previstas para acontecer no início do processo, na forma do artigo 334 do CPC.

Ao receber a petição inicial – na qual a autora da ação requeria que fosse designada a audiência de conciliação –, o juízo de primeiro grau, com base no artigo 139, inciso VI, do CPC, optou por ajustar o rito processual às necessidades do caso, determinando a citação do réu. Este, por sua vez, solicitou a realização da audiência em caráter de urgência, argumentando que havia interesse de ambas as partes em resolver a questão consensualmente.

Devido às dificuldades de agenda e à complexidade do conflito, o juízo negou o pedido de realização da audiência, mas deixou aberta a possibilidade de marcá-la futuramente, o que levou o réu a impetrar mandado de segurança alegando violação do devido processo legal. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no entanto, considerou que a impugnação do ato judicial deveria ser feita em preliminar da apelação, e não em mandado de segurança, o qual não era cabível na hipótese de haver recurso próprio.

No STJ, a ministra Nancy Andrighi – cujo voto prevaleceu no julgamento do recurso – ponderou que a impugnação da decisão interlocutória apenas na apelação seria ineficaz, pois a questão precisaria ser solucionada de imediato.

Apesar dessa observação, a ministra negou provimento ao recurso, explicando que, embora o mandado de segurança possa ser utilizado em casos excepcionais para impugnar decisões judiciais, ele não é admissível contra decisões interlocutórias após 19 de dezembro de 2018, data em que foi publicado o acórdão do Tema Repetitivo 988. Nesse repetitivo, o STJ definiu que o rol de hipóteses expressas do CPC/2015 para cabimento do agravo de instrumento é de taxatividade mitigada, ou seja, não contempla todas as situações de urgência em que o recurso deve ser admitido.

Para a ministra, permitir o mandado de segurança em tal contexto contrariaria a tese firmada no repetitivo, que determina o agravo de instrumento como o meio recursal apropriado para esses casos.


Imagem de capa do card  Imagem de capa do card 

O STJ, ao julgar controvérsias que versam sobre impedimentos de juízes e desembargadores, tem adotado postura tendente a primar pela aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, bem como pela necessidade de demonstração do prejuízo advindo da participação de magistrados parentes no julgamento do mesmo processo.
RMS 63.202

Ministra Nancy Andrighi


Não cabe agravo de instrumento contra multa por falta à audiência

No julgamento do REsp 1.762.957, a Terceira Turma decidiu que não cabe agravo de instrumento contra a decisão que aplica multa pelo não comparecimento à audiência de conciliação.

Conforme o processo, a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil recorreu ao STJ após o TJMG não conhecer do seu agravo de instrumento contra a multa que lhe foi imposta por ter faltado à audiência de conciliação.

A entidade previdenciária sustentou que a decisão do tribunal mineiro violou o inciso II do artigo 1.015 do CPC/2015, o qual prevê o cabimento de agravo de instrumento contra decisão que versa sobre o mérito do processo.

O relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), esclareceu que a reforma trazida pelo CPC de 2015 em relação ao agravo de instrumento visou aumentar a fluidez e a celeridade dos processos. Segundo o magistrado, ao mencionar o "mérito" no inciso II do artigo 1.015, o legislador se referiu às questões de fundo, diretamente relacionadas ao pedido das partes, que normalmente seriam analisadas na sentença, mas que, em alguns casos, são resolvidas de forma antecipada por decisões interlocutórias, caracterizando as chamadas sentenças parciais ou julgamentos antecipados parciais de mérito.

Dessa forma – concluiu o ministro –, a decisão que impõe a multa do artigo 334, parágrafo 8º, do CPC não se enquadra no inciso II do artigo 1.015. Ele explicou que, se fosse esse o entendimento, a intenção do legislador de garantir a celeridade processual seria comprometida, pois a questão, em vez de ser resolvida rapidamente, seria automaticamente devolvida para revisão em apelação, o que contrariaria o objetivo de agilidade do novo regime processual.

Nulidade por ausência da audiência de conciliação exige demonstração de prejuízo

Enquanto não julga o Tema 1.271, o STJ segue com entendimento não unificado sobre a possibilidade de anulação do processo nos casos em que apenas uma das partes expressa seu desinteresse e o juízo não marca a audiência de conciliação.

No AREsp 1.968.508, de relatoria do ministro Raul Araújo, a Quarta Tuma definiu que a falta de realização da audiência de conciliação não é causa de nulidade do processo quando a parte não demonstra o prejuízo.

Ao ingressar com uma ação de despejo e cobrança, a autora indicou seu desinteresse pela conciliação ou mediação. Após a ação ser julgada procedente, a locatária apelou, alegando, entre outros pontos, nulidade da sentença pela ausência da audiência de conciliação. Contudo, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) confirmou a decisão inicial, por julgar que a falta da audiência não invalidava o processo, especialmente quando a parte autora expressou a impossibilidade de acordo e a parte contrária não comprovou ter sofrido prejuízo.

