Em evento inédito, STJ reúne representantes de três países para debater equidade racial no direito comparado
Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o I Simpósio Internacional pela Equidade Racial: Brasil, Estados Unidos e África do Sul
não representa apenas a oportunidade de debater, com diferentes países,
um dos temas mais importantes para a sociedade contemporânea. O momento
é especial também porque, pela primeira vez, o tribunal realiza um
evento internacional para discutir a questão racial em uma perspectiva
de direito comparado.
Ainda que tão distantes
geograficamente, as nações chamadas a participar do simpósio trazem em
sua história a mesma marca da luta racial. Nos Estados Unidos, essa luta
atravessa a escravidão e explode no movimento por direitos civis dos
anos 1950 e 1960 – inclusive em suas versões atuais, como o Black Lives Matter. Na África do Sul, o regime do Apartheid (1948-1994)
deixou sequelas que ainda se expressam em manifestações racistas numa
sociedade de ampla maioria negra. No Brasil, as cicatrizes não ficaram
apenas no corpo dos escravos açoitados – elas vivem na alma dos que
ainda hoje buscam igualdade efetiva de direitos e a superação definitiva
do preconceito.
Nos Estados Unidos, Martin Luther King; na
África do Sul, Nelson Mandela; no Brasil, Zumbi dos Palmares.
Semelhanças e diferenças entre os países no enfrentamento das questões
raciais estarão presentes nos dois dias de evento, marcado para 4 e 5 de
dezembro, no auditório externo do STJ.
Segundo um dos
participantes do simpósio, o juiz federal Erivaldo Ribeiro dos Santos,
secretário-geral do Conselho da Justiça Federal (CJF), ainda constrange o
mundo o regime de segregação que perdurou na África do Sul por quase
cinco décadas, e continuam a gerar debates as prisões seletivas nos EUA,
país em que os negros são quase cinco vezes mais encarcerados em
prisões estaduais do que os brancos.
"No Brasil, nos enchem de
vergonha o racismo ambiental, interseccional, obstétrico, algorítmico,
recreativo, entre outras formas de desprezo ao povo negro. Precisamos
falar disso, e o simpósio será um bom momento, um encontro necessário",
resume o juiz.
Simpósio ajuda a cumprir princípios previstos na Constituição
De
acordo com o juiz Joacy Dias Furtado – que atua na Presidência do STJ
–, o evento é relevante para reafirmar o compromisso do Brasil com um
dos objetivos fundamentais definidos na Constituição Federal: promover o
bem de todos, sem preconceitos de raça, cor e outras formas de
discriminação.
"O evento, aliado à I Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial,
traz enorme contribuição para maior reflexão e consequente tomada de
posição diferenciada quanto à necessidade de assegurar condições de
equidade racial na realidade brasileira, tudo cotejado com as
experiências que serão trazidas por representantes dos Estados Unidos e
da África do Sul", aponta o juiz.
Em sentido semelhante, a
desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Maria da
Purificação da Silva comenta que os países envolvidos no simpósio se
destacam internacionalmente nas pautas raciais. Como representante do
Poder Judiciário brasileiro, a magistrada também enxerga no evento uma
forma de se apresentar à sociedade para demonstrar a responsabilidade e a
preocupação das instituições com a implementação efetiva da equidade
racial.
"Precisamos promover ações, construir práticas contínuas,
incentivar e proporcionar a interação entre os integrantes da Justiça
em relação às questões raciais", enfatizou a desembargadora.
Jornada de equidade racial e pacto nacional do CNJ são destaques do evento
No mesmo dia da abertura do simpósio, será realizada a I Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial
– uma parceria entre o CJF e o STJ. Segundo o juiz Erivaldo Ribeiro dos
Santos, mais de 50 enunciados devem ser debatidos por magistrados e
estudiosos do tema.
"Esses enunciados virão marcados pela
diversidade temática, com abordagem em relação às relações de trabalho,
ao patrimônio imaterial das religiões de matriz africana, às diversas
formas de racismo, às cotas raciais, entre outros assuntos", aponta o
juiz.
Já na programação do simpósio, um dos temas de destaque é o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial,
esforço capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que os
órgãos judiciários de todo o país adotem iniciativas voltadas para o
combate às desigualdades raciais.
Segundo o juiz Joacy Furtado, o
simpósio contribuirá para dar efetividade ao pacto, ao discutir e
repercutir as ações afirmativas, compensatórias e reparatórias que podem
ser adotadas pelo Judiciário para eliminação do racismo estrutural.
"O
Pacto Nacional impacta o Sistema de Justiça brasileiro ao impor uma
mudança de paradigma, pois tem a finalidade evidente de fortalecer a
cultura da equidade racial no Poder Judiciário, operacionalizando
medidas eficazes que viabilizem condições de igualdade aos grupos
raciais excluídos historicamente", resume o magistrado.
Uma das ações previstas pelo pacto é o Prêmio de Equidade Racial,
que busca reconhecer as boas práticas promovidas pelos tribunais. A
desembargadora Maria da Purificação da Silva lembra que o TJBA foi um
dos vencedores da primeira edição do prêmio, o que, na sua opinião,
"demonstra a preocupação em estarmos engajados na política de equidade
racial e na disseminação do tema entre os nossos juízes e servidores".
Quando o acordo não vem: o STJ e os efeitos da audiência de conciliação frustrada
Com
a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o
Brasil adotou, de maneira definitiva, uma orientação voltada para a
busca de soluções consensuais. Entre as alternativas para que a solução
do conflito não tenha de ser imposta pelo Estado, estão a conciliação –
em que um conciliador atua de forma mais efetiva, fazendo sugestões para
o acordo – e a mediação – indicada para conflitos mais profundos e
relações mais duradouras, nos quais o papel do mediador é facilitar o
diálogo entre as partes.
