quinta-feira, 29 de maio de 2025

Homem apontado como líder de facção criminosa no Norte permanecerá em presídio federal

 

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DECISÃO
29/05/2025 07:35
 

Homem apontado como líder de facção criminosa no Norte permanecerá em presídio federal

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo Soares da Fonseca negou seguimento a pedido de retorno a presídio estadual do Amazonas apresentado por homem acusado de ser um dos líderes da organização criminosa Família do Norte (ou Cartel do Norte). Ele está atualmente na penitenciária federal de Campo Grande e cumpre pena de mais de 112 anos de reclusão por crimes de tráfico de drogas e organização criminosa.

De acordo com os autos, a organização Família do Norte se transformou em Cartel do Norte depois de perder o domínio do tráfico de drogas no Amazonas, tendo se aproximado de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) para expansão das atividades criminosas.

Após passagem pelo sistema prisional estadual, o homem foi transferido para o sistema federal em 2016, no contexto da Operação La Muralla. Desde então, sua permanência vem sendo sucessivamente renovada – a última prorrogação ocorreu por decisão da Vara de Execuções Penais de Manaus.

Para a defesa, permanência no sistema federal violaria dignidade da pessoa humana

Ao STJ, a defesa sustentou que não há registros de incidentes disciplinares relevantes contra o preso, e que a manutenção no sistema federal estaria sendo utilizada como forma de segregação indefinida, violando princípios como a legalidade, a proporcionalidade e a dignidade da pessoa humana.

Ainda segundo a defesa, a renovação da permanência no sistema federal – determinada pela Justiça do Amazonas – seria nula, pois teria sido realizada sem a oitiva prévia da defesa técnica. Além disso, argumentou que a decisão se baseou em fundamentos genéricos e desatualizados, sem demonstração concreta e atual de periculosidade do preso.

Preso é considerado de alta periculosidade e possui extensa ficha criminal

Reynaldo Soares da Fonseca lembrou que, conforme jurisprudência consolidada do STJ, não é necessária a oitiva prévia da defesa para a determinação da permanência de custodiado em estabelecimento penitenciário federal, conforme fixado na Súmula 639 do STJ.

O magistrado ainda destacou que o réu é considerado de alta periculosidade e possui uma extensa ficha criminal, justificando a sua permanência no sistema de segurança máxima. Ele reforçou que entre os requisitos previstos no Decreto 6.877/2009 para a colocação de preso em cárcere federal estão o exercício de função de liderança em organização criminosa e o envolvimento em prática reiterada de crimes violentos.

"Assim, não ficou configurada flagrante ilegalidade, hábil a ocasionar o deferimento, de ofício, da ordem postulada", concluiu o ministro.

Leia a íntegra da decisão no HC 1.004.107.

Fonte - STJ

Polícia e MP não podem pedir relatórios do Coaf sem prévia autorização judicial, decide Terceira Seção

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DECISÃO
29/05/2025 07:00
 

Polícia e MP não podem pedir relatórios do Coaf sem prévia autorização judicial, decide Terceira Seção

Resumo em linguagem simples

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu, por maioria de votos, que a polícia e o Ministério Público não podem solicitar diretamente relatórios de inteligência financeira (RIFs) ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sem prévia autorização judicial.

A uniformização adotada pela seção é válida até que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifeste em definitivo sobre a aplicação do Tema 990 da repercussão geral e pacifique interpretações divergentes atualmente existentes em suas turmas julgadoras.

Para o ministro Messod Azulay Neto, relator de um dos processos sobre o assunto, a exigência de prévia autorização judicial para a requisição de relatórios do Coaf reflete a melhor interpretação do artigo 15 da Lei 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Capitais) – que trata do compartilhamento de dados financeiros por meio de solicitação direta pelos órgãos de persecução penal.

"Por mais que seja mais adequado aguardarmos uma decisão definitiva por parte do Pleno do Supremo, não se mostra possível esperar, tanto porque não se sabe quando a solução virá, quanto porque os ministros deste tribunal são instados a julgar a matéria cotidianamente", destacou o ministro no julgamento do RHC 196.150.

Compartilhamento é viável se iniciativa for dos órgãos de inteligência e fiscalização

O relator explicou que o STF esclareceu alguns pontos sobre a controvérsia ao fixar o Tema 990, no qual a Suprema Corte considerou constitucional o compartilhamento de informações sigilosas, de ofício, pelos órgãos de inteligência (Coaf) e de fiscalização (Receita Federal) para fins penais, mesmo sem autorização judicial prévia. No entanto, ele alertou que ainda se discute, por exemplo, se a via contrária é possível, ou seja, se os órgãos de persecução penal poderiam solicitar os RIFs diretamente, sem o aval da Justiça.

"A Constituição assegura o direito fundamental à privacidade e à proteção de dados pessoais (artigo 5º, incisos X e LXXIX), de modo que medidas que restrinjam tais direitos devem, sempre, ser analisadas de forma cuidadosa, especialmente, quando se está a tratar do tema de forma geral e abstrata, como é o caso de um tema em repercussão geral", refletiu o ministro.

Na avaliação de Messod Azulay Neto, a decisão do STF refere-se somente ao compartilhamento espontâneo de informações pela Receita Federal e pelo Coaf com órgãos de persecução penal. O mesmo entendimento, segundo ele, seria aplicável ao artigo 15 da Lei de Lavagem de Capitais, que trata apenas do fornecimento de dados do Coaf para autoridades competentes, e não na via oposta.

"Fica claro que o Coaf não tem autoridade para realizar quebra de sigilo bancário e fiscal. Ele trabalha com a informação fornecida para produzir seus relatórios e, caso identifique irregularidades, encaminha para os órgãos competentes para a apuração", acrescentou.

