Homem apontado como líder de facção criminosa no Norte permanecerá em presídio federal
O
ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo Soares da
Fonseca negou seguimento a pedido de retorno a presídio estadual do
Amazonas apresentado por homem acusado de ser um dos líderes da
organização criminosa Família do Norte (ou Cartel do Norte). Ele está
atualmente na penitenciária federal de Campo Grande e cumpre pena de
mais de 112 anos de reclusão por crimes de tráfico de drogas e organização criminosa.
De
acordo com os autos, a organização Família do Norte se transformou em
Cartel do Norte depois de perder o domínio do tráfico de drogas no
Amazonas, tendo se aproximado de integrantes do Primeiro Comando da
Capital (PCC) para expansão das atividades criminosas.
Após
passagem pelo sistema prisional estadual, o homem foi transferido para o
sistema federal em 2016, no contexto da Operação La Muralla. Desde
então, sua permanência vem sendo sucessivamente renovada – a última
prorrogação ocorreu por decisão da Vara de Execuções Penais de Manaus.
Para a defesa, permanência no sistema federal violaria dignidade da pessoa humana
Ao
STJ, a defesa sustentou que não há registros de incidentes
disciplinares relevantes contra o preso, e que a manutenção no sistema
federal estaria sendo utilizada como forma de segregação indefinida,
violando princípios como a legalidade, a proporcionalidade e a dignidade
da pessoa humana.
Ainda segundo a defesa, a renovação da
permanência no sistema federal – determinada pela Justiça do Amazonas –
seria nula, pois teria sido realizada sem a oitiva prévia da defesa
técnica. Além disso, argumentou que a decisão se baseou em fundamentos
genéricos e desatualizados, sem demonstração concreta e atual de
periculosidade do preso.
Preso é considerado de alta periculosidade e possui extensa ficha criminal
Reynaldo
Soares da Fonseca lembrou que, conforme jurisprudência consolidada do
STJ, não é necessária a oitiva prévia da defesa para a determinação da
permanência de custodiado em estabelecimento penitenciário federal,
conforme fixado na Súmula 639 do STJ.
O
magistrado ainda destacou que o réu é considerado de alta
periculosidade e possui uma extensa ficha criminal, justificando a sua
permanência no sistema de segurança máxima. Ele reforçou que entre os
requisitos previstos no Decreto 6.877/2009
para a colocação de preso em cárcere federal estão o exercício de
função de liderança em organização criminosa e o envolvimento em prática
reiterada de crimes violentos.
"Assim, não ficou configurada flagrante ilegalidade, hábil a ocasionar o deferimento, de ofício, da ordem postulada", concluiu o ministro.
Polícia e MP não podem pedir relatórios do Coaf sem prévia autorização judicial, decide Terceira Seção
Resumo em linguagem simples
A
Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu, por
maioria de votos, que a polícia e o Ministério Público não podem
solicitar diretamente relatórios de inteligência financeira (RIFs) ao
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem prévia
autorização judicial.
A uniformização adotada pela seção é
válida até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifeste
em definitivo sobre a aplicação do Tema 990 da repercussão geral e pacifique interpretações divergentes atualmente existentes em suas turmas julgadoras.
Para
o ministro Messod Azulay Neto, relator de um dos processos sobre o
assunto, a exigência de prévia autorização judicial para a requisição de
relatórios do Coaf reflete a melhor interpretação do artigo 15 da Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Capitais) – que trata do compartilhamento de dados financeiros por meio de solicitação direta pelos órgãos de persecução penal.
"Por
mais que seja mais adequado aguardarmos uma decisão definitiva por
parte do Pleno do Supremo, não se mostra possível esperar, tanto porque
não se sabe quando a solução virá, quanto porque os ministros deste
tribunal são instados a julgar a matéria cotidianamente", destacou o
ministro no julgamento do RHC 196.150.
Compartilhamento é viável se iniciativa for dos órgãos de inteligência e fiscalização
O
relator explicou que o STF esclareceu alguns pontos sobre a
controvérsia ao fixar o Tema 990, no qual a Suprema Corte considerou
constitucional o compartilhamento de informações sigilosas, de ofício,
pelos órgãos de inteligência (Coaf) e de fiscalização (Receita Federal)
para fins penais, mesmo sem autorização judicial prévia. No entanto,
ele alertou que ainda se discute, por exemplo, se a via contrária é
possível, ou seja, se os órgãos de persecução penal poderiam solicitar
os RIFs diretamente, sem o aval da Justiça.
"A Constituição assegura o direito fundamental à privacidade e à proteção de dados pessoais (artigo 5º, incisos X e LXXIX),
de modo que medidas que restrinjam tais direitos devem, sempre, ser
analisadas de forma cuidadosa, especialmente, quando se está a tratar do
tema de forma geral e abstrata, como é o caso de um tema em repercussão geral", refletiu o ministro.
Na
avaliação de Messod Azulay Neto, a decisão do STF refere-se somente ao
compartilhamento espontâneo de informações pela Receita Federal e pelo
Coaf com órgãos de persecução penal. O mesmo entendimento, segundo ele,
seria aplicável ao artigo 15 da Lei de Lavagem de Capitais, que trata
apenas do fornecimento de dados do Coaf para autoridades competentes, e
não na via oposta.
"Fica claro que o Coaf não tem autoridade para
realizar quebra de sigilo bancário e fiscal. Ele trabalha com a
informação fornecida para produzir seus relatórios e, caso identifique
irregularidades, encaminha para os órgãos competentes para a apuração",
acrescentou.