O ministro Raul Araújo afirmou que o posicionamento do TJPE estava de acordo com a jurisprudência do STJ, no sentido de que o reconhecimento de vício que implique a anulação de ato processual exige a demonstração do prejuízo, mesmo em se tratando de nulidade absoluta.

Desinteresse do INSS na conciliação não afasta multa por faltar à audiência

No julgamento do REsp 1.769.949, a Primeira Turma manteve a aplicação, contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), da multa prevista no artigo 334, parágrafo 8º, do CPC/2015, em caso no qual a parte autora da ação disse ter interesse na realização da audiência de conciliação, porém a autarquia – após manifestar seu desinteresse – não compareceu.

Nesse processo, depois de conceder tutela de urgência ao autor, o juízo marcou a audiência de conciliação entre ele o INSS. Ao ser intimada, a autarquia declarou seu desinteresse em participar da audiência, enquanto o autor expressou seu interesse. Devido ao não comparecimento do representante do INSS, o juízo aplicou a multa de 2% do valor da causa, prevista no CPC. A autarquia, então, recorreu ao STJ sustentando que a multa não poderia ter sido aplicada, uma vez que a sua ausência foi devidamente justificada.

O relator do recurso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho (aposentado), afirmou que a audiência de conciliação era optativa sob o CPC/1973, mas, com a reforma do código, o Estado passou a ter o dever de promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, a qual deve ser estimulada por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (artigo 139, inciso V, do CPC/2015).

Para o magistrado, apesar de o INSS ter manifestado seu desinteresse na conciliação, a parte autora se mostrou interessada, o que tornava obrigatória a realização da audiência, com a indispensável presença das partes.

"Assim, não comparecendo o INSS à audiência de conciliação, é inevitável a aplicação da multa prevista no artigo 334, parágrafo 8º do CPC/2015, que estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do estado. Qualquer interpretação passadista desse dispositivo será um retrocesso na evolução do direito pela via jurisdicional e um desserviço à Justiça", declarou.

Imagem de capa do card  Imagem de capa do card 

O caráter obrigatório da realização dessa audiência de conciliação é a grande mudança da nova lei processual civil, mas o INSS, contudo, intenta repristinar a regra que estabelecia ser optativa a audiência de conciliação (artigo 125, inciso IV, do CPC/1973), retirando o efeito programado e esperado pela legislação processual civil adveniente.


REsp 1.769.949

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Audiência antes da apreensão do bem em alienação fiduciária não é obrigatória

No procedimento especial da ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, regida pelo Decreto-Lei 911/1969, não incide a obrigatoriedade da prévia audiência de conciliação prevista no artigo 334 do CPC/2015, não resultando sua ausência em nulidade.

A Terceira Turma firmou esse entendimento ao negar provimento ao REsp 2.167.264. Na origem, uma administradora de consórcio ajuizou ação de busca e apreensão devido ao não pagamento de parcelas do financiamento de uma moto com garantia de alienação fiduciária. Na contestação, o devedor reconheceu a dívida e solicitou ao juiz o reconhecimento de uma renegociação, pedindo permissão para realizar depósitos. Após decisões favoráveis à administradora nas instâncias ordinárias, o devedor recorreu ao STJ, alegando violação do artigo 334 do CPC/2015.

De acordo com o recorrente, a audiência de conciliação deveria ter sido realizada, já que não houve manifestação expressa das partes dispensando-a. Ele disse ter demonstrado interesse em uma solução amigável, propondo um acordo na fase de contestação, e sustentou que a falta da audiência de conciliação configurou um erro processual que tornaria a sentença nula e exigiria a reforma do acórdão de segundo grau.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que a obrigatoriedade da audiência de conciliação prévia está prevista no artigo 334 do CPC/2015, podendo ser dispensada em duas situações: quando ambas as partes manifestam desinteresse de forma expressa ou quando a natureza do processo impede a autocomposição.

Segundo a ministra, o direito da parte interessada na realização da conciliação ou da mediação pode, inclusive, gerar nulidade do processo, caso não haja designação da audiência pelo juiz. Contudo, ela enfatizou que o réu deveria ter suscitado o vício na primeira oportunidade de manifestação no processo, o que não ocorreu. Além disso, Nancy Andrighi ponderou que, apesar de o CPC estabelecer, como regra geral, que o juiz deve incentivar a solução consensual dos conflitos, o artigo 334 é específico do procedimento comum, e não se aplica aos procedimentos especiais, salvo previsão legal.