Provas são anuladas, mas colegiado não tranca a ação penal

No caso do RHC 196.150, a autoridade policial havia solicitado, de forma direta, sem autorização judicial anterior, relatório financeiro sigiloso ao Coaf. As provas obtidas a partir do documento levaram à denúncia dos acusados por uma série de crimes, como organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. A defesa impetrou habeas corpus, mas o pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça de Goiás sob o argumento de que o Tema 990 do STF autorizaria o compartilhamento das informações.

Com a fixação da tese, a Terceira Seção deu parcial provimento para anular o relatório e as provas derivadas, mas manteve a ação penal em trâmite.

Fonte - STJ

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Prazo de 30 dias para reparo de produto defeituoso não afeta direito ao ressarcimento integral de danos materiais

 

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DECISÃO
27/05/2025 07:05
 

Prazo de 30 dias para reparo de produto defeituoso não afeta direito ao ressarcimento integral de danos materiais

Resumo em linguagem simples

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o prazo de 30 dias do artigo 18, parágrafo 1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não limita a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor, o qual deve ser ressarcido integralmente por todo o período em que sofreu danos materiais.

Na ação de danos materiais e morais ajuizada contra uma montadora e uma concessionária, o autor afirmou que comprou um carro com cinco anos de garantia e que, em menos de 12 meses, ele apresentou problemas mecânicos e ficou 54 dias parado nas dependências da segunda empresa ré, devido à falta de peças para reposição.

O caso chegou ao STJ após o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) decidir que, além da indenização por dano moral, o consumidor tinha o direito de ser indenizado pelos danos materiais apenas em relação ao período que excedeu os primeiros 30 dias em que o carro permaneceu à espera de reparo. A corte local se baseou no parágrafo 1º do artigo 18 do CDC.

CDC não afasta responsabilidade integral do fornecedor

O relator na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, disse que o CDC não exclui a responsabilidade do fornecedor durante o período de 30 dias mencionado no dispositivo, mas apenas dá esse prazo para que ele solucione o defeito antes que o consumidor possa escolher a alternativa legal que melhor lhe atenda: substituição do produto, restituição do valor ou abatimento do preço.

O ministro destacou que o prazo legal "não representa uma franquia ou tolerância para que o fornecedor cause prejuízos ao consumidor nesse período sem responsabilidade alguma".

De acordo com o relator, uma interpretação sistemática do CDC, especialmente em relação ao artigo 6º, inciso VI – que trata do princípio da reparação integral –, impõe que o consumidor seja ressarcido por todos os prejuízos materiais decorrentes do vício do produto, sem limitação temporal.

"Se o consumidor sofreu prejuízos em razão do vício do produto, fato reconhecido por decisão judicial, deve ser integralmente ressarcido, independentemente de estar dentro ou fora do prazo", completou.

Consumidor não pode assumir risco em lugar da empresa

Antonio Carlos Ferreira comentou que uma interpretação diversa transferiria os riscos da atividade empresarial para o comprador, contrariando a lógica do sistema de proteção ao consumidor. Conforme apontou, o CDC busca evitar que a parte mais fraca arque com os prejuízos decorrente de defeitos dos produtos.

O ministro ressaltou, por fim, que "este entendimento não deve ser interpretado como uma obrigação genérica dos fornecedores de disponibilizarem produto substituto durante o período de reparo na garantia. O que se estabelece é que, uma vez judicialmente reconhecida a existência do vício do produto, a indenização deverá abranger todos os prejuízos comprovadamente sofridos pelo consumidor, inclusive aqueles ocorridos durante o prazo do artigo 18, parágrafo 1º, do CDC".

Leia o acórdão no REsp 1.935.157.

Fonte - STJ

Provedor de conexão deve identificar internauta acusado de ato ilícito sem exigir dados da porta lógica utilizada

 

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28/05/2025 06:50
 

Provedor de conexão deve identificar internauta acusado de ato ilícito sem exigir dados da porta lógica utilizada

Resumo em linguagem simples

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que um provedor de conexão de internet tem a obrigação de identificar o usuário de seus serviços apenas com as informações do número IP e do período aproximado em que ocorreu o ato supostamente ilícito, sem a necessidade de fornecimento prévio de dados relativos à porta lógica utilizada.

Na origem do caso, uma companhia ajuizou ação para obrigar a empresa de telefonia a fornecer os dados cadastrais do indivíduo que teria enviado mensagens com conteúdo difamatório, pelo email corporativo, para clientes e colaboradores.

O juízo condenou a operadora a fornecer os dados do usuário e, para tanto, indicou o endereço IP utilizado e um intervalo de dez minutos, dentro do qual o email difamatório teria sido enviado. O tribunal de segunda instância manteve a decisão.

No recurso especial, a empresa ré sustentou que, para o fornecimento dos dados cadastrais do usuário, além de ser indispensável a indicação prévia da porta lógica relacionada ao IP pelo provedor de aplicação, seria necessário informar a data e o horário exatos da conexão.

Provedora deve ter condições tecnológicas para a identificação

A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, destacou que a jurisprudência da corte atribui a obrigação de guardar e fornecer dados relativos à porta lógica de origem não apenas aos provedores de aplicação, mas também aos provedores de conexão. Esse foi o entendimento manifestado no REsp 1.784.156 e em alguns outros recursos.

Desse modo, segundo a ministra, não é necessário que o provedor de aplicação informe previamente a porta lógica para que seja possível a disponibilização dos dados de identificação do usuário por parte do provedor de conexão.

"A recorrente, enquanto provedora de conexão, deve ter condições tecnológicas de identificar o usuário, pois está obrigada a guardar e disponibilizar os dados de conexão, incluindo o IP e, portanto, a porta lógica", ressaltou a relatora, salientando que a porta integra os próprios registros de conexão.