Provas são anuladas, mas colegiado não tranca a ação penal
No caso do RHC
196.150, a autoridade policial havia solicitado, de forma direta, sem
autorização judicial anterior, relatório financeiro sigiloso ao Coaf. As
provas obtidas a partir do documento levaram à denúncia
dos acusados por uma série de crimes, como organização criminosa,
falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. A defesa impetrou habeas corpus,
mas o pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça de Goiás sob o
argumento de que o Tema 990 do STF autorizaria o compartilhamento das
informações.
Com a fixação da tese, a Terceira Seção deu parcial provimento para anular o relatório e as provas derivadas, mas manteve a ação penal em trâmite.
Prazo de 30 dias para reparo de produto defeituoso não afeta direito ao ressarcimento integral de danos materiais
Resumo em linguagem simples
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o prazo de 30 dias do artigo 18, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC)
não limita a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor, o qual
deve ser ressarcido integralmente por todo o período em que sofreu danos
materiais.
Na ação de danos materiais e morais ajuizada
contra uma montadora e uma concessionária, o autor afirmou que comprou
um carro com cinco anos de garantia e que, em menos de 12 meses, ele
apresentou problemas mecânicos e ficou 54 dias parado nas dependências
da segunda empresa ré, devido à falta de peças para reposição.
O
caso chegou ao STJ após o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT)
decidir que, além da indenização por dano moral, o consumidor tinha o
direito de ser indenizado pelos danos materiais apenas em relação ao
período que excedeu os primeiros 30 dias em que o carro permaneceu à
espera de reparo. A corte local se baseou no parágrafo 1º do artigo 18
do CDC.
CDC não afasta responsabilidade integral do fornecedor
O
relator na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, disse que o
CDC não exclui a responsabilidade do fornecedor durante o período de 30
dias mencionado no dispositivo, mas apenas dá esse prazo para que ele
solucione o defeito antes que o consumidor possa escolher a alternativa
legal que melhor lhe atenda: substituição do produto, restituição do
valor ou abatimento do preço.
O ministro destacou que o prazo
legal "não representa uma franquia ou tolerância para que o fornecedor
cause prejuízos ao consumidor nesse período sem responsabilidade
alguma".
De acordo com o relator, uma interpretação sistemática do CDC, especialmente em relação ao artigo 6º, inciso VI
– que trata do princípio da reparação integral –, impõe que o
consumidor seja ressarcido por todos os prejuízos materiais decorrentes
do vício do produto, sem limitação temporal.
"Se o consumidor
sofreu prejuízos em razão do vício do produto, fato reconhecido por
decisão judicial, deve ser integralmente ressarcido, independentemente
de estar dentro ou fora do prazo", completou.
Consumidor não pode assumir risco em lugar da empresa
Antonio
Carlos Ferreira comentou que uma interpretação diversa transferiria os
riscos da atividade empresarial para o comprador, contrariando a lógica
do sistema de proteção ao consumidor. Conforme apontou, o CDC busca
evitar que a parte mais fraca arque com os prejuízos decorrente de
defeitos dos produtos.
O ministro ressaltou, por fim, que "este
entendimento não deve ser interpretado como uma obrigação genérica dos
fornecedores de disponibilizarem produto substituto durante o período de
reparo na garantia. O que se estabelece é que, uma vez judicialmente
reconhecida a existência do vício do produto, a indenização deverá
abranger todos os prejuízos comprovadamente sofridos pelo consumidor,
inclusive aqueles ocorridos durante o prazo do artigo 18, parágrafo 1º,
do CDC".
Provedor de conexão deve identificar internauta acusado de ato ilícito sem exigir dados da porta lógica utilizada
Resumo em linguagem simples
A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que um
provedor de conexão de internet tem a obrigação de identificar o usuário
de seus serviços apenas com as informações do número IP e do período aproximado em que ocorreu o ato supostamente ilícito, sem a necessidade de fornecimento prévio de dados relativos à porta lógica utilizada.
Na
origem do caso, uma companhia ajuizou ação para obrigar a empresa de
telefonia a fornecer os dados cadastrais do indivíduo que teria enviado
mensagens com conteúdo difamatório, pelo email corporativo, para clientes e colaboradores.
O
juízo condenou a operadora a fornecer os dados do usuário e, para
tanto, indicou o endereço IP utilizado e um intervalo de dez minutos,
dentro do qual o email difamatório teria sido enviado. O tribunal de segunda instância manteve a decisão.
No recurso especial,
a empresa ré sustentou que, para o fornecimento dos dados cadastrais do
usuário, além de ser indispensável a indicação prévia da porta lógica
relacionada ao IP pelo provedor de aplicação, seria necessário informar a
data e o horário exatos da conexão.
Provedora deve ter condições tecnológicas para a identificação
A
relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, destacou que a jurisprudência
da corte atribui a obrigação de guardar e fornecer dados relativos à
porta lógica de origem não apenas aos provedores de aplicação, mas
também aos provedores de conexão. Esse foi o entendimento manifestado no
REsp 1.784.156 e em alguns outros recursos.
Desse
modo, segundo a ministra, não é necessário que o provedor de aplicação
informe previamente a porta lógica para que seja possível a
disponibilização dos dados de identificação do usuário por parte do
provedor de conexão.
"A recorrente,
enquanto provedora de conexão, deve ter condições tecnológicas de
identificar o usuário, pois está obrigada a guardar e disponibilizar os
dados de conexão, incluindo o IP e, portanto, a porta lógica", ressaltou
a relatora, salientando que a porta integra os próprios registros de
conexão.