Assim, a ministra concluiu que, em procedimentos especiais, como a ação de busca e apreensão, a realização da audiência de conciliação é facultativa e depende da discricionariedade do juiz. "Considerando que o DL 911/1969 regulamenta a fase inicial do processo de forma diversa dos artigos 334 e 335, I e II, do CPC, não há espaço para a aplicação subsidiária dos referidos dispositivos do procedimento comum", afirmou.

Presença de advogado com poderes para transigir afasta aplicação da multa

Em 2021, no julgamento do RMS 56.422, a Quarta Turma decidiu que não cabe a aplicação de multa pelo não comparecimento pessoal à audiência de conciliação, por ato atentatório à dignidade da Justiça, quando a parte estiver representada por advogado com poderes específicos para transigir.

Com essa decisão, o colegiado deu provimento ao recurso em mandado de segurança de uma empresa que foi multada em R$ 29 mil por ato atentatório à dignidade da Justiça, devido ao não comparecimento à audiência de conciliação. A empresa impetrou o mandado de segurança no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), sustentando que era seu direito se fazer representar por advogado na audiência de conciliação, conforme diz o CPC/2015. Contudo, o TJMS indeferiu a petição inicial do mandado de segurança por esgotamento do prazo para a impetração.

Após entender que o mandado de segurança era tempestivo, o relator do recurso no STJ, ministro Raul Araújo, observou que o parágrafo 10 do artigo 334 do CPC permite à parte ser representada mediante procuração com poderes específicos para negociar e transigir. "Desse modo, ficando demonstrado que os procuradores da ré, munidos de procuração com poderes para transigir, estiveram presentes na audiência, tem-se como manifestamente ilegal a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça", disse.

 
Fonte - STJ 

Falta de credenciamento da entidade certificadora na ICP-Brasil, por si só, não invalida assinatura eletrônica

 

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DECISÃO
03/12/2024 07:05
 

Falta de credenciamento da entidade certificadora na ICP-Brasil, por si só, não invalida assinatura eletrônica

Resumo em texto simplificado

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que a presunção de veracidade de uma assinatura eletrônica, certificada por pessoa jurídica de direito privado, não pode ser afastada pelo simples fato de a entidade não estar credenciada na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).

O recurso especial julgado pelo colegiado decorre de ação de busca e apreensão de veículo alienado fiduciariamente como garantia de um empréstimo formalizado em Cédula de Crédito Bancário, assinada digitalmente por meio da plataforma Clicksign e endossada por uma entidade que atua como correspondente bancária e sociedade de crédito direto.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) manteve a decisão de primeiro grau que extinguiu o processo, destacando que as assinaturas digitais, feitas por uma entidade não credenciada na ICP-Brasil, não eram suficientes para garantir a autenticidade dos documentos.

No recurso ao STJ, a credora defendeu a validade da assinatura digital do contrato, autenticada por meio de token, conforme acordado entre as partes. Argumentou que a autenticidade pode ser conferida no site da plataforma Clicksign e que o uso de assinatura certificada pela ICP-Brasil é opcional. Por fim, destacou o princípio da liberdade das formas e a validade dos contratos eletrônicos, classificando a assinatura como eletrônica avançada, capaz de garantir a integridade e a veracidade do documento.

Assinatura digital avançada tem a mesma validade da assinatura física

A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que o sistema de certificação pela ICP-Brasil, embora amplamente utilizado, não exclui outros métodos de validação jurídica para documentos e assinaturas eletrônicas. Segundo ela, o parágrafo 2º do artigo 10 da MP 2200/2001 prevê expressamente isso.

A ministra ressaltou que a Lei 14.063/2020 criou níveis diferentes de força probatória das assinaturas eletrônicas, conforme o método de autenticação utilizado, e, ao mesmo tempo, conferiu validade jurídica a qualquer tipo de assinatura eletrônica, levando em consideração a autonomia privada e a liberdade das formas de declaração de vontade entre os particulares.

Para Nancy Andrighi, a assinatura eletrônica avançada tem presunção de veracidade menor quando comparada à assinatura eletrônica qualificada, que utiliza certificação ICP-Brasil. "Ainda assim, ela possui uma carga razoável de força probatória e – mais importante – validade jurídica idêntica, conforme endossado pelo próprio Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), para o qual o documento com a assinatura digital avançada tem a mesma validade de um documento com assinatura física, apenas dependendo da aceitação do emitente e do destinatário", completou.

Partes concordaram em usar assinatura eletrônica por meio de plataforma digital

A relatora apontou que, no caso em julgamento, as partes acordaram expressamente em utilizar o método de "assinatura eletrônica da CCB através de plataforma indicada pela credora", ou seja, há presunção de acordo de vontades quanto à utilização do método de assinatura eletrônica por meio da plataforma Clicksign. Além disso, ela enfatizou que o processo reúne vários elementos de verificação que confirmam a veracidade das assinaturas. 