O artigo 334 do CPC/2015
tornou a audiência de conciliação ou mediação obrigatória no início dos
processos, salvo nos casos que não admitirem a autocomposição ou se as
partes, expressamente, manifestarem desinteresse nessa hipótese.
Embora
a solução negociada seja incentivada pelo ordenamento jurídico, o
acordo muitas vezes nem é tentado, seja porque alguma das partes se
mostrou desinteressada, seja porque, tendo sido marcada a audiência, uma
delas não compareceu.
Em situações
assim, surgem discussões sobre os efeitos das audiências infrutíferas ou
não realizadas, assunto já examinado pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) em várias ocasiões. O tribunal, inclusive, abordará novamente essa
questão no Tema 1.271 dos recursos repetitivos,
para decidir se a falta da audiência prevista no artigo 334 do CPC,
quando apenas uma das partes manifesta desinteresse em sua realização,
pode resultar em nulidade do processo.
Decisão que nega designação da audiência está sujeita a impugnação imediata
Em 2020, no julgamento do RMS 63.202,
a Terceira Turma concluiu que a decisão interlocutória que indefere a
designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes é
suscetível de impugnação imediata pelo agravo de instrumento. Para o colegiado, seria ineficaz e inútil reconhecer, apenas no julgamento da apelação,
que as partes fariam jus à audiência de conciliação ou à sessão de
mediação previstas para acontecer no início do processo, na forma do
artigo 334 do CPC.
Ao receber a petição inicial – na qual a autora da ação requeria que fosse designada a audiência de conciliação –, o juízo de primeiro grau, com base no artigo 139, inciso VI, do CPC, optou por ajustar o rito processual às necessidades do caso, determinando a citação
do réu. Este, por sua vez, solicitou a realização da audiência em
caráter de urgência, argumentando que havia interesse de ambas as partes
em resolver a questão consensualmente.
Devido
às dificuldades de agenda e à complexidade do conflito, o juízo negou o
pedido de realização da audiência, mas deixou aberta a possibilidade de
marcá-la futuramente, o que levou o réu a impetrarmandado de segurança
alegando violação do devido processo legal. O Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (TJMG), no entanto, considerou que a impugnação do ato
judicial deveria ser feita em preliminar da apelação, e não em mandado de segurança, o qual não era cabível na hipótese de haver recurso próprio.
No
STJ, a ministra Nancy Andrighi – cujo voto prevaleceu no julgamento do
recurso – ponderou que a impugnação da decisão interlocutória apenas na apelação seria ineficaz, pois a questão precisaria ser solucionada de imediato.
Apesar dessa observação, a ministra negou provimento ao recurso, explicando que, embora o mandado de segurança
possa ser utilizado em casos excepcionais para impugnar decisões
judiciais, ele não é admissível contra decisões interlocutórias após 19
de dezembro de 2018, data em que foi publicado o acórdão do Tema Repetitivo 988. Nesse repetitivo, o STJ definiu que o rol de hipóteses expressas do CPC/2015 para cabimento do agravo de instrumento é de taxatividade mitigada, ou seja, não contempla todas as situações de urgência em que o recurso deve ser admitido.
Para a ministra, permitir o mandado de segurança em tal contexto contrariaria a tese firmada no repetitivo, que determina o agravo de instrumento como o meio recursal apropriado para esses casos.
O
STJ, ao julgar controvérsias que versam sobre impedimentos de juízes e
desembargadores, tem adotado postura tendente a primar pela aplicação do
princípio da instrumentalidade das formas, bem como pela necessidade de
demonstração do prejuízo advindo da participação de magistrados
parentes no julgamento do mesmo processo.
RMS 63.202
Ministra Nancy Andrighi
Não cabe agravo de instrumento contra multa por falta à audiência
Conforme o processo, a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil recorreu ao STJ após o TJMG não conhecer do seu agravo de instrumento contra a multa que lhe foi imposta por ter faltado à audiência de conciliação.
A entidade previdenciária sustentou que a decisão do tribunal mineiro violou o inciso II do artigo 1.015 do CPC/2015, o qual prevê o cabimento de agravo de instrumento contra decisão que versa sobre o mérito do processo.
O
relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido),
esclareceu que a reforma trazida pelo CPC de 2015 em relação ao agravo de instrumento visou aumentar a fluidez e a celeridade dos processos. Segundo o magistrado, ao mencionar o "mérito"
no inciso II do artigo 1.015, o legislador se referiu às questões de
fundo, diretamente relacionadas ao pedido das partes, que normalmente
seriam analisadas na sentença,
mas que, em alguns casos, são resolvidas de forma antecipada por
decisões interlocutórias, caracterizando as chamadas sentenças parciais
ou julgamentos antecipados parciais de mérito.
Dessa forma – concluiu o ministro –, a decisão que impõe a multa do artigo 334, parágrafo 8º, do CPC
não se enquadra no inciso II do artigo 1.015. Ele explicou que, se
fosse esse o entendimento, a intenção do legislador de garantir a
celeridade processual seria comprometida, pois a questão, em vez de ser
resolvida rapidamente, seria automaticamente devolvida para revisão em apelação, o que contrariaria o objetivo de agilidade do novo regime processual.
Nulidade por ausência da audiência de conciliação exige demonstração de prejuízo
Enquanto não julga o Tema 1.271,
o STJ segue com entendimento não unificado sobre a possibilidade de
anulação do processo nos casos em que apenas uma das partes expressa seu
desinteresse e o juízo não marca a audiência de conciliação.