Lei não exige especificação do horário da prática do ilícito
Apesar da afirmação feita no recurso pela empresa telefônica, a ministra apontou que, de acordo com o artigo 10, parágrafo 1º, do Marco Civil da Internet,
não precisa ser especificado, na requisição judicial, o minuto exato da
ocorrência do ato ilícito para que seja feita a disponibilização dos
registros.
Conforme explicou Nancy
Andrighi, é do interesse de quem procura o Poder Judiciário ser o mais
específico possível em seu pedido, para facilitar a busca pela
identidade do infrator, mas a informação precisa do horário não é
obrigatória.
"Uma vez identificada a porta lógica remetente do email
difamatório, pela recorrente, apenas os dados referentes a esse usuário
devem ser fornecidos, preservando-se a proteção de todos os demais
usuários que dividem o mesmo IP", concluiu.
Hipoteca posterior prevalece sobre promessa de compra e venda de imóvel comercial sem registro
Resumo em linguagem simples
Diante
da ausência de registro público da promessa de compra e venda de um
imóvel comercial, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
manteve a penhora determinada em cumprimento de sentença movido por uma imobiliária – terceira de boa-fé que recebeu a propriedade como garantia real.
De
acordo com o processo, a compradora do imóvel opôs embargos contra a
imobiliária alegando que, juntamente com o ex-cônjuge, adquiriu o imóvel
comercial em 2007. A transação foi formalizada por contrato particular
de promessa de compra e venda. Contudo, em 2018, ao consultar o registro
de imóveis, ela verificou que havia uma hipoteca na propriedade em
favor da imobiliária, feita em 2009, pois fora dada em garantia pela
antiga proprietária.
O juízo de primeiro grau acolheu os embargos,
mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) considerou que a
hipoteca posterior deveria prevalecer sobre o contrato de promessa de
compra e venda não registrado.
Hipoteca sobre imóvel comercial e residencial
Segundo o relator do recurso na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, não se aplica ao caso a Súmula 308 do STJ, pois o enunciado se
refere aos contratos submetidos ao Sistema Financeiro de Habitação, em
que a hipoteca recai sobre imóvel residencial.
O ministro lembrou
que ambas as turmas de direito privado do tribunal entendem que, mesmo
nos imóveis comerciais, "a hipoteca outorgada pela construtora ao agente
financiador em data posterior à celebração da promessa de compra e
venda não tem eficácia em relação ao promissário comprador".
Entretanto,
ele ressaltou que, nos julgamentos em que foi adotado esse
entendimento, não se examinou a falta de registro público da promessa de
compra e venda realizada antes da hipoteca, como no presente caso.
Direito real do promitente comprador só se aperfeiçoa perante terceiros com o registro
Na
sua avaliação, a ausência de registro é o ponto central da
controvérsia, uma vez que, para o STJ, a propriedade do imóvel só se
transfere com esse procedimento.
"Antes desse registro, existe
apenas um direito pessoal ou obrigacional entre as partes que celebraram
o negócio jurídico de promessa de compra e venda. Somente com o
registro é que se cria um direito oponível a terceiros (efeito erga omnes) em relação à transferência do domínio do imóvel", disse.
De
acordo com Antonio Carlos Ferreira, o direito real do promitente
comprador apenas se aperfeiçoa perante terceiros de boa-fé com o regular
registro do contrato público ou particular no tabelionato de imóveis.
Para
o relator, a boa-fé da imobiliária é fato incontroverso, pois ela não
tinha como saber que o imóvel não pertencia mais à devedora. A promessa
de compra e venda, explicou, vincula as partes contratantes, mas a falta
de registro torna o contrato ineficaz perante terceiros de boa-fé.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2141417
Resumo em linguagem simples
Diante
da ausência de registro público da promessa de compra e venda de um
imóvel comercial, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
manteve a penhora determinada em cumprimento de sentença movido por uma imobiliária – terceira de boa-fé que recebeu a propriedade como garantia real.
De
acordo com o processo, a compradora do imóvel opôs embargos contra a
imobiliária alegando que, juntamente com o ex-cônjuge, adquiriu o imóvel
comercial em 2007. A transação foi formalizada por contrato particular
de promessa de compra e venda. Contudo, em 2018, ao consultar o registro
de imóveis, ela verificou que havia uma hipoteca na propriedade em
favor da imobiliária, feita em 2009, pois fora dada em garantia pela
antiga proprietária.
O juízo de primeiro grau acolheu os embargos,
mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) considerou que a
hipoteca posterior deveria prevalecer sobre o contrato de promessa de
compra e venda não registrado.
Hipoteca sobre imóvel comercial e residencial
Segundo o relator do recurso na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, não se aplica ao caso a Súmula 308 do STJ, pois o enunciado se
refere aos contratos submetidos ao Sistema Financeiro de Habitação, em
que a hipoteca recai sobre imóvel residencial.
O ministro lembrou
que ambas as turmas de direito privado do tribunal entendem que, mesmo
nos imóveis comerciais, "a hipoteca outorgada pela construtora ao agente
financiador em data posterior à celebração da promessa de compra e
venda não tem eficácia em relação ao promissário comprador".
Entretanto,
ele ressaltou que, nos julgamentos em que foi adotado esse
entendimento, não se examinou a falta de registro público da promessa de
compra e venda realizada antes da hipoteca, como no presente caso.
Direito real do promitente comprador só se aperfeiçoa perante terceiros com o registro
Na
sua avaliação, a ausência de registro é o ponto central da
controvérsia, uma vez que, para o STJ, a propriedade do imóvel só se
transfere com esse procedimento.