De acordo com Nancy Andrighi, negar validade a um título de crédito apenas pelo fato de a autenticação da assinatura e da integridade documental ter sido feita por uma entidade não credenciada no sistema ICP-Brasil seria o mesmo que negar validade a um cheque cuja assinatura não foi reconhecida em cartório, "evidenciando um excessivo formalismo diante da nova realidade do mundo virtual".

Leia o acórdão no REsp 2.159.442.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2159442
 
Fonte - STJ 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Terceira Turma afasta custas processuais em embargos de terceiro que perderam objeto sem ter havido citação

 

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DECISÃO
02/12/2024 07:00
 

Terceira Turma afasta custas processuais em embargos de terceiro que perderam objeto sem ter havido citação

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a cobrança de custas processuais em embargos de terceiro que foram extintos por perda de objeto após a parte embargada (autora na ação principal) desistir da penhora de um imóvel. De acordo com o colegiado, a exigência do pagamento seria inadequada, uma vez que o embargado nem sequer foi citado nos autos, e o embargante, por outro lado, teve seu patrimônio restringido de forma indevida.

Na origem do caso, a desistência da penhora na ação principal levou o juízo de primeiro grau a extinguir os embargos de terceiro, impondo ao embargante a obrigação de arcar com as custas processuais, sem arbitramento de honorários advocatícios.

Ele apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), mas a sentença foi mantida sob o fundamento de que a desistência se deu antes da citação nos embargos de terceiro, o que indicaria falta de resistência à pretensão do embargante. Com base no princípio da causalidade, a corte estadual avaliou que esse fato afastaria a possível atribuição de encargos sucumbenciais ao embargado.

Ao STJ, o embargante alegou, entre outros pontos, que o autor da ação principal deveria arcar com os ônus sucumbenciais dos embargos, pois foi a penhora injusta que motivou a sua oposição.

Falta de citação em embargos de terceiro impacta análise da sucumbência

A ministra Nancy Andrighi, relatora na Terceira Turma, explicou que, se os pedidos feitos nos embargos de terceiro forem julgados improcedentes, o embargante responderá pelos ônus sucumbenciais, em virtude do princípio da sucumbência (quem perdeu paga). Caso contrário, continuou, o julgador precisará analisar o contexto sob a ótica do princípio da causalidade (quem deu causa ao processo é que paga).

Segundo a ministra, esse mesmo princípio deve ser observado na hipótese de perda do objeto dos embargos de terceiro em razão de desistência da penhora nos autos principais. Nesse caso, a ministra afirmou que a parte que deu causa ao processo deve arcar com os ônus sucumbenciais.

No entanto, Nancy Andrighi alertou que a situação em análise é peculiar, pois a parte embargada não chegou a ser citada nos autos dos embargos de terceiro. "Não se revela razoável imputar à embargada o dever de arcar com os ônus sucumbenciais de processo do qual nem sequer era parte. Por outro lado, tampouco revela-se razoável imputar a referida obrigação à parte embargante, vítima de aprisionamento material indevido de seu patrimônio, se por um comportamento seu não deu causa à constrição", destacou.

A relatora observou ainda que esse entendimento foi adotado em julgados do STJ regidos pelo Código de Processo Civil (CPC) de 1973, porém segue válido sob o CPC/2015.

"Nesse contexto, merece reforma o acórdão recorrido, pois, na hipótese de desistência da penhora anterior à citação da parte embargada, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito em virtude da perda superveniente do objeto, mas sem qualquer condenação em ônus sucumbenciais", concluiu a ministra ao dar parcial provimento ao recurso especial.


O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

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Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:
  • 1º termo - Embargos de terceiro: Ação ajuizada por alguém que não é o devedor, não faz parte do processo, mas teve o seu patrimônio afetado por alguma constrição judicial, como a penhora. O objetivo é liberar o bem.
  • 2º termo - Sentença: Decisão do juízo de primeiro grau que encerra o processo nessa instância.
  • 3º termo - Citação: Ato de convocar o réu, interessado ou executado a integrar a relação processual.
  • 4º termo - Sucumbência: Atribui à parte vencida o pagamento de todos os gastos decorrentes da atividade processual, inclusive honorários ao advogado da parte vencedora.
  • 5º termo - Acórdão: Acórdão é a decisão do órgão colegiado de um tribunal. No caso do STJ, pode ser das turmas, seções ou da Corte Especial.
  • 6º termo - Mérito: A questão principal (ou o conjunto das questões principais) do processo, na qual se baseia o pedido do autor.
  • 7º termo - Provimento: Ato de prover. Dar provimento a recurso significa acolher o pedido para reformar ou anular decisão judicial anterior. No direito administrativo, é o ato de preencher vaga no serviço público.
  • 8º termo - Recurso Especial: O recurso especial (sigla REsp) é dirigido ao STJ para contestar possível má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. Assim, o REsp serve para que o STJ uniformize a interpretação da legislação federal em todo o país.
Fonte - STJ