No AREsp 1.968.508,
de relatoria do ministro Raul Araújo, a Quarta Tuma definiu que a falta
de realização da audiência de conciliação não é causa de nulidade do
processo quando a parte não demonstra o prejuízo.
Ao
ingressar com uma ação de despejo e cobrança, a autora indicou seu
desinteresse pela conciliação ou mediação. Após a ação ser julgada
procedente, a locatária apelou, alegando, entre outros pontos, nulidade
da sentença
pela ausência da audiência de conciliação. Contudo, o Tribunal de
Justiça de Pernambuco (TJPE) confirmou a decisão inicial, por julgar que
a falta da audiência não invalidava o processo, especialmente quando a
parte autora expressou a impossibilidade de acordo e a parte contrária
não comprovou ter sofrido prejuízo.
O
ministro Raul Araújo afirmou que o posicionamento do TJPE estava de
acordo com a jurisprudência do STJ, no sentido de que o reconhecimento
de vício que implique a anulação de ato processual exige a demonstração
do prejuízo, mesmo em se tratando de nulidade absoluta.
Desinteresse do INSS na conciliação não afasta multa por faltar à audiência
No julgamento do REsp 1.769.949,
a Primeira Turma manteve a aplicação, contra o Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), da multa prevista no artigo 334, parágrafo 8º, do
CPC/2015, em caso no qual a parte autora da ação disse ter interesse na
realização da audiência de conciliação, porém a autarquia – após
manifestar seu desinteresse – não compareceu.
Nesse
processo, depois de conceder tutela de urgência ao autor, o juízo
marcou a audiência de conciliação entre ele o INSS. Ao ser intimada, a
autarquia declarou seu desinteresse em participar da audiência, enquanto
o autor expressou seu interesse. Devido ao não comparecimento do
representante do INSS, o juízo aplicou a multa de 2% do valor da causa,
prevista no CPC. A autarquia, então, recorreu ao STJ sustentando que a
multa não poderia ter sido aplicada, uma vez que a sua ausência foi
devidamente justificada.
O relator do
recurso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho (aposentado), afirmou que a
audiência de conciliação era optativa sob o CPC/1973, mas, com a reforma
do código, o Estado passou a ter o dever de promover, sempre que
possível, a solução consensual dos conflitos, a qual deve ser estimulada
por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial (artigo 139, inciso V,
do CPC/2015).
Para o magistrado,
apesar de o INSS ter manifestado seu desinteresse na conciliação, a
parte autora se mostrou interessada, o que tornava obrigatória a
realização da audiência, com a indispensável presença das partes.
"Assim,
não comparecendo o INSS à audiência de conciliação, é inevitável a
aplicação da multa prevista no artigo 334, parágrafo 8º do CPC/2015, que
estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à
audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da
Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica
pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do
estado. Qualquer interpretação passadista desse dispositivo será um
retrocesso na evolução do direito pela via jurisdicional e um desserviço
à Justiça", declarou.
O
caráter obrigatório da realização dessa audiência de conciliação é a
grande mudança da nova lei processual civil, mas o INSS, contudo,
intenta repristinar a regra que estabelecia ser optativa a audiência de
conciliação (artigo 125, inciso IV, do CPC/1973), retirando o efeito
programado e esperado pela legislação processual civil adveniente.
REsp 1.769.949
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Audiência antes da apreensão do bem em alienação fiduciária não é obrigatória
No
procedimento especial da ação de busca e apreensão de bem alienado
fiduciariamente, regida pelo Decreto-Lei 911/1969, não incide a
obrigatoriedade da prévia audiência de conciliação prevista no artigo
334 do CPC/2015, não resultando sua ausência em nulidade.
A Terceira Turma firmou esse entendimento ao negar provimento ao REsp 2.167.264.
Na origem, uma administradora de consórcio ajuizou ação de busca e
apreensão devido ao não pagamento de parcelas do financiamento de uma
moto com garantia de alienação fiduciária.
Na contestação, o devedor reconheceu a dívida e solicitou ao juiz o
reconhecimento de uma renegociação, pedindo permissão para realizar
depósitos. Após decisões favoráveis à administradora nas instâncias
ordinárias, o devedor recorreu ao STJ, alegando violação do artigo 334
do CPC/2015.
De
acordo com o recorrente, a audiência de conciliação deveria ter sido
realizada, já que não houve manifestação expressa das partes
dispensando-a. Ele disse ter demonstrado interesse em uma solução
amigável, propondo um acordo na fase de contestação, e sustentou que a
falta da audiência de conciliação configurou um erro processual que
tornaria a sentença nula e exigiria a reforma do acórdão de segundo grau.
A
relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que a
obrigatoriedade da audiência de conciliação prévia está prevista no
artigo 334 do CPC/2015, podendo ser dispensada em duas situações: quando
ambas as partes manifestam desinteresse de forma expressa ou quando a
natureza do processo impede a autocomposição.
Segundo
a ministra, o direito da parte interessada na realização da conciliação
ou da mediação pode, inclusive, gerar nulidade do processo, caso não
haja designação da audiência pelo juiz. Contudo, ela enfatizou que o réu
deveria ter suscitado o vício na primeira oportunidade de manifestação
no processo, o que não ocorreu. Além disso, Nancy Andrighi ponderou que,
apesar de o CPC estabelecer, como regra geral, que o juiz deve
incentivar a solução consensual dos conflitos, o artigo 334 é específico
do procedimento comum, e não se aplica aos procedimentos especiais,
salvo previsão legal.