"Antes desse registro, existe
apenas um direito pessoal ou obrigacional entre as partes que celebraram
o negócio jurídico de promessa de compra e venda. Somente com o
registro é que se cria um direito oponível a terceiros (efeito erga omnes) em relação à transferência do domínio do imóvel", disse.
De
acordo com Antonio Carlos Ferreira, o direito real do promitente
comprador apenas se aperfeiçoa perante terceiros de boa-fé com o regular
registro do contrato público ou particular no tabelionato de imóveis.
Para
o relator, a boa-fé da imobiliária é fato incontroverso, pois ela não
tinha como saber que o imóvel não pertencia mais à devedora. A promessa
de compra e venda, explicou, vincula as partes contratantes, mas a falta
de registro torna o contrato ineficaz perante terceiros de boa-fé.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2141417
Quinta Turma anula provas colhidas em busca e apreensão realizada sem mandado físico
Resumo em linguagem simples
Por
falta de mandado físico de busca e apreensão, a Quinta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as provas obtidas durante uma
operação policial em Brumadinho (MG). O colegiado entendeu que a
apresentação do documento é indispensável para garantir a legalidade das
provas, independentemente de haver autorização judicial prévia para a
realização da diligência.
O caso ocorreu em fevereiro de
2024, quando dois homens foram presos em flagrante pela suposta prática
de tráfico de drogas e posse ilegal de arma de fogo. Segundo o processo,
policiais civis teriam feito as prisões e colhido as provas após
entrarem na residência sem apresentar mandado de busca e apreensão.
A
falta do mandado motivou o relaxamento das prisões na audiência de
custódia, mas o Ministério Público estadual recorreu ao Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG), que cassou a decisão e determinou o
retorno do caso ao juízo de primeiro grau para análise de mérito. A corte local avaliou que a autorização judicial para a busca e apreensão, constante nos autos do inquérito, seria suficiente para validar a diligência policial e a prisão em flagrante, mesmo sem a expedição do mandado.
Defesa indicou precedentes para reforçar necessidade de mandado impresso
Em habeas corpus
no STJ, a defesa dos investigados citou que a jurisprudência do
tribunal não admite o cumprimento de mandado pela polícia sem a própria
expedição do documento contendo as informações mínimas sobre o objetivo
da operação e as pessoas envolvidas.
O relator do pedido, ministro Ribeiro Dantas, concedeu o habeas corpus em favor dos acusados, mas o Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão monocrática.
Para
o órgão ministerial, a ausência do mandado físico, por si só, não
compromete a legalidade da diligência, desde que a autorização judicial
esteja fundamentada e garanta o respeito aos direitos fundamentais. O
MPF afirmou que a exigência do documento em papel representaria
"formalismo exacerbado".
Mandado é formalidade que protege aspectos legais da busca e apreensão
Ao levar o caso à Quinta Turma, Ribeiro Dantas destacou a redação do artigo 241 do Código de Processo Penal, segundo o qual a busca domiciliar, se não for conduzida pessoalmente pelo juiz, deverá ser precedida da expedição de mandado.
Mencionando
precedente da corte, o ministro explicou que o mandado físico é
essencial para o cumprimento adequado da diligência determinada pela
Justiça, devendo constar no documento, entre outros elementos, o
endereço a ser averiguado e a finalidade da ação.
"Dessa forma, falece legitimidade
a quem deu cumprimento à determinação judicial não materializada no
mandado de busca e apreensão, já que, a despeito das prévias
investigações que deram ensejo à decisão que determinou a busca, a
formalidade de expedição do mandado não foi cumprida, de modo que são
inválidos todos os elementos de prova colhidos neste ato", concluiu o
relator ao negar provimento ao agravo regimental do MPF.
Arrendatário com direito a indenização por benfeitorias não pode exercer retenção após despejo
Resumo em linguagem simples
A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por
unanimidade, que o arrendatário rural que tem direito à indenização por
benfeitorias úteis e necessárias não pode exercer o direito de retenção
após ter sido despejado do imóvel por decisão judicial.
O
entendimento foi firmado no julgamento de um caso em que, após o fim do
contrato de arrendamento rural, os proprietários notificaram a empresa
ocupante sobre a retomada do imóvel. Sem acordo sobre a indenização
pelas benfeitorias realizadas, foi ajuizada ação de despejo, e a empresa
arrendatária, em resposta, propôs ação declaratória para garantir a
posse até o pagamento das melhorias.
Liminar
concedida aos proprietários em primeira instância determinou a
desocupação do imóvel, medida que foi devidamente cumprida. Anos depois,
o juízo reconheceu o direito da empresa à indenização pelas
benfeitorias, mas negou o direito de retenção, sob o argumento de que a
posse já havia sido perdida bastante tempo antes e que eventual
reintegração causaria tumulto no uso regular da propriedade. O Tribunal
de Justiça de Mato Grosso (TJMT) confirmou a decisão, sustentando que a
restituição do imóvel era irreversível e que existiriam meios menos
gravosos para assegurar o crédito da empresa.
Retenção é uma garantia do pagamento da indenização
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, destacou que o artigo 1.219 do CC
assegura ao possuidor de boa-fé o direito à indenização pelas
benfeitorias necessárias e úteis, além de permitir o levantamento das
voluptuárias que não lhe forem pagas, desde que possa fazê-lo sem causar
danos.
A ministra ressaltou que o dispositivo também confere ao
possuidor o direito de retenção pelo valor das benfeitorias, o que
funciona como uma forma de garantia do cumprimento da obrigação.