Em evento inédito, STJ reúne representantes de três países para debater equidade racial no direito comparado ​

 

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EVENTOS
02/12/2024 14:53

Em evento inédito, STJ reúne representantes de três países para debater equidade racial no direito comparado

Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o I Simpósio Internacional pela Equidade Racial: Brasil, Estados Unidos e África do Sul não representa apenas a oportunidade de debater, com diferentes países, um dos temas mais importantes para a sociedade contemporânea. O momento é especial também porque, pela primeira vez, o tribunal realiza um evento internacional para discutir a questão racial em uma perspectiva de direito comparado.

Ainda que tão distantes geograficamente, as nações chamadas a participar do simpósio trazem em sua história a mesma marca da luta racial. Nos Estados Unidos, essa luta atravessa a escravidão e explode no movimento por direitos civis dos anos 1950 e 1960 – inclusive em suas versões atuais, como o Black Lives Matter. Na África do Sul, o regime do Apartheid (1948-1994) deixou sequelas que ainda se expressam em manifestações racistas numa sociedade de ampla maioria negra. No Brasil, as cicatrizes não ficaram apenas no corpo dos escravos açoitados – elas vivem na alma dos que ainda hoje buscam igualdade efetiva de direitos e a superação definitiva do preconceito. 

Nos Estados Unidos, Martin Luther King; na África do Sul, Nelson Mandela; no Brasil, Zumbi dos Palmares. Semelhanças e diferenças entre os países no enfrentamento das questões raciais estarão presentes nos dois dias de evento, marcado para 4 e 5 de dezembro, no auditório externo do STJ.

Segundo um dos participantes do simpósio, o juiz federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, secretário-geral do Conselho da Justiça Federal (CJF), ainda constrange o mundo o regime de segregação que perdurou na África do Sul por quase cinco décadas, e continuam a gerar debates as prisões seletivas nos EUA, país em que os negros são quase cinco vezes mais encarcerados em prisões estaduais do que os brancos.

"No Brasil, nos enchem de vergonha o racismo ambiental, interseccional, obstétrico, algorítmico, recreativo, entre outras formas de desprezo ao povo negro. Precisamos falar disso, e o simpósio será um bom momento, um encontro necessário", resume o juiz.

Simpósio ajuda a cumprir princípios previstos na Constituição

De acordo o juiz Joacy Dias Furtado – que atua na Presidência do STJ –, o evento é relevante para reafirmar o compromisso do Brasil com um dos objetivos fundamentais definidos na Constituição Federal: promover o bem de todos, sem preconceitos de raça, cor e outras formas de discriminação.

"O evento, aliado à I Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial, traz enorme contribuição para maior reflexão e consequente tomada de posição diferenciada quanto à necessidade de assegurar condições de equidade racial na realidade brasileira, tudo cotejado com as experiências que serão trazidas por representantes dos Estados Unidos e da África do Sul", aponta o juiz.

Em sentido semelhante, a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Maria da Purificação da Silva comenta que os países envolvidos no simpósio se destacam internacionalmente nas pautas raciais. Como representante do Poder Judiciário brasileiro, a magistrada também enxerga no evento uma forma de se apresentar à sociedade para demonstrar a responsabilidade e a preocupação das instituições com a implementação efetiva da equidade racial.

"Precisamos promover ações, construir práticas contínuas, incentivar e proporcionar a interação entre os integrantes da Justiça em relação às questões raciais", enfatizou a desembargadora.  

Jornada de equidade racial e pacto nacional do CNJ são destaques do evento

No mesmo dia da abertura do simpósio, será realizada a I Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial – uma parceria entre o CJF e o STJ. Segundo o juiz Erivaldo Ribeiro dos Santos, mais de 50 enunciados devem ser debatidos por magistrados e estudiosos do tema.

"Esses enunciados virão marcados pela diversidade temática, com abordagem em relação às relações de trabalho, ao patrimônio imaterial das religiões de matriz africana, às diversas formas de racismo, às cotas raciais, entre outros assuntos", aponta o juiz.

Já na programação do simpósio, um dos temas de destaque é o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, esforço capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que os órgãos judiciários de todo o país adotem iniciativas voltadas para o combate às desigualdades raciais.

