TJMG – Supermercado deverá indenizar cliente ofendido por funcionárias
“A sociedade brasileira como um todo precisa amadurecer, e muito, no
respeito para com as diferenças de cada um, cumprindo ao próprio Estado
reprimir toda e qualquer forma de preconceito e inferiorização das ditas
minorias. Especialmente considerando os estudos apontados, que mostram
resultados assustadores acerca da homofobia no Brasil: sete em cada dez
homossexuais brasileiros já sofreram algum tipo de agressão, seja física
ou verbal. Cresce violência contra pessoas LGBT; a cada 25 horas, uma é
assassinada no País.”
Com essas considerações, o desembargador Luiz Artur Hilário, da 9ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), proferiu
voto condenando o C. Comércio e Indústria Ltda., na unidade Vitório
Marçola, no Bairro Anchieta, a pagar indenização de R$ 30 mil por danos
morais a um consumidor, ofendido por funcionárias do hipermercado. Em
seu voto, ele foi seguido pelos desembargadores Amorim Siqueira e José
Artur Filho. A decisão confirmou sentença proferida pela 30ª Vara Cível
da Comarca de Belo Horizonte.
O consumidor narrou nos autos que em 28 de fevereiro de 2015 estava
no hipermercado com a mãe, não havendo guichês suficientes para
atendimento adequado ao público. Afirmou que “longas filas de espera se
formavam” e, após esperar por mais de 60 minutos na fila de um dos
caixas, ao chegar sua vez, foi informado pela balconista que não poderia
efetuar o pagamento ali, uma vez que aquele caixa somente processava as
compras com pagamento em dinheiro.
O consumidor afirmou que tentou efetuar a transação com o cartão C. e
tentou resolver o impasse conversando com a funcionária, mas ela foi
incisiva em não receber o pagamento, mesmo depois que ele demonstrou que
no local não existia nenhuma sinalização de que naquele caixa o
pagamento somente seria efetuado com dinheiro em espécie.
De acordo com o consumidor, a partir daí a funcionária começou a
hostilizá-lo, orientando-o a ingressar em outra fila e afirmando que ele
teria ingressado naquela fila “porque quis” e porque era “intrometido”.
A certa altura, passou a questionar se ele era “cego” ou “surdo”, até
que a funcionária do caixa ao lado disse que ele, além de “cego e
surdo”, era “bicha”. Os insultos teriam sido acompanhados de chacotas,
risadas e imitações caricatas da voz dele, na presença da mãe e de
várias pessoas. A PM foi acionada, e as duas funcionárias abandonaram o
local, negando-se a oferecer explicações. Um subgerente o teria
acompanhado na diligência.
Em sua defesa, o supermercado afirmou que os fatos narrados pelo
consumidor não tinham sido devidamente comprovados. Afirmou ainda que
não admitia falhas de seus funcionários “no que tange ao tratamento e
atendimento aos seus consumidores”, não merecendo crédito os relatos
registrados em boletim de ocorrência.
Contudo, em primeira instância, a 30ª Vara Cível da Comarca de Belo
Horizonte condenou o supermercado a pagar ao consumidor indenização por
danos morais no valor de R$ 30 mil. O estabelecimento comercial
recorreu, reiterando suas alegações e afirmando que a sentença teria se
baseado em “meras e infundadas alegações”.
Responsabilidade objetiva
Ao analisar os autos, o desembargador relator, Luiz Artur Hilário,
observou que o caso deveria ser tratado à luz do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), tendo em vista a relação de compra e venda de
mercadoria entre as partes. “A responsabilidade civil de
supermercados/hipermercados por atos praticados por seus prepostos é
objetiva e somente pode ser afastada pelas excludentes previstas no CDC,
dentre elas, ‘culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros’”, indicou.
Na avaliação do desembargador, cabia ao supermercado o dever de
indenizar o consumidor, uma vez que os fatos narrados pelo cliente
haviam sido “devidamente comprovados” nos autos por meio do boletim de
ocorrência e “prova testemunhal firme e clara quanto à situação
manifestamente constrangedora a que o autor foi submetido”.
O desembargador afirmou ser improcedente a afirmativa de que o
boletim de ocorrência não era documento hábil a comprovar os fatos,
especialmente considerando que o próprio gerente do supermercado
registrou sua narrativa dos fatos perante a Polícia Militar. “Ademais, o
boletim de ocorrência não é prova única dos fatos narrados, cujo teor
ali descrito foi ratificado fielmente pelos depoimentos colhidos na
instrução processual”, acrescentou.
O magistrado observou ainda que a empresa não trouxe nos autos
qualquer filmagem interna do estabelecimento que pudesse demonstrar a
inexistência de tumulto ocorrido no dia. “Tudo indica que os arquivos
não foram apresentados propositalmente, a fim de se esquivar de eventual
condenação”, afirmou o relator.
Iguais perante a lei
Entre outros pontos, o relator afirmou que os fatos comprovados nos
autos confirmavam a presença de dano moral: “Observa-se claramente que
as prepostas buscaram, em público, humilhar e desrespeitar a parte
autora, direcionando a ela palavras como ‘você é burro ou surdo?’ ou,
ainda, ‘só poderia ser bicha mesmo’, demonstrando a intenção de ofender o
consumidor perante terceiros”.
O relator afirmou ainda caber ao TJMG “reprimir de forma firme e dura
a conduta ilegal praticada pela ré, de forma a tentar reparar, ao menos
minimamente, os danos morais ocasionados à parte autora e, ao menos,
levar a apelante à reflexão acerca da necessidade de aprimoramento do
treinamento de seus colaboradores”.
Julgando adequado o valor fixado em primeira instância, tendo em
vista, entre outros aspectos, as peculiaridades do caso e as condições
da vítima e do ofensor, ele manteve o valor de R$ 30 mil a título de
indenização por dano moral.
Processo: 1.0000.18.021808-3/001
Fonte: Tribunal de Justiça de Minas Gerais/AASP
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