Sem a posse, falta o requisito essencial que fundamenta a garantia da retenção
Contudo,
a relatora enfatizou que o direito de retenção pressupõe a posse atual
do imóvel, sendo prerrogativa exclusiva do possuidor de boa-fé. Ao citar
os artigos 1.196 e 1.223 do CC,
Nancy Andrighi esclareceu que, mesmo quando a perda da posse ocorre por
decisão judicial, há a cessação dos poderes inerentes à propriedade, o
que afasta a possibilidade de exercer o direito de retenção. Segundo
ela, sem a posse, falta o requisito essencial que fundamenta essa
garantia.
Por fim, a ministra esclareceu que nem o Código Civil
nem o Estatuto da Terra autorizam que o antigo arrendatário, já
desalojado do imóvel, retome a posse para assegurar o pagamento das
benfeitorias. Segundo afirmou, a legislação condiciona o direito de
retenção à continuidade da posse, não prevendo qualquer hipótese de
reintegração como meio de garantir o crédito indenizatório.
"Portanto,
o direito de retenção somente pode ser exercido por quem é possuidor de
boa-fé. Aquele que perde a posse, mesmo que contra a sua vontade, deixa
de fazer jus a esta garantia legal. Isso, contudo, não obsta o direito
do antigo possuidor de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e
úteis", conclui ao negar provimento ao recurso especial.
Aberta consulta pública sobre o uso do fracking para exploração de óleo e gás de fontes não convencionais
O
Superior Tribunal de Justiça (STJ) abriu consulta pública para debater a
possibilidade e as condições necessárias para exploração de recursos
energéticos de fontes não convencionais (óleo e gás de xisto ou
folhelho) por meio da técnica conhecida como fraturamento hidráulico (fracking).
Sob relatoria do ministro Afrânio Vilela, a controvérsia será analisada pela Primeira Seção em incidente de assunção de competência (IAC
21). A consulta – que tem o objetivo de reunir subsídios para uma
futura audiência pública – terá duração de 30 dias corridos e pode ser
acessada por meio deste link.
Podem
participar da consulta pessoas físicas e representantes de entidades. A
participação não gera presunção de direito a integrar o processo, nem
mesmo na condição de amicus curiae
– contudo, no mesmo período da consulta, os interessados podem
apresentar requerimento específico para ingressar nos autos como amicus curiae, indicando a especialização na matéria e a sua representatividade social ou setorial.
O
STJ realiza consultas públicas para ouvir a sociedade sobre assuntos
relevantes. A iniciativa funciona como um espaço de diálogo e reflexão,
em que a coleta de contribuições ajuda o processo decisório em questões
institucionais e administrativas.
A participação dos cidadãos se
dá por meio do envio de opiniões e sugestões a respeito dos temas
tratados. Todo o processo é realizado de forma transparente, com ampla
publicidade dos atos realizados.
Primeira Seção vai definir se fraturamento hidráulico pode ser usado na exploração de óleo e gás de fontes não convencionais
Resumo em linguagem simples
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu incidente de assunção de competência (IAC
21) para discutir a "possibilidade, impossibilidade e/ou condições de
exploração de gás e óleo de fontes não convencionais (óleo e gás de
xisto ou folhelho) mediante fraturamento hidráulico (fracking)". A análise será realizada com base em normas de proteção ao meio ambiente e aos biomas, como a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional dos Recursos Hídricos, a Lei do Petróleo e a Política Nacional da Mudança do Clima.
A relatoria do IAC
é do ministro Afrânio Vilela. Para julgamento da controvérsia, o
colegiado determinou a suspensão, em todo o território nacional, dos recursos especiais e extraordinários que tratam da mesma questão.
"É
inviável e ilógico permitir a exploração em uma unidade da federação e
impedi-la em outra, quando a atividade pode afetar indistintamente a
população e o meio ambiente de ambas as localidades, notadamente no que
diz respeito à possibilidade de contaminação irreversível, inclusive por
radioatividade, de extensos aquíferos subterrâneos, solo e ar",
destacou o ministro.
No caso submetido ao rito do IAC
no STJ, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública
ambiental contra a Petrobras, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e
outras duas empresas, visando, entre outros objetivos, à suspensão de
licitação da ANP para exploração do gás de folhelho com a técnica de fracking na Bacia do Paraná, localizada na região oeste do estado de São Paulo.
O pedido foi atendido em primeiro grau, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) deu provimento à apelação da ANP e julgou improcedente a ação, o que motivou a interposição do recurso especial pelo MPF.
Potenciais riscos ambientais exigem solução jurisdicional única
Afrânio Vilela destacou que a exploração de gás e óleo de fontes não convencionais (xisto ou folhelho) com uso da técnica de fracking desperta atualmente grande discussão científica, jurídica e política em todo o mundo.
"A
matéria é uma das mais relevantes e polarizantes no embate entre
ambientalistas e industriais, e coloca no mesmo polo político a
agroindústria e movimentos sociais. A dissonância em torno do tema exige
o debate qualificado, ampliado e democrático, viabilizado ao Judiciário
por meio dos procedimentos de formação de precedentes qualificados",
observou o ministro.
Segundo o relator, ainda que o recurso especial
se limite aos leilões de poucas áreas realizados em 2013, outras ações
envolvendo blocos licitatórios distintos têm recebido decisões variadas
de diferentes tribunais. Em sua avaliação, essa dispersão
jurisprudencial, embora limitada, gera insegurança jurídica em um setor
altamente regulado de interesse estratégico internacional.
"A causa, portanto, envolve relevante questão de direito, com grande repercussão social e sem repetição em múltiplos processos (artigo 947 do Código de Processo Civil), devendo ser processada na forma de IAC", concluiu Afrânio Vilela.