Segundo o juiz Joacy Furtado, o simpósio contribuirá para dar efetividade ao pacto, ao discutir e repercutir as ações afirmativas, compensatórias e reparatórias que podem ser adotadas pelo Judiciário para eliminação do racismo estrutural.

"O Pacto Nacional impacta o Sistema de Justiça brasileira ao impor uma mudança de paradigma, pois tem a finalidade evidente de fortalecer a cultura da equidade racial no Poder Judiciário, operacionalizando medidas eficazes que viabilizem condições de igualdade aos grupos raciais excluídos historicamente", resume o magistrado.

Uma das ações previstas pelo pacto é o Prêmio de Equidade Racial, que busca reconhecer as boas práticas promovidas pelos tribunais. A desembargadora Maria da Purificação da Silva lembra que o TJBA foi um dos vencedores da primeira edição do prêmio, o que, na sua opinião, "demonstra a preocupação em estarmos engajados na política de equidade racial e na disseminação do tema entre os nossos juízes e servidores".

Confira a programação completa do I Simpósio Internacional pela Equidade Racial: Brasil, Estados Unidos e África do Sul.

Fonte - STJ

Quando o acordo não vem: o STJ e os efeitos da audiência de conciliação frustrada

 

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ESPECIAL
01/12/2024 06:50
 

Quando o acordo não vem: o STJ e os efeitos da audiência de conciliação frustrada

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o Brasil adotou, de maneira definitiva, uma orientação voltada para a busca de soluções consensuais. Entre as alternativas para que a solução do conflito não tenha de ser imposta pelo Estado, estão a conciliação – em que um conciliador atua de forma mais efetiva, fazendo sugestões para o acordo – e a mediação – indicada para conflitos mais profundos e relações mais duradouras, nos quais o papel do mediador é facilitar o diálogo entre as partes.

O artigo 334 do CPC/2015 tornou a audiência de conciliação ou mediação obrigatória no início dos processos, salvo nos casos que não admitirem a autocomposição ou se as partes, expressamente, manifestarem desinteresse nessa hipótese.

Embora a solução negociada seja incentivada pelo ordenamento jurídico, o acordo muitas vezes nem é tentado, seja porque alguma das partes se mostrou desinteressada, seja porque, tendo sido marcada a audiência, uma delas não compareceu.

Em situações assim, surgem discussões sobre os efeitos das audiências infrutíferas ou não realizadas, assunto já examinado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em várias ocasiões. O tribunal, inclusive, abordará novamente essa questão no Tema 1.271 dos recursos repetitivos, para decidir se a falta da audiência prevista no artigo 334 do CPC, quando apenas uma das partes manifesta desinteresse em sua realização, pode resultar em nulidade do processo.

Decisão que nega designação da audiência está sujeita a impugnação imediata

Em 2020, no julgamento do RMS 63.202, a Terceira Turma concluiu que a decisão interlocutória que indefere a designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes é suscetível de impugnação imediata pelo agravo de instrumento. Para o colegiado, seria ineficaz e inútil reconhecer, apenas no julgamento da apelação, que as partes fariam jus à audiência de conciliação ou à sessão de mediação previstas para acontecer no início do processo, na forma do artigo 334 do CPC.

Ao receber a petição inicial – na qual a autora da ação requeria que fosse designada a audiência de conciliação –, o juízo de primeiro grau, com base no artigo 139, inciso VI, do CPC, optou por ajustar o rito processual às necessidades do caso, determinando a citação do réu. Este, por sua vez, solicitou a realização da audiência em caráter de urgência, argumentando que havia interesse de ambas as partes em resolver a questão consensualmente.

Devido às dificuldades de agenda e à complexidade do conflito, o juízo negou o pedido de realização da audiência, mas deixou aberta a possibilidade de marcá-la futuramente, o que levou o réu a impetrar mandado de segurança alegando violação do devido processo legal. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no entanto, considerou que a impugnação do ato judicial deveria ser feita em preliminar da apelação, e não em mandado de segurança, o qual não era cabível na hipótese de haver recurso próprio.

No STJ, a ministra Nancy Andrighi – cujo voto prevaleceu no julgamento do recurso – ponderou que a impugnação da decisão interlocutória apenas na apelação seria ineficaz, pois a questão precisaria ser solucionada de imediato.

Apesar dessa observação, a ministra negou provimento ao recurso, explicando que, embora o mandado de segurança possa ser utilizado em casos excepcionais para impugnar decisões judiciais, ele não é admissível contra decisões interlocutórias após 19 de dezembro de 2018, data em que foi publicado o acórdão do Tema Repetitivo 988. Nesse repetitivo, o STJ definiu que o rol de hipóteses expressas do CPC/2015 para cabimento do agravo de instrumento é de taxatividade mitigada, ou seja, não contempla todas as situações de urgência em que o recurso deve ser admitido.