Lei não exige especificação do horário da prática do ilícito

Apesar da afirmação feita no recurso pela empresa telefônica, a ministra apontou que, de acordo com o artigo 10, parágrafo 1º, do Marco Civil da Internet, não precisa ser especificado, na requisição judicial, o minuto exato da ocorrência do ato ilícito para que seja feita a disponibilização dos registros.

Conforme explicou Nancy Andrighi, é do interesse de quem procura o Poder Judiciário ser o mais específico possível em seu pedido, para facilitar a busca pela identidade do infrator, mas a informação precisa do horário não é obrigatória.

"Uma vez identificada a porta lógica remetente do email difamatório, pela recorrente, apenas os dados referentes a esse usuário devem ser fornecidos, preservando-se a proteção de todos os demais usuários que dividem o mesmo IP", concluiu.



sexta-feira, 23 de maio de 2025

Hipoteca posterior prevalece sobre promessa de compra e venda de imóvel comercial sem registro

 

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21/05/2025 07:00
 
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21/05/2025 07:00
 

Hipoteca posterior prevalece sobre promessa de compra e venda de imóvel comercial sem registro

Resumo em linguagem simples

Diante da ausência de registro público da promessa de compra e venda de um imóvel comercial, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a penhora determinada em cumprimento de sentença movido por uma imobiliária – terceira de boa-fé que recebeu a propriedade como garantia real.

De acordo com o processo, a compradora do imóvel opôs embargos contra a imobiliária alegando que, juntamente com o ex-cônjuge, adquiriu o imóvel comercial em 2007. A transação foi formalizada por contrato particular de promessa de compra e venda. Contudo, em 2018, ao consultar o registro de imóveis, ela verificou que havia uma hipoteca na propriedade em favor da imobiliária, feita em 2009, pois fora dada em garantia pela antiga proprietária.

O juízo de primeiro grau acolheu os embargos, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) considerou que a hipoteca posterior deveria prevalecer sobre o contrato de promessa de compra e venda não registrado.

Hipoteca sobre imóvel comercial e residencial

Segundo o relator do recurso na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, não se aplica ao caso a Súmula 308 do STJ, pois o enunciado se refere aos contratos submetidos ao Sistema Financeiro de Habitação, em que a hipoteca recai sobre imóvel residencial.

O ministro lembrou que ambas as turmas de direito privado do tribunal entendem que, mesmo nos imóveis comerciais, "a hipoteca outorgada pela construtora ao agente financiador em data posterior à celebração da promessa de compra e venda não tem eficácia em relação ao promissário comprador".

Entretanto, ele ressaltou que, nos julgamentos em que foi adotado esse entendimento, não se examinou a falta de registro público da promessa de compra e venda realizada antes da hipoteca, como no presente caso.

Direito real do promitente comprador só se aperfeiçoa perante terceiros com o registro

Na sua avaliação, a ausência de registro é o ponto central da controvérsia, uma vez que, para o STJ, a propriedade do imóvel só se transfere com esse procedimento.

"Antes desse registro, existe apenas um direito pessoal ou obrigacional entre as partes que celebraram o negócio jurídico de promessa de compra e venda. Somente com o registro é que se cria um direito oponível a terceiros (efeito erga omnes) em relação à transferência do domínio do imóvel", disse.

De acordo com Antonio Carlos Ferreira, o direito real do promitente comprador apenas se aperfeiçoa perante terceiros de boa-fé com o regular registro do contrato público ou particular no tabelionato de imóveis.

Para o relator, a boa-fé da imobiliária é fato incontroverso, pois ela não tinha como saber que o imóvel não pertencia mais à devedora. A promessa de compra e venda, explicou, vincula as partes contratantes, mas a falta de registro torna o contrato ineficaz perante terceiros de boa-fé.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2141417
Resumo em linguagem simples

Diante da ausência de registro público da promessa de compra e venda de um imóvel comercial, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a penhora determinada em cumprimento de sentença movido por uma imobiliária – terceira de boa-fé que recebeu a propriedade como garantia real.

De acordo com o processo, a compradora do imóvel opôs embargos contra a imobiliária alegando que, juntamente com o ex-cônjuge, adquiriu o imóvel comercial em 2007. A transação foi formalizada por contrato particular de promessa de compra e venda. Contudo, em 2018, ao consultar o registro de imóveis, ela verificou que havia uma hipoteca na propriedade em favor da imobiliária, feita em 2009, pois fora dada em garantia pela antiga proprietária.

O juízo de primeiro grau acolheu os embargos, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) considerou que a hipoteca posterior deveria prevalecer sobre o contrato de promessa de compra e venda não registrado.

Hipoteca sobre imóvel comercial e residencial

Segundo o relator do recurso na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, não se aplica ao caso a Súmula 308 do STJ, pois o enunciado se refere aos contratos submetidos ao Sistema Financeiro de Habitação, em que a hipoteca recai sobre imóvel residencial.

O ministro lembrou que ambas as turmas de direito privado do tribunal entendem que, mesmo nos imóveis comerciais, "a hipoteca outorgada pela construtora ao agente financiador em data posterior à celebração da promessa de compra e venda não tem eficácia em relação ao promissário comprador".

Entretanto, ele ressaltou que, nos julgamentos em que foi adotado esse entendimento, não se examinou a falta de registro público da promessa de compra e venda realizada antes da hipoteca, como no presente caso.

Direito real do promitente comprador só se aperfeiçoa perante terceiros com o registro

Na sua avaliação, a ausência de registro é o ponto central da controvérsia, uma vez que, para o STJ, a propriedade do imóvel só se transfere com esse procedimento.

"Antes desse registro, existe apenas um direito pessoal ou obrigacional entre as partes que celebraram o negócio jurídico de promessa de compra e venda. Somente com o registro é que se cria um direito oponível a terceiros (efeito erga omnes) em relação à transferência do domínio do imóvel", disse.