IAC assegura orientação jurisprudencial uniforme
O IAC poderá ser instaurado quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária
envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social,
mas sem repetição em múltiplos processos. Além de permitir o tratamento
isonômico entre os cidadãos, o IAC
acaba com as divergências existentes ou que possam surgir entre os
órgãos fracionários da corte sobre a mesma questão jurídica complexa e
delicada.
Hipoteca posterior prevalece sobre promessa de compra e venda de imóvel comercial sem registro
Resumo em linguagem simples
Diante
da ausência de registro público da promessa de compra e venda de um
imóvel comercial, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
manteve a penhora determinada em cumprimento de sentença movido por uma imobiliária – terceira de boa-fé que recebeu a propriedade como garantia real.
De
acordo com o processo, a compradora do imóvel opôs embargos contra a
imobiliária alegando que, juntamente com o ex-cônjuge, adquiriu o imóvel
comercial em 2007. A transação foi formalizada por contrato particular
de promessa de compra e venda. Contudo, em 2018, ao consultar o registro
de imóveis, ela verificou que havia uma hipoteca na propriedade em
favor da imobiliária, feita em 2009, pois fora dada em garantia pela
antiga proprietária.
O juízo de primeiro grau acolheu os embargos,
mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) considerou que a
hipoteca posterior deveria prevalecer sobre o contrato de promessa de
compra e venda não registrado.
Hipoteca sobre imóvel comercial e residencial
Segundo o relator do recurso na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, não se aplica ao caso a Súmula 308 do STJ, pois o enunciado se
refere aos contratos submetidos ao Sistema Financeiro de Habitação, em
que a hipoteca recai sobre imóvel residencial.
O ministro lembrou
que ambas as turmas de direito privado do tribunal entendem que, mesmo
nos imóveis comerciais, "a hipoteca outorgada pela construtora ao agente
financiador em data posterior à celebração da promessa de compra e
venda não tem eficácia em relação ao promissário comprador".
Entretanto,
ele ressaltou que, nos julgamentos em que foi adotado esse
entendimento, não se examinou a falta de registro público da promessa de
compra e venda realizada antes da hipoteca, como no presente caso.
Direito real do promitente comprador só se aperfeiçoa perante terceiros com o registro
Na
sua avaliação, a ausência de registro é o ponto central da
controvérsia, uma vez que, para o STJ, a propriedade do imóvel só se
transfere com esse procedimento.
"Antes desse registro, existe
apenas um direito pessoal ou obrigacional entre as partes que celebraram
o negócio jurídico de promessa de compra e venda. Somente com o
registro é que se cria um direito oponível a terceiros (efeito erga omnes) em relação à transferência do domínio do imóvel", disse.
De
acordo com Antonio Carlos Ferreira, o direito real do promitente
comprador apenas se aperfeiçoa perante terceiros de boa-fé com o regular
registro do contrato público ou particular no tabelionato de imóveis.
Para
o relator, a boa-fé da imobiliária é fato incontroverso, pois ela não
tinha como saber que o imóvel não pertencia mais à devedora. A promessa
de compra e venda, explicou, vincula as partes contratantes, mas a falta
de registro torna o contrato ineficaz perante terceiros de boa-fé.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2141417
O
avanço exponencial no uso desse instrumento jurídico impõe reflexões
urgentes: há uma demanda crescente por proteção de direitos fundamentais
e um amadurecimento no acesso à Justiça, ou o que se vê é o emprego
indiscriminado do habeas corpus,
sintoma de falhas que empurram para os tribunais superiores a correção
de distorções estruturais? A resposta está longe de ser unânime.
Magistrados, membros do Ministério Público (MP), advogados e defensores
públicos observam o fenômeno a partir de ângulos diversos, mas uma coisa
é certa: o debate convida à revisão crítica do Sistema de Justiça
criminal.
Em
jogo está não apenas a eficiência da máquina judiciária, mas a própria
ideia de justiça em um país que ainda lida com profundas desigualdades.
Entre a garantia dos direitos fundamentais e a necessidade de um
Judiciário funcional, o habeas corpus continua a ser, mais do que nunca, um termômetro da democracia brasileira.
Uso do habeas corpus como substitutivo recursal
A avalanche de habeas corpus
no STJ não é, conforme o desembargador e doutrinador Guilherme de Souza
Nucci, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), um problema com
causa única ou responsabilidade isolada. Para ele, trata-se de um
reflexo complexo de uma engrenagem que funciona com desalinho. Nucci
aponta fatores estruturais como o crescimento populacional, a
desigualdade social e o avanço da criminalidade como os verdadeiros
motores desse cenário, que acaba sobrecarregando o Sistema de Justiça.
No campo processual, ele observa que o habeas corpus
vem sendo utilizado, de forma recorrente, como um atalho por advogados
que buscam contornar a complexidade dos recursos ordinários. Essa
prática, segundo o desembargador, agrava o fenômeno que hoje
sobrecarrega o sistema judicial brasileiro. Ele alerta que o uso
inadequado do habeas corpus
como substituto de recursos previstos no ordenamento jurídico não
apenas contribui para o congestionamento dos tribunais superiores, mas
também enfraquece o valor constitucional do instituto, originalmente
concebido para situações verdadeiramente excepcionais.
Nucci aponta que é comum a impetração de habeas corpus
em paralelo à interposição de recursos cabíveis, como o agravo, o que
gera distorções processuais. Na visão do magistrado, o enfrentamento
desse quadro exige uma resposta institucional articulada entre todas as
instâncias do Judiciário: "É fundamental que os tribunais estaduais e
regionais federais assumam a postura firme de não conhecer do habeas corpus
quando houver recurso próprio cabível e a decisão não for
flagrantemente ilegal. Quando isso for feito de forma reiterada, os
advogados compreenderão que não é mais possível contornar o sistema
recursal com o uso indevido do HC."