Para a ministra, permitir o mandado de segurança em tal contexto contrariaria a tese firmada no repetitivo, que determina o agravo de instrumento como o meio recursal apropriado para esses casos.


Imagem de capa do card  Imagem de capa do card 

O STJ, ao julgar controvérsias que versam sobre impedimentos de juízes e desembargadores, tem adotado postura tendente a primar pela aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, bem como pela necessidade de demonstração do prejuízo advindo da participação de magistrados parentes no julgamento do mesmo processo.
RMS 63.202

Ministra Nancy Andrighi


Não cabe agravo de instrumento contra multa por falta à audiência

No julgamento do REsp 1.762.957, a Terceira Turma decidiu que não cabe agravo de instrumento contra a decisão que aplica multa pelo não comparecimento à audiência de conciliação.

Conforme o processo, a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil recorreu ao STJ após o TJMG não conhecer do seu agravo de instrumento contra a multa que lhe foi imposta por ter faltado à audiência de conciliação.

A entidade previdenciária sustentou que a decisão do tribunal mineiro violou o inciso II do artigo 1.015 do CPC/2015, o qual prevê o cabimento de agravo de instrumento contra decisão que versa sobre o mérito do processo.

O relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), esclareceu que a reforma trazida pelo CPC de 2015 em relação ao agravo de instrumento visou aumentar a fluidez e a celeridade dos processos. Segundo o magistrado, ao mencionar o "mérito" no inciso II do artigo 1.015, o legislador se referiu às questões de fundo, diretamente relacionadas ao pedido das partes, que normalmente seriam analisadas na sentença, mas que, em alguns casos, são resolvidas de forma antecipada por decisões interlocutórias, caracterizando as chamadas sentenças parciais ou julgamentos antecipados parciais de mérito.

Dessa forma – concluiu o ministro –, a decisão que impõe a multa do artigo 334, parágrafo 8º, do CPC não se enquadra no inciso II do artigo 1.015. Ele explicou que, se fosse esse o entendimento, a intenção do legislador de garantir a celeridade processual seria comprometida, pois a questão, em vez de ser resolvida rapidamente, seria automaticamente devolvida para revisão em apelação, o que contrariaria o objetivo de agilidade do novo regime processual.

Nulidade por ausência da audiência de conciliação exige demonstração de prejuízo

Enquanto não julga o Tema 1.271, o STJ segue com entendimento não unificado sobre a possibilidade de anulação do processo nos casos em que apenas uma das partes expressa seu desinteresse e o juízo não marca a audiência de conciliação.

No AREsp 1.968.508, de relatoria do ministro Raul Araújo, a Quarta Tuma definiu que a falta de realização da audiência de conciliação não é causa de nulidade do processo quando a parte não demonstra o prejuízo.

Ao ingressar com uma ação de despejo e cobrança, a autora indicou seu desinteresse pela conciliação ou mediação. Após a ação ser julgada procedente, a locatária apelou, alegando, entre outros pontos, nulidade da sentença pela ausência da audiência de conciliação. Contudo, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) confirmou a decisão inicial, por julgar que a falta da audiência não invalidava o processo, especialmente quando a parte autora expressou a impossibilidade de acordo e a parte contrária não comprovou ter sofrido prejuízo.

O ministro Raul Araújo afirmou que o posicionamento do TJPE estava de acordo com a jurisprudência do STJ, no sentido de que o reconhecimento de vício que implique a anulação de ato processual exige a demonstração do prejuízo, mesmo em se tratando de nulidade absoluta.

Desinteresse do INSS na conciliação não afasta multa por faltar à audiência

No julgamento do REsp 1.769.949, a Primeira Turma manteve a aplicação, contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), da multa prevista no artigo 334, parágrafo 8º, do CPC/2015, em caso no qual a parte autora da ação disse ter interesse na realização da audiência de conciliação, porém a autarquia – após manifestar seu desinteresse – não compareceu.

Nesse processo, depois de conceder tutela de urgência ao autor, o juízo marcou a audiência de conciliação entre ele o INSS. Ao ser intimada, a autarquia declarou seu desinteresse em participar da audiência, enquanto o autor expressou seu interesse. Devido ao não comparecimento do representante do INSS, o juízo aplicou a multa de 2% do valor da causa, prevista no CPC. A autarquia, então, recorreu ao STJ sustentando que a multa não poderia ter sido aplicada, uma vez que a sua ausência foi devidamente justificada.

O relator do recurso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho (aposentado), afirmou que a audiência de conciliação era optativa sob o CPC/1973, mas, com a reforma do código, o Estado passou a ter o dever de promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, a qual deve ser estimulada por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (artigo 139, inciso V, do CPC/2015).