De acordo com Antonio Carlos Ferreira, o direito real do promitente comprador apenas se aperfeiçoa perante terceiros de boa-fé com o regular registro do contrato público ou particular no tabelionato de imóveis.

Para o relator, a boa-fé da imobiliária é fato incontroverso, pois ela não tinha como saber que o imóvel não pertencia mais à devedora. A promessa de compra e venda, explicou, vincula as partes contratantes, mas a falta de registro torna o contrato ineficaz perante terceiros de boa-fé.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2141417
 
Fonte - STJ 

Quinta Turma anula provas colhidas em busca e apreensão realizada sem mandado físico

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DECISÃO
22/05/2025 07:05
 

Quinta Turma anula provas colhidas em busca e apreensão realizada sem mandado físico

Resumo em linguagem simples

Por falta de mandado físico de busca e apreensão, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou as provas obtidas durante uma operação policial em Brumadinho (MG). O colegiado entendeu que a apresentação do documento é indispensável para garantir a legalidade das provas, independentemente de haver autorização judicial prévia para a realização da diligência.

O caso ocorreu em fevereiro de 2024, quando dois homens foram presos em flagrante pela suposta prática de tráfico de drogas e posse ilegal de arma de fogo. Segundo o processo, policiais civis teriam feito as prisões e colhido as provas após entrarem na residência sem apresentar mandado de busca e apreensão.

A falta do mandado motivou o relaxamento das prisões na audiência de custódia, mas o Ministério Público estadual recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que cassou a decisão e determinou o retorno do caso ao juízo de primeiro grau para análise de mérito. A corte local avaliou que a autorização judicial para a busca e apreensão, constante nos autos do inquérito, seria suficiente para validar a diligência policial e a prisão em flagrante, mesmo sem a expedição do mandado.

Defesa indicou precedentes para reforçar necessidade de mandado impresso

Em habeas corpus no STJ, a defesa dos investigados citou que a jurisprudência do tribunal não admite o cumprimento de mandado pela polícia sem a própria expedição do documento contendo as informações mínimas sobre o objetivo da operação e as pessoas envolvidas.

O relator do pedido, ministro Ribeiro Dantas, concedeu o habeas corpus em favor dos acusados, mas o Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão monocrática.

Para o órgão ministerial, a ausência do mandado físico, por si só, não compromete a legalidade da diligência, desde que a autorização judicial esteja fundamentada e garanta o respeito aos direitos fundamentais. O MPF afirmou que a exigência do documento em papel representaria "formalismo exacerbado".

Mandado é formalidade que protege aspectos legais da busca e apreensão

Ao levar o caso à Quinta Turma, Ribeiro Dantas destacou a redação do artigo 241 do Código de Processo Penal, segundo o qual a busca domiciliar, se não for conduzida pessoalmente pelo juiz, deverá ser precedida da expedição de mandado.

Mencionando precedente da corte, o ministro explicou que o mandado físico é essencial para o cumprimento adequado da diligência determinada pela Justiça, devendo constar no documento, entre outros elementos, o endereço a ser averiguado e a finalidade da ação.

"Dessa forma, falece legitimidade a quem deu cumprimento à determinação judicial não materializada no mandado de busca e apreensão, já que, a despeito das prévias investigações que deram ensejo à decisão que determinou a busca, a formalidade de expedição do mandado não foi cumprida, de modo que são inválidos todos os elementos de prova colhidos neste ato", concluiu o relator ao negar provimento ao agravo regimental do MPF.

Leia o acórdão no HC 965.224.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 965224
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Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:
  • 1º termo - Mérito:
  •  
  • Fonte - STJ

Arrendatário com direito a indenização por benfeitorias não pode exercer retenção após despejo

 

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23/05/2025 06:50
 

Arrendatário com direito a indenização por benfeitorias não pode exercer retenção após despejo

Resumo em linguagem simples

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que o arrendatário rural que tem direito à indenização por benfeitorias úteis e necessárias não pode exercer o direito de retenção após ter sido despejado do imóvel por decisão judicial.

O entendimento foi firmado no julgamento de um caso em que, após o fim do contrato de arrendamento rural, os proprietários notificaram a empresa ocupante sobre a retomada do imóvel. Sem acordo sobre a indenização pelas benfeitorias realizadas, foi ajuizada ação de despejo, e a empresa arrendatária, em resposta, propôs ação declaratória para garantir a posse até o pagamento das melhorias.

Liminar concedida aos proprietários em primeira instância determinou a desocupação do imóvel, medida que foi devidamente cumprida. Anos depois, o juízo reconheceu o direito da empresa à indenização pelas benfeitorias, mas negou o direito de retenção, sob o argumento de que a posse já havia sido perdida bastante tempo antes e que eventual reintegração causaria tumulto no uso regular da propriedade. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) confirmou a decisão, sustentando que a restituição do imóvel era irreversível e que existiriam meios menos gravosos para assegurar o crédito da empresa.

Retenção é uma garantia do pagamento da indenização

Ao recorrer ao STJ, a empresa alegou violação do artigo 95, inciso VIII, do Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964) e do artigo 1.219 do Código Civil (CC), defendendo que o reconhecimento do direito à indenização implica, necessariamente, a possibilidade de exercício do direito de retenção.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, destacou que o artigo 1.219 do CC assegura ao possuidor de boa-fé o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, além de permitir o levantamento das voluptuárias que não lhe forem pagas, desde que possa fazê-lo sem causar danos.

A ministra ressaltou que o dispositivo também confere ao possuidor o direito de retenção pelo valor das benfeitorias, o que funciona como uma forma de garantia do cumprimento da obrigação.

