quinta-feira, 26 de junho de 2014

TRF-3ª - Penalidades da lei de improbidade administrativa exigem demonstração concreta de lesão à Administração além de dolo e má-fé

TRF-3ª - Penalidades da lei de improbidade administrativa exigem demonstração concreta de lesão à Administração além de dolo e má-fé
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento a uma apelação ajuizada pelo Ministério Público Federal em ação civil pública para a apuração de conduta ímproba de servidores do Banco Central do Brasil (Bacen). Durante o período de licença sem remuneração para tratar de interesses particulares, eles teriam exercido atividades profissionais em entidades privadas do setor financeiro, em conflito de interesses com a administração pública.

A desembargadora federal Alda Basto, relatora do acórdão, declarou que a imputação de conduta ímproba é eminentemente fática, devendo ser apontada a prática de ato específico por parte do agente para restar configurada a improbidade. Isso significa dizer que deveria ter sido apontado, no caso concreto, fato a partir do qual teria derivado lesão à Administração, tráfico de influência ou outra violação aos deveres funcionais, possibilitando a aplicação das penalidades da Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), “sendo descabida a imputação in abstrato de condutas potencialmente violadoras da probidade administrativa perpetrado no período das licenças”.

Segundo ela, a Lei 8.429/92 define três tipos de improbidade: atos que importam em enriquecimento ilícito (artigo 9); atos que causam prejuízo ao erário (artigo 10); e atos que afrontam os princípios da administração pública (artigo 11). Além disso, é essencial a presença do dolo, caracterizado pela conduta consciente e intencional.

Assim, “para a punição do agente público corrupto e desonesto, bem como do particular que com ele atua, impõe-se a constatação, conjunta, de que a prática do ato de improbidade foi consciente, decorrente de uma conduta antijurídica, associada ao dolo e à má-fé. Sem a prova robusta desse comportamento, não se pode falar em improbidade administrativa”.

A desembargadora considerou, ainda, que, à época dos fatos, a concessão das licenças não remuneradas para atuação no mercado financeiro junto a instituições privadas era admitida pelo Bacen, sendo expressa a proibição aos servidores em efetivo exercício "a prestação de serviços, ainda que eventuais, a empresa cuja atividade é controlada ou fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, salvo os casos de designação específica".

O entendimento foi modificado em agosto de 2006, quando foi incluso o exame de ausência de conflito de interesse no Manual de Serviço do Pessoal do Bacen (MSP), como requisito para a concessão da licença para tratar de interesses particulares, consoante entendimento exarado no parecer 120/2006 e no parecer 243/2007 de Procuradoria-Geral do Bacen. Assim, para a concessão das futuras licenças, a autarquia deveria efetivamente considerar a compatibilidade da atividade particular a ser eventualmente exercida pelo servidor no período de gozo de licença não remunerada com o cargo por ele ocupado no Bacen.

Portanto, “a mudança procedimental deriva de nova interpretação no âmbito da Autarquia, cuja aplicação retroativa em prejuízo do servidor é vedada não só em razão dos princípios gerais norteadores do Direito, como à vista do teor insculpido no artigo 2º da Lei 9.784/99”, concluiu a desembargadora.

Assim, ela considerou que não procede o argumento de que os servidores "estariam se aproveitado da ausência de fiscalização ou controle do Bacen quanto às atividades desempenhadas durante o gozo da licença para tratar de interesses particulares, dedicando-se a atividades no setor privado do Sistema Financeiro", pois era “inequívoca a ciência e anuência da instituição quanto aos pleitos das licenças apresentados pelos funcionários e ao escopo a que destinavam”.

A desembargadora também afirmou que o salário auferido em razão do desempenho de atividades privadas, durante o gozo de licença não remunerada do cargo, não caracteriza enriquecimento ilícito, uma vez inexistir efetivo exercício da função pública e percepção cumulativa de vencimentos.

Portanto, a Quarta Turma do TRF3 concluiu que “apesar de não ser endossável, lato sensu, a conduta dos agentes públicos que se afastaram de seus cargos junto ao Bacen para atuar no mercado financeiro privado, pois a priori incompatível com a função pública desempenhada, mesmo no gozo de licença para tratar de interesses particulares, restou demonstrada a ação dos requeridos em conformidade aos regramentos à época vigentes (Lei 8.112/90, Lei 9.650/98, Portaria Bacen/Secretaria Executiva 35.817/2006) e mediante anuência da autarquia, em evidente boa-fé, não sendo possível considerar o grau de reprovação da conduta na seara ética como prova inequívoca de dolo e má-fé para fins de configuração de improbidade administrativa”.

Apelação Cível: 0020625-54.2009.4.03.6100/SP

Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região/AASP

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