Assim, a
ministra concluiu que, em procedimentos especiais, como a ação de busca e
apreensão, a realização da audiência de conciliação é facultativa e
depende da discricionariedade do juiz. "Considerando que o DL 911/1969 regulamenta a fase inicial do processo de forma diversa dos artigos 334 e 335, I e II, do CPC, não há espaço para a aplicação subsidiária dos referidos dispositivos do procedimento comum", afirmou.
Presença de advogado com poderes para transigir afasta aplicação da multa
Com essa decisão, o colegiado deu provimento ao recurso em mandado de segurança
de uma empresa que foi multada em R$ 29 mil por ato atentatório à
dignidade da Justiça, devido ao não comparecimento à audiência de
conciliação. A empresa impetrou o mandado de segurança
no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), sustentando que
era seu direito se fazer representar por advogado na audiência de
conciliação, conforme diz o CPC/2015. Contudo, o TJMS indeferiu a petição inicial do mandado de segurança por esgotamento do prazo para a impetração.
Após entender que o mandado de segurança era tempestivo, o relator do recurso no STJ, ministro Raul Araújo, observou que o parágrafo 10 do artigo 334 do CPC
permite à parte ser representada mediante procuração com poderes
específicos para negociar e transigir. "Desse modo, ficando demonstrado
que os procuradores da ré, munidos de procuração com poderes para
transigir, estiveram presentes na audiência, tem-se como manifestamente
ilegal a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça",
disse.
Falta de credenciamento da entidade certificadora na ICP-Brasil, por si só, não invalida assinatura eletrônica
Resumo em texto simplificado
A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade,
entendeu que a presunção de veracidade de uma assinatura eletrônica,
certificada por pessoa jurídica de direito privado, não pode ser
afastada pelo simples fato de a entidade não estar credenciada na
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
O recurso especial
julgado pelo colegiado decorre de ação de busca e apreensão de veículo
alienado fiduciariamente como garantia de um empréstimo formalizado em
Cédula de Crédito Bancário, assinada digitalmente por meio da plataforma
Clicksign e endossada por uma entidade que atua como correspondente
bancária e sociedade de crédito direto.
O Tribunal de Justiça do
Paraná (TJPR) manteve a decisão de primeiro grau que extinguiu o
processo, destacando que as assinaturas digitais, feitas por uma
entidade não credenciada na ICP-Brasil, não eram suficientes para
garantir a autenticidade dos documentos.
No recurso ao STJ, a credora defendeu a validade da assinatura digital do contrato, autenticada por meio de token, conforme acordado entre as partes. Argumentou que a autenticidade pode ser conferida no site
da plataforma Clicksign e que o uso de assinatura certificada pela
ICP-Brasil é opcional. Por fim, destacou o princípio da liberdade das
formas e a validade dos contratos eletrônicos, classificando a
assinatura como eletrônica avançada, capaz de garantir a integridade e a
veracidade do documento.
Assinatura digital avançada tem a mesma validade da assinatura física
A
relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que o sistema de
certificação pela ICP-Brasil, embora amplamente utilizado, não exclui
outros métodos de validação jurídica para documentos e assinaturas
eletrônicas. Segundo ela, o parágrafo 2º do artigo 10 da MP 2200/2001 prevê expressamente isso.
A ministra ressaltou que a Lei 14.063/2020
criou níveis diferentes de força probatória das assinaturas
eletrônicas, conforme o método de autenticação utilizado, e, ao mesmo
tempo, conferiu validade jurídica a qualquer tipo de assinatura
eletrônica, levando em consideração a autonomia privada e a liberdade
das formas de declaração de vontade entre os particulares.
Para
Nancy Andrighi, a assinatura eletrônica avançada tem presunção de
veracidade menor quando comparada à assinatura eletrônica qualificada,
que utiliza certificação ICP-Brasil. "Ainda assim, ela possui uma carga
razoável de força probatória e – mais importante – validade jurídica
idêntica, conforme endossado pelo próprio Instituto Nacional de
Tecnologia da Informação (ITI), para o qual o documento com a assinatura
digital avançada tem a mesma validade de um documento com assinatura
física, apenas dependendo da aceitação do emitente e do destinatário",
completou.
Partes concordaram em usar assinatura eletrônica por meio de plataforma digital
A
relatora apontou que, no caso em julgamento, as partes acordaram
expressamente em utilizar o método de "assinatura eletrônica da CCB
através de plataforma indicada pela credora", ou seja, há presunção de
acordo de vontades quanto à utilização do método de assinatura
eletrônica por meio da plataforma Clicksign. Além disso, ela enfatizou
que o processo reúne vários elementos de verificação que confirmam a
veracidade das assinaturas.
De acordo com Nancy Andrighi, negar
validade a um título de crédito apenas pelo fato de a autenticação da
assinatura e da integridade documental ter sido feita por uma entidade
não credenciada no sistema ICP-Brasil seria o mesmo que negar validade a
um cheque cuja assinatura não foi reconhecida em cartório,
"evidenciando um excessivo formalismo diante da nova realidade do mundo
virtual".
Terceira Turma afasta custas processuais em embargos de terceiro que perderam objeto sem ter havido citação
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a cobrança de custas processuais em embargos de terceiro
que foram extintos por perda de objeto após a parte embargada (autora
na ação principal) desistir da penhora de um imóvel. De acordo com o
colegiado, a exigência do pagamento seria inadequada, uma vez que o
embargado nem sequer foi citado nos autos, e o embargante, por outro
lado, teve seu patrimônio restringido de forma indevida.