Sem a posse, falta o requisito essencial que fundamenta a garantia da retenção

Contudo, a relatora enfatizou que o direito de retenção pressupõe a posse atual do imóvel, sendo prerrogativa exclusiva do possuidor de boa-fé. Ao citar os artigos 1.196 e 1.223 do CC, Nancy Andrighi esclareceu que, mesmo quando a perda da posse ocorre por decisão judicial, há a cessação dos poderes inerentes à propriedade, o que afasta a possibilidade de exercer o direito de retenção. Segundo ela, sem a posse, falta o requisito essencial que fundamenta essa garantia.

Por fim, a ministra esclareceu que nem o Código Civil nem o Estatuto da Terra autorizam que o antigo arrendatário, já desalojado do imóvel, retome a posse para assegurar o pagamento das benfeitorias. Segundo afirmou, a legislação condiciona o direito de retenção à continuidade da posse, não prevendo qualquer hipótese de reintegração como meio de garantir o crédito indenizatório.

"Portanto, o direito de retenção somente pode ser exercido por quem é possuidor de boa-fé. Aquele que perde a posse, mesmo que contra a sua vontade, deixa de fazer jus a esta garantia legal. Isso, contudo, não obsta o direito do antigo possuidor de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis", conclui ao negar provimento ao recurso especial.

Leia o acórdão no REsp 2.156.451.


Fonte - STJ

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2156451

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Aberta consulta pública sobre o uso do fracking para exploração de óleo e gás de fontes não convencionais


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PRECEDENTES QUALIFICADOS
20/05/2025 06:55
 

Aberta consulta pública sobre o uso do fracking para exploração de óleo e gás de fontes não convencionais

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) abriu consulta pública para debater a possibilidade e as condições necessárias para exploração de recursos energéticos de fontes não convencionais (óleo e gás de xisto ou folhelho) por meio da técnica conhecida como fraturamento hidráulico (fracking).

Sob relatoria do ministro Afrânio Vilela, a controvérsia será analisada pela Primeira Seção em incidente de assunção de competência (IAC 21). A consulta – que tem o objetivo de reunir subsídios para uma futura audiência pública – terá duração de 30 dias corridos e pode ser acessada por meio deste link.

Podem participar da consulta pessoas físicas e representantes de entidades. A participação não gera presunção de direito a integrar o processo, nem mesmo na condição de amicus curiae – contudo, no mesmo período da consulta, os interessados podem apresentar requerimento específico para ingressar nos autos como amicus curiae, indicando a especialização na matéria e a sua representatividade social ou setorial.


Oportunidade de diálogo com a sociedade

O STJ realiza consultas públicas para ouvir a sociedade sobre assuntos relevantes. A iniciativa funciona como um espaço de diálogo e reflexão, em que a coleta de contribuições ajuda o processo decisório em questões institucionais e administrativas.

A participação dos cidadãos se dá por meio do envio de opiniões e sugestões a respeito dos temas tratados. Todo o processo é realizado de forma transparente, com ampla publicidade dos atos realizados.

Leia a decisão sobre a consulta pública.

Leia o acórdão de afetação do REsp 1.957.818

Fonte - STJ

Primeira Seção vai definir se fraturamento hidráulico pode ser usado na exploração de óleo e gás de fontes não convencionais

 

Primeira Seção vai definir se fraturamento hidráulico pode ser usado na exploração de óleo e gás de fontes não convencionais

Resumo em linguagem simples

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu incidente de assunção de competência (IAC 21) para discutir a "possibilidade, impossibilidade e/ou condições de exploração de gás e óleo de fontes não convencionais (óleo e gás de xisto ou folhelho) mediante fraturamento hidráulico (fracking)". A análise será realizada com base em normas de proteção ao meio ambiente e aos biomas, como a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional dos Recursos Hídricos, a Lei do Petróleo e a Política Nacional da Mudança do Clima.

A relatoria do IAC é do ministro Afrânio Vilela. Para julgamento da controvérsia, o colegiado determinou a suspensão, em todo o território nacional, dos recursos especiais e extraordinários que tratam da mesma questão.

"É inviável e ilógico permitir a exploração em uma unidade da federação e impedi-la em outra, quando a atividade pode afetar indistintamente a população e o meio ambiente de ambas as localidades, notadamente no que diz respeito à possibilidade de contaminação irreversível, inclusive por radioatividade, de extensos aquíferos subterrâneos, solo e ar", destacou o ministro.


No caso submetido ao rito do IAC no STJ, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública ambiental contra a Petrobras, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e outras duas empresas, visando, entre outros objetivos, à suspensão de licitação da ANP para exploração do gás de folhelho com a técnica de fracking na Bacia do Paraná, localizada na região oeste do estado de São Paulo.

O pedido foi atendido em primeiro grau, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) deu provimento à apelação da ANP e julgou improcedente a ação, o que motivou a interposição do recurso especial pelo MPF.

Potenciais riscos ambientais exigem solução jurisdicional única

Afrânio Vilela destacou que a exploração de gás e óleo de fontes não convencionais (xisto ou folhelho) com uso da técnica de fracking desperta atualmente grande discussão científica, jurídica e política em todo o mundo.

"A matéria é uma das mais relevantes e polarizantes no embate entre ambientalistas e industriais, e coloca no mesmo polo político a agroindústria e movimentos sociais. A dissonância em torno do tema exige o debate qualificado, ampliado e democrático, viabilizado ao Judiciário por meio dos procedimentos de formação de precedentes qualificados", observou o ministro.

Segundo o relator, ainda que o recurso especial se limite aos leilões de poucas áreas realizados em 2013, outras ações envolvendo blocos licitatórios distintos têm recebido decisões variadas de diferentes tribunais. Em sua avaliação, essa dispersão jurisprudencial, embora limitada, gera insegurança jurídica em um setor altamente regulado de interesse estratégico internacional.