O
pensamento é compartilhado pelo defensor público Marcos Paulo Dutra,
coordenador de Defesa Criminal e do Núcleo de Defesa dos Direitos
Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que vê um paradoxo na
jurisprudência atual: embora o STJ tenha consolidado o entendimento de
que o habeas corpus não pode substituir recursos ordinários ou especiais, muitos pedidos ainda são aceitos. "Há magistrados que concedem a ordem de ofício
diante de decisões teratológicas, o que, embora compreensível em certos
contextos, acaba incentivando a manutenção da prática e reforça a ideia
de que o HC pode sempre ser uma via alternativa", observa.
Dutra enfatiza que essa ambiguidade jurisprudencial contribui para a banalização do habeas corpus,
desviando-o de sua finalidade essencial: a proteção contra abusos e
ilegalidades evidentes. Em sua opinião, é necessário um compromisso
coletivo com o rigor técnico e com o uso responsável dos instrumentos
processuais, de modo a garantir a celeridade e a eficiência do sistema, e
também a efetividade da tutela das liberdades individuais.
Falta de compromisso com a observância dos precedentes
Diante
de um cenário marcado pela crescente fragmentação decisória, o ministro
Ribeiro Dantas, membro da Quinta Turma do STJ, aponta que outra das
principais causas do problema é o desrespeito aos precedentes dos
tribunais superiores – os quais deveriam justamente garantir coesão e
previsibilidade. A ausência de um compromisso sistemático com a
jurisprudência consolidada transforma o sistema, nas palavras do
ministro, em uma verdadeira "justiça lotérica".
"Um
juiz decide de uma maneira em determinada vara; outro, em situação
idêntica, adota entendimento completamente oposto", alerta Dantas. O
resultado, ele afirma, é um cenário em que decisões judiciais perdem seu
caráter de estabilidade, transformando-se em apostas cujo desfecho
depende da roleta institucional de quem julga. Nesse sentido, a
disciplina na observância dos precedentes, segundo o ministro, não é uma
mera formalidade processual, mas um pilar da segurança jurídica.
Se
os julgadores respeitassem de forma mais rigorosa as diretrizes do STF e
do STJ, os advogados não teriam razão para insistir em pedidos fadados à
negativa sistemática. Isso reduziria significativamente o número de
ações e promoveria um ambiente jurídico mais previsível e racional.
Ministro Ribeiro Dantas
O advogado criminalista Caio César Domingues de Almeida, autor do livro Habeas Corpus na Jurisprudência dos Tribunais Superiores,
corrobora essa análise, avaliando que a resistência das instâncias
ordinárias em aplicar os entendimentos pacificados nas cortes superiores
é um dos motores mais potentes da crise atual: "Quando juízes de
primeira e de segunda instância ignoram precedentes consolidados,
obrigam os advogados a recorrer ao STJ."
Ele aponta como exemplo paradigmático o HC 598.886, de relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, em que a Sexta Turma do STJ rechaçou umacondenação baseada em reconhecimento que não seguiu o procedimento legal previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal.
Para o advogado, apesar da clareza do entendimento, muitos tribunais
continuam a desprezar esse marco jurisprudencial, provocando uma
enxurrada de novos habeas corpus sobre o mesmo tema.
Na
dupla condição de julgador e doutrinador, Guilherme de Souza Nucci
considera uma injustiça impor ao réu a necessidade de recorrer ao STJ
para obter um benefício garantido pela jurisprudência – ainda que ele
próprio não compartilhe do entendimento do tribunal superior.
Pedidos reiterados e qualidade técnica da advocacia acendem alerta
No
entanto, a falta de observância dos precedentes pelas instâncias
ordinárias desencadeia outro problema igualmente grave. Caio Domingues
chama atenção para o efeito cascata provocado pela instabilidade na
aplicação desses entendimentos: a ausência de uniformidade nas decisões
judiciais gera insegurança e imprevisibilidade, cenário em que muitos
advogados se sentem compelidos a insistir em novos pedidos, mesmo após a
rejeição da tese jurídica, na esperança de que o desfecho varie
conforme o magistrado responsável pelo caso.
O advogado comenta que, em vez de respeitar a decisão colegiada que negou o habeas corpus,
alguns profissionais optam por apresentar novas impetrações baseadas em
fundamentos semelhantes ou idênticos – uma estratégia que, além de
ineficaz, contribui para a sobrecarga do Sistema de Justiça. Para ele, o
bom exercício da advocacia criminal exige mais do que combatividade:
requer responsabilidade, técnica apurada e atuação estratégica.
"É
dever do advogado conhecer as ferramentas jurídicas à sua disposição,
mas também saber quando e como utilizá-las. O compromisso com a melhor
defesa não pode anular o dever de contribuir para um sistema judicial
funcional", destaca.
De acordo com
Caio Domingues, esse cenário é consequência de um problema ainda mais
profundo, frequentemente negligenciado: a falta de domínio técnico
necessário para o uso adequado do habeas corpus.
Na sua avaliação, a banalização desse instrumento constitucional
decorre, em grande medida, da atuação equivocada de profissionais que,
por desconhecimento ou até mesmo por excesso de zelo, acabam
enfraquecendo a força e comprometendo a credibilidade do remédio
jurídico mais emblemático na defesa da liberdade.