Na origem do caso, a desistência da penhora na ação principal levou o juízo de primeiro grau a extinguir os embargos de terceiro, impondo ao embargante a obrigação de arcar com as custas processuais, sem arbitramento de honorários advocatícios.
Ele apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), mas a sentença foi mantida sob o fundamento de que a desistência se deu antes da citação nos embargos de terceiro,
o que indicaria falta de resistência à pretensão do embargante. Com
base no princípio da causalidade, a corte estadual avaliou que esse fato
afastaria a possível atribuição de encargos sucumbenciais ao embargado.
Ao STJ, o embargante alegou, entre outros pontos, que o autor da
ação principal deveria arcar com os ônus sucumbenciais dos embargos,
pois foi a penhora injusta que motivou a sua oposição.
Falta de citação em embargos de terceiro impacta análise da sucumbência
A ministra Nancy Andrighi, relatora na Terceira Turma, explicou que, se os pedidos feitos nos embargos de terceiro forem julgados improcedentes, o embargante responderá pelos ônus sucumbenciais, em virtude do princípio da sucumbência
(quem perdeu paga). Caso contrário, continuou, o julgador precisará
analisar o contexto sob a ótica do princípio da causalidade (quem deu
causa ao processo é que paga).
Segundo a ministra, esse mesmo princípio deve ser observado na hipótese de perda do objeto dos embargos de terceiro
em razão de desistência da penhora nos autos principais. Nesse caso, a
ministra afirmou que a parte que deu causa ao processo deve arcar com os
ônus sucumbenciais.
No entanto, Nancy Andrighi alertou que a
situação em análise é peculiar, pois a parte embargada não chegou a ser
citada nos autos dos embargos de terceiro.
"Não se revela razoável imputar à embargada o dever de arcar com os
ônus sucumbenciais de processo do qual nem sequer era parte. Por outro
lado, tampouco revela-se razoável imputar a referida obrigação à parte
embargante, vítima de aprisionamento material indevido de seu
patrimônio, se por um comportamento seu não deu causa à constrição",
destacou.
A relatora observou ainda que esse entendimento foi
adotado em julgados do STJ regidos pelo Código de Processo Civil (CPC)
de 1973, porém segue válido sob o CPC/2015.
"Nesse contexto, merece reforma o acórdão recorrido, pois, na hipótese de desistência da penhora anterior à citação da parte embargada, o processo deve ser extinto sem resolução de mérito
em virtude da perda superveniente do objeto, mas sem qualquer
condenação em ônus sucumbenciais", concluiu a ministra ao dar parcial provimento ao recurso especial.
Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:
1º termo - Embargos de terceiro:Ação
ajuizada por alguém que não é o devedor, não faz parte do processo, mas
teve o seu patrimônio afetado por alguma constrição judicial, como a
penhora. O objetivo é liberar o bem.
2º termo - Sentença:Decisão do juízo de primeiro grau que encerra o processo nessa instância.
3º termo - Citação:Ato de convocar o réu, interessado ou executado a integrar a relação processual.
4º termo - Sucumbência:Atribui
à parte vencida o pagamento de todos os gastos decorrentes da atividade
processual, inclusive honorários ao advogado da parte vencedora.
5º termo - Acórdão:Acórdão é a decisão do órgão colegiado de um tribunal. No caso do STJ, pode ser das turmas, seções ou da Corte Especial.
6º termo - Mérito:A questão principal (ou o conjunto das questões principais) do processo, na qual se baseia o pedido do autor.
7º termo - Provimento:Ato
de prover. Dar provimento a recurso significa acolher o pedido para
reformar ou anular decisão judicial anterior. No direito administrativo,
é o ato de preencher vaga no serviço público.
8º termo - Recurso Especial:O
recurso especial (sigla REsp) é dirigido ao STJ para contestar possível
má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. Assim, o
REsp serve para que o STJ uniformize a interpretação da legislação
federal em todo o país.
Em evento inédito, STJ reúne representantes de três países para debater equidade racial no direito comparado
Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o I Simpósio Internacional pela Equidade Racial: Brasil, Estados Unidos e África do Sul
não representa apenas a oportunidade de debater, com diferentes países,
um dos temas mais importantes para a sociedade contemporânea. O momento
é especial também porque, pela primeira vez, o tribunal realiza um
evento internacional para discutir a questão racial em uma perspectiva
de direito comparado.
Ainda que tão distantes
geograficamente, as nações chamadas a participar do simpósio trazem em
sua história a mesma marca da luta racial. Nos Estados Unidos, essa luta
atravessa a escravidão e explode no movimento por direitos civis dos
anos 1950 e 1960 – inclusive em suas versões atuais, como o Black Lives Matter. Na África do Sul, o regime do Apartheid (1948-1994)
deixou sequelas que ainda se expressam em manifestações racistas numa
sociedade de ampla maioria negra. No Brasil, as cicatrizes não ficaram
apenas no corpo dos escravos açoitados – elas vivem na alma dos que
ainda hoje buscam igualdade efetiva de direitos e a superação definitiva
do preconceito.
Nos Estados Unidos, Martin Luther King; na
África do Sul, Nelson Mandela; no Brasil, Zumbi dos Palmares.
Semelhanças e diferenças entre os países no enfrentamento das questões
raciais estarão presentes nos dois dias de evento, marcado para 4 e 5 de
dezembro, no auditório externo do STJ.