"A causa, portanto, envolve relevante questão de direito, com grande repercussão social e sem repetição em múltiplos processos (artigo 947 do Código de Processo Civil), devendo ser processada na forma de IAC", concluiu Afrânio Vilela.

IAC assegura orientação jurisprudencial uniforme

IAC poderá ser instaurado quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, mas sem repetição em múltiplos processos. Além de permitir o tratamento isonômico entre os cidadãos, o IAC acaba com as divergências existentes ou que possam surgir entre os órgãos fracionários da corte sobre a mesma questão jurídica complexa e delicada.

Leia o acórdão de afetação do REsp 1.957.818

Fonte - STJ

Hipoteca posterior prevalece sobre promessa de compra e venda de imóvel comercial sem registro

 

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DECISÃO
21/05/2025 07:00
 

Hipoteca posterior prevalece sobre promessa de compra e venda de imóvel comercial sem registro

Resumo em linguagem simples

Diante da ausência de registro público da promessa de compra e venda de um imóvel comercial, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a penhora determinada em cumprimento de sentença movido por uma imobiliária – terceira de boa-fé que recebeu a propriedade como garantia real.

De acordo com o processo, a compradora do imóvel opôs embargos contra a imobiliária alegando que, juntamente com o ex-cônjuge, adquiriu o imóvel comercial em 2007. A transação foi formalizada por contrato particular de promessa de compra e venda. Contudo, em 2018, ao consultar o registro de imóveis, ela verificou que havia uma hipoteca na propriedade em favor da imobiliária, feita em 2009, pois fora dada em garantia pela antiga proprietária.

O juízo de primeiro grau acolheu os embargos, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) considerou que a hipoteca posterior deveria prevalecer sobre o contrato de promessa de compra e venda não registrado.

Hipoteca sobre imóvel comercial e residencial

Segundo o relator do recurso na Quarta Turma, ministro Antonio Carlos Ferreira, não se aplica ao caso a Súmula 308 do STJ, pois o enunciado se refere aos contratos submetidos ao Sistema Financeiro de Habitação, em que a hipoteca recai sobre imóvel residencial.

O ministro lembrou que ambas as turmas de direito privado do tribunal entendem que, mesmo nos imóveis comerciais, "a hipoteca outorgada pela construtora ao agente financiador em data posterior à celebração da promessa de compra e venda não tem eficácia em relação ao promissário comprador".

Entretanto, ele ressaltou que, nos julgamentos em que foi adotado esse entendimento, não se examinou a falta de registro público da promessa de compra e venda realizada antes da hipoteca, como no presente caso.

Direito real do promitente comprador só se aperfeiçoa perante terceiros com o registro

Na sua avaliação, a ausência de registro é o ponto central da controvérsia, uma vez que, para o STJ, a propriedade do imóvel só se transfere com esse procedimento.

"Antes desse registro, existe apenas um direito pessoal ou obrigacional entre as partes que celebraram o negócio jurídico de promessa de compra e venda. Somente com o registro é que se cria um direito oponível a terceiros (efeito erga omnes) em relação à transferência do domínio do imóvel", disse.

De acordo com Antonio Carlos Ferreira, o direito real do promitente comprador apenas se aperfeiçoa perante terceiros de boa-fé com o regular registro do contrato público ou particular no tabelionato de imóveis.

Para o relator, a boa-fé da imobiliária é fato incontroverso, pois ela não tinha como saber que o imóvel não pertencia mais à devedora. A promessa de compra e venda, explicou, vincula as partes contratantes, mas a falta de registro torna o contrato ineficaz perante terceiros de boa-fé.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2141417

terça-feira, 20 de maio de 2025

Explosão de habeas corpus reflete crise de múltiplas causas no Sistema de Justiça

 

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ESPECIAL
18/05/2025 06:50
 

Explosão de habeas corpus reflete crise de múltiplas causas no Sistema de Justiça



O
Superior Tribunal de Justiça (STJ) atingiu, há poucas semanas, uma marca simbólica e, ao mesmo tempo, inquietante: um milhão de habeas corpus recebidos desde a sua instalação, em 1989.

O avanço exponencial no uso desse instrumento jurídico impõe reflexões urgentes: há uma demanda crescente por proteção de direitos fundamentais e um amadurecimento no acesso à Justiça, ou o que se vê é o emprego indiscriminado do habeas corpus, sintoma de falhas que empurram para os tribunais superiores a correção de distorções estruturais? A resposta está longe de ser unânime. Magistrados, membros do Ministério Público (MP), advogados e defensores públicos observam o fenômeno a partir de ângulos diversos, mas uma coisa é certa: o debate convida à revisão crítica do Sistema de Justiça criminal.


Em jogo está não apenas a eficiência da máquina judiciária, mas a própria ideia de justiça em um país que ainda lida com profundas desigualdades. Entre a garantia dos direitos fundamentais e a necessidade de um Judiciário funcional, o habeas corpus continua a ser, mais do que nunca, um termômetro da democracia brasileira.

Uso do habeas corpus como substitutivo recursal

A avalanche de habeas corpus no STJ não é, conforme o desembargador e doutrinador Guilherme de Souza Nucci, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), um problema com causa única ou responsabilidade isolada. Para ele, trata-se de um reflexo complexo de uma engrenagem que funciona com desalinho. Nucci aponta fatores estruturais como o crescimento populacional, a desigualdade social e o avanço da criminalidade como os verdadeiros motores desse cenário, que acaba sobrecarregando o Sistema de Justiça.

No campo processual, ele observa que o habeas corpus vem sendo utilizado, de forma recorrente, como um atalho por advogados que buscam contornar a complexidade dos recursos ordinários. Essa prática, segundo o desembargador, agrava o fenômeno que hoje sobrecarrega o sistema judicial brasileiro. Ele alerta que o uso inadequado do habeas corpus como substituto de recursos previstos no ordenamento jurídico não apenas contribui para o congestionamento dos tribunais superiores, mas também enfraquece o valor constitucional do instituto, originalmente concebido para situações verdadeiramente excepcionais.