Para o magistrado, apesar de o INSS ter manifestado seu desinteresse na conciliação, a parte autora se mostrou interessada, o que tornava obrigatória a realização da audiência, com a indispensável presença das partes.

"Assim, não comparecendo o INSS à audiência de conciliação, é inevitável a aplicação da multa prevista no artigo 334, parágrafo 8º do CPC/2015, que estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do estado. Qualquer interpretação passadista desse dispositivo será um retrocesso na evolução do direito pela via jurisdicional e um desserviço à Justiça", declarou.

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O caráter obrigatório da realização dessa audiência de conciliação é a grande mudança da nova lei processual civil, mas o INSS, contudo, intenta repristinar a regra que estabelecia ser optativa a audiência de conciliação (artigo 125, inciso IV, do CPC/1973), retirando o efeito programado e esperado pela legislação processual civil adveniente.


REsp 1.769.949

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Audiência antes da apreensão do bem em alienação fiduciária não é obrigatória

No procedimento especial da ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, regida pelo Decreto-Lei 911/1969, não incide a obrigatoriedade da prévia audiência de conciliação prevista no artigo 334 do CPC/2015, não resultando sua ausência em nulidade.

A Terceira Turma firmou esse entendimento ao negar provimento ao REsp 2.167.264. Na origem, uma administradora de consórcio ajuizou ação de busca e apreensão devido ao não pagamento de parcelas do financiamento de uma moto com garantia de alienação fiduciária. Na contestação, o devedor reconheceu a dívida e solicitou ao juiz o reconhecimento de uma renegociação, pedindo permissão para realizar depósitos. Após decisões favoráveis à administradora nas instâncias ordinárias, o devedor recorreu ao STJ, alegando violação do artigo 334 do CPC/2015.

De acordo com o recorrente, a audiência de conciliação deveria ter sido realizada, já que não houve manifestação expressa das partes dispensando-a. Ele disse ter demonstrado interesse em uma solução amigável, propondo um acordo na fase de contestação, e sustentou que a falta da audiência de conciliação configurou um erro processual que tornaria a sentença nula e exigiria a reforma do acórdão de segundo grau.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que a obrigatoriedade da audiência de conciliação prévia está prevista no artigo 334 do CPC/2015, podendo ser dispensada em duas situações: quando ambas as partes manifestam desinteresse de forma expressa ou quando a natureza do processo impede a autocomposição.

Segundo a ministra, o direito da parte interessada na realização da conciliação ou da mediação pode, inclusive, gerar nulidade do processo, caso não haja designação da audiência pelo juiz. Contudo, ela enfatizou que o réu deveria ter suscitado o vício na primeira oportunidade de manifestação no processo, o que não ocorreu. Além disso, Nancy Andrighi ponderou que, apesar de o CPC estabelecer, como regra geral, que o juiz deve incentivar a solução consensual dos conflitos, o artigo 334 é específico do procedimento comum, e não se aplica aos procedimentos especiais, salvo previsão legal.

Assim, a ministra concluiu que, em procedimentos especiais, como a ação de busca e apreensão, a realização da audiência de conciliação é facultativa e depende da discricionariedade do juiz. "Considerando que o DL 911/1969 regulamenta a fase inicial do processo de forma diversa dos artigos 334 e 335, I e II, do CPC, não há espaço para a aplicação subsidiária dos referidos dispositivos do procedimento comum", afirmou.

Presença de advogado com poderes para transigir afasta aplicação da multa

Em 2021, no julgamento do RMS 56.422, a Quarta Turma decidiu que não cabe a aplicação de multa pelo não comparecimento pessoal à audiência de conciliação, por ato atentatório à dignidade da Justiça, quando a parte estiver representada por advogado com poderes específicos para transigir.

Com essa decisão, o colegiado deu provimento ao recurso em mandado de segurança de uma empresa que foi multada em R$ 29 mil por ato atentatório à dignidade da Justiça, devido ao não comparecimento à audiência de conciliação. A empresa impetrou o mandado de segurança no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), sustentando que era seu direito se fazer representar por advogado na audiência de conciliação, conforme diz o CPC/2015. Contudo, o TJMS indeferiu a petição inicial do mandado de segurança por esgotamento do prazo para a impetração.

Após entender que o mandado de segurança era tempestivo, o relator do recurso no STJ, ministro Raul Araújo, observou que o parágrafo 10 do artigo 334 do CPC permite à parte ser representada mediante procuração com poderes específicos para negociar e transigir. "Desse modo, ficando demonstrado que os procuradores da ré, munidos de procuração com poderes para transigir, estiveram presentes na audiência, tem-se como manifestamente ilegal a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça", disse.

 
Fonte - STJ