Segundo um dos
participantes do simpósio, o juiz federal Erivaldo Ribeiro dos Santos,
secretário-geral do Conselho da Justiça Federal (CJF), ainda constrange o
mundo o regime de segregação que perdurou na África do Sul por quase
cinco décadas, e continuam a gerar debates as prisões seletivas nos EUA,
país em que os negros são quase cinco vezes mais encarcerados em
prisões estaduais do que os brancos.
"No Brasil, nos enchem de
vergonha o racismo ambiental, interseccional, obstétrico, algorítmico,
recreativo, entre outras formas de desprezo ao povo negro. Precisamos
falar disso, e o simpósio será um bom momento, um encontro necessário",
resume o juiz.
Simpósio ajuda a cumprir princípios previstos na Constituição
De
acordo o juiz Joacy Dias Furtado – que atua na Presidência do STJ –, o
evento é relevante para reafirmar o compromisso do Brasil com um dos
objetivos fundamentais definidos na Constituição Federal: promover o bem
de todos, sem preconceitos de raça, cor e outras formas de
discriminação.
"O evento, aliado à I Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial,
traz enorme contribuição para maior reflexão e consequente tomada de
posição diferenciada quanto à necessidade de assegurar condições de
equidade racial na realidade brasileira, tudo cotejado com as
experiências que serão trazidas por representantes dos Estados Unidos e
da África do Sul", aponta o juiz.
Em sentido semelhante, a
desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Maria da
Purificação da Silva comenta que os países envolvidos no simpósio se
destacam internacionalmente nas pautas raciais. Como representante do
Poder Judiciário brasileiro, a magistrada também enxerga no evento uma
forma de se apresentar à sociedade para demonstrar a responsabilidade e a
preocupação das instituições com a implementação efetiva da equidade
racial.
"Precisamos promover ações, construir práticas contínuas,
incentivar e proporcionar a interação entre os integrantes da Justiça
em relação às questões raciais", enfatizou a desembargadora.
Jornada de equidade racial e pacto nacional do CNJ são destaques do evento
No mesmo dia da abertura do simpósio, será realizada a I Jornada da Justiça Federal pela Equidade Racial
– uma parceria entre o CJF e o STJ. Segundo o juiz Erivaldo Ribeiro dos
Santos, mais de 50 enunciados devem ser debatidos por magistrados e
estudiosos do tema.
"Esses enunciados virão marcados pela
diversidade temática, com abordagem em relação às relações de trabalho,
ao patrimônio imaterial das religiões de matriz africana, às diversas
formas de racismo, às cotas raciais, entre outros assuntos", aponta o
juiz.
Já na programação do simpósio, um dos temas de destaque é o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial,
esforço capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que os
órgãos judiciários de todo o país adotem iniciativas voltadas para o
combate às desigualdades raciais.
Segundo o juiz Joacy Furtado, o
simpósio contribuirá para dar efetividade ao pacto, ao discutir e
repercutir as ações afirmativas, compensatórias e reparatórias que podem
ser adotadas pelo Judiciário para eliminação do racismo estrutural.
"O
Pacto Nacional impacta o Sistema de Justiça brasileira ao impor uma
mudança de paradigma, pois tem a finalidade evidente de fortalecer a
cultura da equidade racial no Poder Judiciário, operacionalizando
medidas eficazes que viabilizem condições de igualdade aos grupos
raciais excluídos historicamente", resume o magistrado.
Uma das ações previstas pelo pacto é o Prêmio de Equidade Racial,
que busca reconhecer as boas práticas promovidas pelos tribunais. A
desembargadora Maria da Purificação da Silva lembra que o TJBA foi um
dos vencedores da primeira edição do prêmio, o que, na sua opinião,
"demonstra a preocupação em estarmos engajados na política de equidade
racial e na disseminação do tema entre os nossos juízes e servidores".
Quando o acordo não vem: o STJ e os efeitos da audiência de conciliação frustrada
Com
a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o
Brasil adotou, de maneira definitiva, uma orientação voltada para a
busca de soluções consensuais. Entre as alternativas para que a solução
do conflito não tenha de ser imposta pelo Estado, estão a conciliação –
em que um conciliador atua de forma mais efetiva, fazendo sugestões para
o acordo – e a mediação – indicada para conflitos mais profundos e
relações mais duradouras, nos quais o papel do mediador é facilitar o
diálogo entre as partes.
O artigo 334 do CPC/2015
tornou a audiência de conciliação ou mediação obrigatória no início dos
processos, salvo nos casos que não admitirem a autocomposição ou se as
partes, expressamente, manifestarem desinteresse nessa hipótese.
Embora
a solução negociada seja incentivada pelo ordenamento jurídico, o
acordo muitas vezes nem é tentado, seja porque alguma das partes se
mostrou desinteressada, seja porque, tendo sido marcada a audiência, uma
delas não compareceu.
Em situações
assim, surgem discussões sobre os efeitos das audiências infrutíferas ou
não realizadas, assunto já examinado pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) em várias ocasiões. O tribunal, inclusive, abordará novamente essa
questão no Tema 1.271 dos recursos repetitivos,
para decidir se a falta da audiência prevista no artigo 334 do CPC,
quando apenas uma das partes manifesta desinteresse em sua realização,
pode resultar em nulidade do processo.
Decisão que nega designação da audiência está sujeita a impugnação imediata
Em 2020, no julgamento do RMS 63.202,
a Terceira Turma concluiu que a decisão interlocutória que indefere a
designação da audiência de conciliação pretendida pelas partes é
suscetível de impugnação imediata pelo agravo de instrumento. Para o colegiado, seria ineficaz e inútil reconhecer, apenas no julgamento da apelação,
que as partes fariam jus à audiência de conciliação ou à sessão de
mediação previstas para acontecer no início do processo, na forma do
artigo 334 do CPC.