"Infelizmente, já vi colegas impetrarem habeas corpus
diretamente no STJ contra decisões de primeira instância, o que é um
erro grave. A impetração direta na instância superior só é cabível
quando esgotadas todas as vias anteriores", afirma. O resultado, segundo
ele, é o imediato indeferimento por ministros que, diante de pedidos
manifestamente incabíveis, agem com rigor técnico.
Essa
visão é compartilhada pelo defensor Marcos Paulo Dutra, que também se
mostra preocupado com a perda de qualidade técnica em parte da advocacia
criminal. Embora o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
represente um filtro inicial, ele considera que não tem sido suficiente
para assegurar um padrão mínimo de preparo profissional. "Isso se reflete diretamente no manuseio inadequado de habeas corpus, que muitas vezes são impetrados sem fundamentação jurídica adequada", explica.
Dutra avalia que a falta de domínio técnico sobre os recursos especiais e ordinários leva muitos advogados a recorrer indevidamente ao habeas corpus
como alternativa. "Ele acaba sendo um convite para aquele operador do
direito que precisaria se preparar mais, que não estudou tanto. Isso é
algo realmente preocupante, porque a banalização do habeas corpus e o seu mau emprego, em muitos casos, acaba eclipsando várias outras hipóteses nas quais ele há de ser, sim, empregado", diz.
MP pode colaborar para tornar o sistema mais eficiente, justo e racional
Caio
César Domingues de Almeida ainda chama atenção para um ponto que,
embora técnico, revela implicações profundas no dia a dia do sistema
penal brasileiro: a atuação do Ministério Público na formulação da denúncia.
De acordo com ele, há uma resistência injustificada por parte do MP em
adequar suas acusações às balizas jurisprudenciais já consolidadas pelo
STJ, como, por exemplo, no que diz respeito ao chamado tráfico
privilegiado.
"Qual é o problema, entre tantos outros, de o Ministério Público oferecer, desde o início, uma denúncia
por tráfico de drogas já reconhecendo a forma privilegiada, se, no
caso, a pessoa é primária, tem bons antecedentes, ou a quantidade de
drogas é pequena?", questiona o advogado. Ele calcula que essa postura
permitiria uma resposta penal mais justa e proporcional, bem como
viabilizaria a celebração de acordos de não persecução penal (ANPP) –
instrumento que pode encerrar o caso de forma rápida e sem a necessidade
de toda a marcha processual.
Na
avaliação do advogado, o MP também tem o dever de aplicar de forma
coerente e responsável os entendimentos firmados pelas cortes
superiores, evitando a perpetuação de práticas que geram desgaste
institucional e insegurança jurídica.
Nessa
linha, o ministro Rogerio Schietti Cruz, que já foi membro do
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), aponta que
o órgão ministerial, por vezes, ainda sustenta acusações baseadas em
provas que a jurisprudência dos tribunais superiores já reconheceu como
inválidas, prática que inevitavelmente fomenta a impetração de habeas corpus
– e, não raro, culmina na concessão da ordem para corrigir essas
falhas. Para o ministro, essa realidade revela a necessidade urgente de
um agir mais criterioso por parte do MP.
O
Ministério Público precisa reconhecer sua parcela de responsabilidade e
selecionar melhor os casos que leva adiante, para que o Sistema de
Justiça funcione de maneira mais coerente e sustentável.
Ministro Rogerio Schietti Cruz
O
ministro ressalta a importância de se levar a fóruns de debate uma
reflexão sobre o papel do MP na dinâmica de funcionamento do Sistema de
Justiça criminal. Em eventos realizados com membros de Ministérios
Públicos estaduais e no Conselho Nacional de Procuradores-Gerais,
Schietti conta que propôs um diálogo direto: de que maneira o MP pode
colaborar para tornar o sistema mais justo e racional?
Habeas corpus segue sendo instrumento eficaz contra violações
Apesar das críticas ao uso excessivo do habeas corpus,
ele continua a ser um meio relevante e efetivo para proteger a
liberdade de indivíduos submetidos a ilegalidade ou abuso de poder. Em
contextos de violação de direitos fundamentais, o HC mantém seu papel de remédio jurídico rápido e acessível, como mostra a história registrada no vídeo abaixo.
A série especial HC 1 milhão: mais ou menos justiça? debate
o aumento expressivo do uso desse instrumento constitucional, trazendo
diferentes pontos de vista sobre o fenômeno e o seu impacto nas
atividades dos tribunais.
No próximo domingo: propostas para equilibrar a proteção de direitos fundamentais com a necessidade de racionalizar o uso do habeas corpus.
Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:
1º termo - Habeas Corpus:Habeas
corpus (sigla HC) é uma ação para assegurar a liberdade de locomoção,
quando violada ou ameaçada de violação por ilegalidade ou abuso de
poder. Também é o nome da ordem dada pela Justiça para corrigir a
ilegalidade.
2º termo - Não conhecer:Ao
“não conhecer” do recurso (ou de qualquer pedido), o tribunal está
decidindo, por alguma razão preliminar, que ele não será admitido para o
exame do mérito. Assim, o tribunal deixa de analisar os argumentos do
recorrente, sem acolher nem rejeitá-los.
3º termo - De ofício:Ato
de ofício (ex officio) é aquele praticado por autoridade judicial ou
administrativa independentemente de pedido da parte interessada.
4º termo - recursos especiais:O
recurso especial (sigla REsp) é dirigido ao STJ para contestar possível
má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. Assim, o
REsp serve para que o STJ uniformize a interpretação da legislação
federal em todo o país.
5º termo - Denúncia:Denúncia
é a petição inicial do processo penal, na qual o Ministério Público
apresenta os fatos e os fundamentos jurídicos para pedir a condenação do
réu.