Nucci aponta que é comum a impetração de habeas corpus em paralelo à interposição de recursos cabíveis, como o agravo, o que gera distorções processuais. Na visão do magistrado, o enfrentamento desse quadro exige uma resposta institucional articulada entre todas as instâncias do Judiciário: "É fundamental que os tribunais estaduais e regionais federais assumam a postura firme de não conhecer do habeas corpus quando houver recurso próprio cabível e a decisão não for flagrantemente ilegal. Quando isso for feito de forma reiterada, os advogados compreenderão que não é mais possível contornar o sistema recursal com o uso indevido do HC."

O pensamento é compartilhado pelo defensor público Marcos Paulo Dutra, coordenador de Defesa Criminal e do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que vê um paradoxo na jurisprudência atual: embora o STJ tenha consolidado o entendimento de que o habeas corpus não pode substituir recursos ordinários ou especiais, muitos pedidos ainda são aceitos. "Há magistrados que concedem a ordem de ofício diante de decisões teratológicas, o que, embora compreensível em certos contextos, acaba incentivando a manutenção da prática e reforça a ideia de que o HC pode sempre ser uma via alternativa", observa.

Dutra enfatiza que essa ambiguidade jurisprudencial contribui para a banalização do habeas corpus, desviando-o de sua finalidade essencial: a proteção contra abusos e ilegalidades evidentes. Em sua opinião, é necessário um compromisso coletivo com o rigor técnico e com o uso responsável dos instrumentos processuais, de modo a garantir a celeridade e a eficiência do sistema, e também a efetividade da tutela das liberdades individuais.

Falta de compromisso com a observância dos precedentes

Diante de um cenário marcado pela crescente fragmentação decisória, o ministro Ribeiro Dantas, membro da Quinta Turma do STJ, aponta que outra das principais causas do problema é o desrespeito aos precedentes dos tribunais superiores – os quais deveriam justamente garantir coesão e previsibilidade. A ausência de um compromisso sistemático com a jurisprudência consolidada transforma o sistema, nas palavras do ministro, em uma verdadeira "justiça lotérica".

"Um juiz decide de uma maneira em determinada vara; outro, em situação idêntica, adota entendimento completamente oposto", alerta Dantas. O resultado, ele afirma, é um cenário em que decisões judiciais perdem seu caráter de estabilidade, transformando-se em apostas cujo desfecho depende da roleta institucional de quem julga. Nesse sentido, a disciplina na observância dos precedentes, segundo o ministro, não é uma mera formalidade processual, mas um pilar da segurança jurídica.

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Se os julgadores respeitassem de forma mais rigorosa as diretrizes do STF e do STJ, os advogados não teriam razão para insistir em pedidos fadados à negativa sistemática. Isso reduziria significativamente o número de ações e promoveria um ambiente jurídico mais previsível e racional.

Ministro Ribeiro Dantas


O advogado criminalista Caio César Domingues de Almeida, autor do livro Habeas Corpus na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, corrobora essa análise, avaliando que a resistência das instâncias ordinárias em aplicar os entendimentos pacificados nas cortes superiores é um dos motores mais potentes da crise atual: "Quando juízes de primeira e de segunda instância ignoram precedentes consolidados, obrigam os advogados a recorrer ao STJ."

Ele aponta como exemplo paradigmático o HC 598.886, de relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, em que a Sexta Turma do STJ rechaçou uma condenação baseada em reconhecimento que não seguiu o procedimento legal previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal. Para o advogado, apesar da clareza do entendimento, muitos tribunais continuam a desprezar esse marco jurisprudencial, provocando uma enxurrada de novos habeas corpus sobre o mesmo tema.

Na dupla condição de julgador e doutrinador, Guilherme de Souza Nucci considera uma injustiça impor ao réu a necessidade de recorrer ao STJ para obter um benefício garantido pela jurisprudência – ainda que ele próprio não compartilhe do entendimento do tribunal superior.

 


Pedidos reiterados e qualidade técnica da advocacia acendem alerta

No entanto, a falta de observância dos precedentes pelas instâncias ordinárias desencadeia outro problema igualmente grave. Caio Domingues chama atenção para o efeito cascata provocado pela instabilidade na aplicação desses entendimentos: a ausência de uniformidade nas decisões judiciais gera insegurança e imprevisibilidade, cenário em que muitos advogados se sentem compelidos a insistir em novos pedidos, mesmo após a rejeição da tese jurídica, na esperança de que o desfecho varie conforme o magistrado responsável pelo caso.

O advogado comenta que, em vez de respeitar a decisão colegiada que negou o habeas corpus, alguns profissionais optam por apresentar novas impetrações baseadas em fundamentos semelhantes ou idênticos – uma estratégia que, além de ineficaz, contribui para a sobrecarga do Sistema de Justiça. Para ele, o bom exercício da advocacia criminal exige mais do que combatividade: requer responsabilidade, técnica apurada e atuação estratégica.

"É dever do advogado conhecer as ferramentas jurídicas à sua disposição, mas também saber quando e como utilizá-las. O compromisso com a melhor defesa não pode anular o dever de contribuir para um sistema judicial funcional", destaca.

De acordo com Caio Domingues, esse cenário é consequência de um problema ainda mais profundo, frequentemente negligenciado: a falta de domínio técnico necessário para o uso adequado do habeas corpus. Na sua avaliação, a banalização desse instrumento constitucional decorre, em grande medida, da atuação equivocada de profissionais que, por desconhecimento ou até mesmo por excesso de zelo, acabam enfraquecendo a força e comprometendo a credibilidade do remédio jurídico mais emblemático na defesa da liberdade.