Ao receber a petição inicial – na qual a autora da ação requeria que fosse designada a audiência de conciliação –, o juízo de primeiro grau, com base no artigo 139, inciso VI, do CPC, optou por ajustar o rito processual às necessidades do caso, determinando a citação
do réu. Este, por sua vez, solicitou a realização da audiência em
caráter de urgência, argumentando que havia interesse de ambas as partes
em resolver a questão consensualmente.
Devido
às dificuldades de agenda e à complexidade do conflito, o juízo negou o
pedido de realização da audiência, mas deixou aberta a possibilidade de
marcá-la futuramente, o que levou o réu a impetrarmandado de segurança
alegando violação do devido processo legal. O Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (TJMG), no entanto, considerou que a impugnação do ato
judicial deveria ser feita em preliminar da apelação, e não em mandado de segurança, o qual não era cabível na hipótese de haver recurso próprio.
No
STJ, a ministra Nancy Andrighi – cujo voto prevaleceu no julgamento do
recurso – ponderou que a impugnação da decisão interlocutória apenas na apelação seria ineficaz, pois a questão precisaria ser solucionada de imediato.
Apesar dessa observação, a ministra negou provimento ao recurso, explicando que, embora o mandado de segurança
possa ser utilizado em casos excepcionais para impugnar decisões
judiciais, ele não é admissível contra decisões interlocutórias após 19
de dezembro de 2018, data em que foi publicado o acórdão do Tema Repetitivo 988. Nesse repetitivo, o STJ definiu que o rol de hipóteses expressas do CPC/2015 para cabimento do agravo de instrumento é de taxatividade mitigada, ou seja, não contempla todas as situações de urgência em que o recurso deve ser admitido.
Para a ministra, permitir o mandado de segurança em tal contexto contrariaria a tese firmada no repetitivo, que determina o agravo de instrumento como o meio recursal apropriado para esses casos.
O
STJ, ao julgar controvérsias que versam sobre impedimentos de juízes e
desembargadores, tem adotado postura tendente a primar pela aplicação do
princípio da instrumentalidade das formas, bem como pela necessidade de
demonstração do prejuízo advindo da participação de magistrados
parentes no julgamento do mesmo processo.
RMS 63.202
Ministra Nancy Andrighi
Não cabe agravo de instrumento contra multa por falta à audiência
Conforme o processo, a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil recorreu ao STJ após o TJMG não conhecer do seu agravo de instrumento contra a multa que lhe foi imposta por ter faltado à audiência de conciliação.
A entidade previdenciária sustentou que a decisão do tribunal mineiro violou o inciso II do artigo 1.015 do CPC/2015, o qual prevê o cabimento de agravo de instrumento contra decisão que versa sobre o mérito do processo.
O
relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido),
esclareceu que a reforma trazida pelo CPC de 2015 em relação ao agravo de instrumento visou aumentar a fluidez e a celeridade dos processos. Segundo o magistrado, ao mencionar o "mérito"
no inciso II do artigo 1.015, o legislador se referiu às questões de
fundo, diretamente relacionadas ao pedido das partes, que normalmente
seriam analisadas na sentença,
mas que, em alguns casos, são resolvidas de forma antecipada por
decisões interlocutórias, caracterizando as chamadas sentenças parciais
ou julgamentos antecipados parciais de mérito.
Dessa forma – concluiu o ministro –, a decisão que impõe a multa do artigo 334, parágrafo 8º, do CPC
não se enquadra no inciso II do artigo 1.015. Ele explicou que, se
fosse esse o entendimento, a intenção do legislador de garantir a
celeridade processual seria comprometida, pois a questão, em vez de ser
resolvida rapidamente, seria automaticamente devolvida para revisão em apelação, o que contrariaria o objetivo de agilidade do novo regime processual.
Nulidade por ausência da audiência de conciliação exige demonstração de prejuízo
Enquanto não julga o Tema 1.271,
o STJ segue com entendimento não unificado sobre a possibilidade de
anulação do processo nos casos em que apenas uma das partes expressa seu
desinteresse e o juízo não marca a audiência de conciliação.
No AREsp 1.968.508,
de relatoria do ministro Raul Araújo, a Quarta Tuma definiu que a falta
de realização da audiência de conciliação não é causa de nulidade do
processo quando a parte não demonstra o prejuízo.
Ao
ingressar com uma ação de despejo e cobrança, a autora indicou seu
desinteresse pela conciliação ou mediação. Após a ação ser julgada
procedente, a locatária apelou, alegando, entre outros pontos, nulidade
da sentença
pela ausência da audiência de conciliação. Contudo, o Tribunal de
Justiça de Pernambuco (TJPE) confirmou a decisão inicial, por julgar que
a falta da audiência não invalidava o processo, especialmente quando a
parte autora expressou a impossibilidade de acordo e a parte contrária
não comprovou ter sofrido prejuízo.
O
ministro Raul Araújo afirmou que o posicionamento do TJPE estava de
acordo com a jurisprudência do STJ, no sentido de que o reconhecimento
de vício que implique a anulação de ato processual exige a demonstração
do prejuízo, mesmo em se tratando de nulidade absoluta.
Desinteresse do INSS na conciliação não afasta multa por faltar à audiência
No julgamento do REsp 1.769.949,
a Primeira Turma manteve a aplicação, contra o Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), da multa prevista no artigo 334, parágrafo 8º, do
CPC/2015, em caso no qual a parte autora da ação disse ter interesse na
realização da audiência de conciliação, porém a autarquia – após
manifestar seu desinteresse – não compareceu.
Nesse
processo, depois de conceder tutela de urgência ao autor, o juízo
marcou a audiência de conciliação entre ele o INSS. Ao ser intimada, a
autarquia declarou seu desinteresse em participar da audiência, enquanto
o autor expressou seu interesse. Devido ao não comparecimento do
representante do INSS, o juízo aplicou a multa de 2% do valor da causa,
prevista no CPC. A autarquia, então, recorreu ao STJ sustentando que a
multa não poderia ter sido aplicada, uma vez que a sua ausência foi
devidamente justificada.
O relator do
recurso, ministro Napoleão Nunes Maia Filho (aposentado), afirmou que a
audiência de conciliação era optativa sob o CPC/1973, mas, com a reforma
do código, o Estado passou a ter o dever de promover, sempre que
possível, a solução consensual dos conflitos, a qual deve ser estimulada
por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial (artigo 139, inciso V,
do CPC/2015).
Para o magistrado,
apesar de o INSS ter manifestado seu desinteresse na conciliação, a
parte autora se mostrou interessada, o que tornava obrigatória a
realização da audiência, com a indispensável presença das partes.
"Assim,
não comparecendo o INSS à audiência de conciliação, é inevitável a
aplicação da multa prevista no artigo 334, parágrafo 8º do CPC/2015, que
estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à
audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da
Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica
pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do
estado. Qualquer interpretação passadista desse dispositivo será um
retrocesso na evolução do direito pela via jurisdicional e um desserviço
à Justiça", declarou.
O
caráter obrigatório da realização dessa audiência de conciliação é a
grande mudança da nova lei processual civil, mas o INSS, contudo,
intenta repristinar a regra que estabelecia ser optativa a audiência de
conciliação (artigo 125, inciso IV, do CPC/1973), retirando o efeito
programado e esperado pela legislação processual civil adveniente.
REsp 1.769.949
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Audiência antes da apreensão do bem em alienação fiduciária não é obrigatória
No
procedimento especial da ação de busca e apreensão de bem alienado
fiduciariamente, regida pelo Decreto-Lei 911/1969, não incide a
obrigatoriedade da prévia audiência de conciliação prevista no artigo
334 do CPC/2015, não resultando sua ausência em nulidade.
A Terceira Turma firmou esse entendimento ao negar provimento ao REsp 2.167.264.
Na origem, uma administradora de consórcio ajuizou ação de busca e
apreensão devido ao não pagamento de parcelas do financiamento de uma
moto com garantia de alienação fiduciária.
Na contestação, o devedor reconheceu a dívida e solicitou ao juiz o
reconhecimento de uma renegociação, pedindo permissão para realizar
depósitos. Após decisões favoráveis à administradora nas instâncias
ordinárias, o devedor recorreu ao STJ, alegando violação do artigo 334
do CPC/2015.
De
acordo com o recorrente, a audiência de conciliação deveria ter sido
realizada, já que não houve manifestação expressa das partes
dispensando-a. Ele disse ter demonstrado interesse em uma solução
amigável, propondo um acordo na fase de contestação, e sustentou que a
falta da audiência de conciliação configurou um erro processual que
tornaria a sentença nula e exigiria a reforma do acórdão de segundo grau.
A
relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, observou que a
obrigatoriedade da audiência de conciliação prévia está prevista no
artigo 334 do CPC/2015, podendo ser dispensada em duas situações: quando
ambas as partes manifestam desinteresse de forma expressa ou quando a
natureza do processo impede a autocomposição.
Segundo
a ministra, o direito da parte interessada na realização da conciliação
ou da mediação pode, inclusive, gerar nulidade do processo, caso não
haja designação da audiência pelo juiz. Contudo, ela enfatizou que o réu
deveria ter suscitado o vício na primeira oportunidade de manifestação
no processo, o que não ocorreu. Além disso, Nancy Andrighi ponderou que,
apesar de o CPC estabelecer, como regra geral, que o juiz deve
incentivar a solução consensual dos conflitos, o artigo 334 é específico
do procedimento comum, e não se aplica aos procedimentos especiais,
salvo previsão legal.
Assim, a
ministra concluiu que, em procedimentos especiais, como a ação de busca e
apreensão, a realização da audiência de conciliação é facultativa e
depende da discricionariedade do juiz. "Considerando que o DL 911/1969 regulamenta a fase inicial do processo de forma diversa dos artigos 334 e 335, I e II, do CPC, não há espaço para a aplicação subsidiária dos referidos dispositivos do procedimento comum", afirmou.
Presença de advogado com poderes para transigir afasta aplicação da multa
Com essa decisão, o colegiado deu provimento ao recurso em mandado de segurança
de uma empresa que foi multada em R$ 29 mil por ato atentatório à
dignidade da Justiça, devido ao não comparecimento à audiência de
conciliação. A empresa impetrou o mandado de segurança
no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), sustentando que
era seu direito se fazer representar por advogado na audiência de
conciliação, conforme diz o CPC/2015. Contudo, o TJMS indeferiu a petição inicial do mandado de segurança por esgotamento do prazo para a impetração.
Após entender que o mandado de segurança era tempestivo, o relator do recurso no STJ, ministro Raul Araújo, observou que o parágrafo 10 do artigo 334 do CPC
permite à parte ser representada mediante procuração com poderes
específicos para negociar e transigir. "Desse modo, ficando demonstrado
que os procuradores da ré, munidos de procuração com poderes para
transigir, estiveram presentes na audiência, tem-se como manifestamente
ilegal a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da Justiça",
disse.