"Infelizmente, já vi colegas impetrarem habeas corpus diretamente no STJ contra decisões de primeira instância, o que é um erro grave. A impetração direta na instância superior só é cabível quando esgotadas todas as vias anteriores", afirma. O resultado, segundo ele, é o imediato indeferimento por ministros que, diante de pedidos manifestamente incabíveis, agem com rigor técnico.

Essa visão é compartilhada pelo defensor Marcos Paulo Dutra, que também se mostra preocupado com a perda de qualidade técnica em parte da advocacia criminal. Embora o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) represente um filtro inicial, ele considera que não tem sido suficiente para assegurar um padrão mínimo de preparo profissional. "Isso se reflete diretamente no manuseio inadequado de habeas corpus, que muitas vezes são impetrados sem fundamentação jurídica adequada", explica.

Dutra avalia que a falta de domínio técnico sobre os recursos especiais e ordinários leva muitos advogados a recorrer indevidamente ao habeas corpus como alternativa. "Ele acaba sendo um convite para aquele operador do direito que precisaria se preparar mais, que não estudou tanto. Isso é algo realmente preocupante, porque a banalização do habeas corpus e o seu mau emprego, em muitos casos, acaba eclipsando várias outras hipóteses nas quais ele há de ser, sim, empregado", diz.

 


MP pode colaborar para tornar o sistema mais eficiente, justo e racional

Caio César Domingues de Almeida ainda chama atenção para um ponto que, embora técnico, revela implicações profundas no dia a dia do sistema penal brasileiro: a atuação do Ministério Público na formulação da denúncia. De acordo com ele, há uma resistência injustificada por parte do MP em adequar suas acusações às balizas jurisprudenciais já consolidadas pelo STJ, como, por exemplo, no que diz respeito ao chamado tráfico privilegiado.

"Qual é o problema, entre tantos outros, de o Ministério Público oferecer, desde o início, uma denúncia por tráfico de drogas já reconhecendo a forma privilegiada, se, no caso, a pessoa é primária, tem bons antecedentes, ou a quantidade de drogas é pequena?", questiona o advogado. Ele calcula que essa postura permitiria uma resposta penal mais justa e proporcional, bem como viabilizaria a celebração de acordos de não persecução penal (ANPP) – instrumento que pode encerrar o caso de forma rápida e sem a necessidade de toda a marcha processual.

Na avaliação do advogado, o MP também tem o dever de aplicar de forma coerente e responsável os entendimentos firmados pelas cortes superiores, evitando a perpetuação de práticas que geram desgaste institucional e insegurança jurídica.

Nessa linha, o ministro Rogerio Schietti Cruz, que já foi membro do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), aponta que o órgão ministerial, por vezes, ainda sustenta acusações baseadas em provas que a jurisprudência dos tribunais superiores já reconheceu como inválidas, prática que inevitavelmente fomenta a impetração de habeas corpus – e, não raro, culmina na concessão da ordem para corrigir essas falhas. Para o ministro, essa realidade revela a necessidade urgente de um agir mais criterioso por parte do MP.

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O Ministério Público precisa reconhecer sua parcela de responsabilidade e selecionar melhor os casos que leva adiante, para que o Sistema de Justiça funcione de maneira mais coerente e sustentável.

Ministro Rogerio Schietti Cruz


O ministro ressalta a importância de se levar a fóruns de debate uma reflexão sobre o papel do MP na dinâmica de funcionamento do Sistema de Justiça criminal. Em eventos realizados com membros de Ministérios Públicos estaduais e no Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, Schietti conta que propôs um diálogo direto: de que maneira o MP pode colaborar para tornar o sistema mais justo e racional?

Habeas corpus segue sendo instrumento eficaz contra violações

Apesar das críticas ao uso excessivo do habeas corpus, ele continua a ser um meio relevante e efetivo para proteger a liberdade de indivíduos submetidos a ilegalidade ou abuso de poder. Em contextos de violação de direitos fundamentais, o HC mantém seu papel de remédio jurídico rápido e acessível, como mostra a história registrada no vídeo abaixo.

 
A série especial HC 1 milhão: mais ou menos justiça? debate o aumento expressivo do uso desse instrumento constitucional, trazendo diferentes pontos de vista sobre o fenômeno e o seu impacto nas atividades dos tribunais.

No próximo domingo: propostas para equilibrar a proteção de direitos fundamentais com a necessidade de racionalizar o uso do habeas corpus.

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Saiba o significado de termos publicados nesta notícia:
  • 1º termo - Habeas Corpus: Habeas corpus (sigla HC) é uma ação para assegurar a liberdade de locomoção, quando violada ou ameaçada de violação por ilegalidade ou abuso de poder. Também é o nome da ordem dada pela Justiça para corrigir a ilegalidade.
  • 2º termo - Não conhecer: Ao “não conhecer” do recurso (ou de qualquer pedido), o tribunal está decidindo, por alguma razão preliminar, que ele não será admitido para o exame do mérito. Assim, o tribunal deixa de analisar os argumentos do recorrente, sem acolher nem rejeitá-los.
  • 3º termo - De ofício: Ato de ofício (ex officio) é aquele praticado por autoridade judicial ou administrativa independentemente de pedido da parte interessada.
  • 4º termo - recursos especiais: O recurso especial (sigla REsp) é dirigido ao STJ para contestar possível má aplicação da lei federal por um tribunal de segundo grau. Assim, o REsp serve para que o STJ uniformize a interpretação da legislação federal em todo o país.
  • 5º termo - Denúncia: Denúncia é a petição inicial do processo penal, na qual o Ministério Público apresenta os fatos e os fundamentos jurídicos para pedir a condenação do réu.
Fim do significado dos termos apresentados.

Fonte - STJ