TJDFT – Juiz proíbe utilização de animais em vaquejadas no DF sob pena de multa de 50 milhões por infração
O juiz da Vara do Meio Ambiente,
Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal proibiu a
utilização de animais em provas de perseguição, laceio ou derrubada em
vaquejadas no Distrito Federal, sob pena de multa no valor de R$ 50
milhões para cada ato de descumprimento da ordem judicial, e sem
prejuízo da responsabilidade criminal pela desobediência e por
maus-tratos aos animais. A sentença de mérito foi proferida na Ação
Civil Pública ajuizada pela Bsb Animal Proteção e Adoção contra o DF e a
empresa Parque de Vaquejada Maria Luiza.
De acordo com o magistrado, a utilização de animais nesse tipo de
evento deve ser limitada à comercialização e à exposição, sempre em
ambiente adequado e com amparo médico-veterinário condizente. Na mesma
decisão, o DF foi condenado na obrigação de não autorizar a realização
das provas elencadas, bem como de fiscalizar o respeito à proibição
imposta pela Justiça.
Ao fundamentar a decisão, o juiz abordou aspectos relevantes sobre a
complexa demanda: a questão dos maus-tratos/crueldade contra animais;
aspectos éticos; a questão cultural/esportiva da prática da Vaquejada; e
os interesses econômicos por trás desses tipos de eventos.
“A discussão travada neste processo pode ser considerada uma das mais
antigas e polêmicas que pontuam o direito ambiental brasileiro, e que
pode ser resumida na seguinte questão: a prática da utilização de
animais na Vaquejada é legítima e compatível com a ordem constitucional
nacional?”, questionou o magistrado ao adentrar no mérito da ação.
Crueldade/Maus-tratos
“Não pode haver dúvidas de que a Constituição proíbe terminantemente a
crueldade contra animais, o que decorre, obviamente, da formalização da
consciência ética atualmente vigente e do consenso sobre o que se pode
entender como uma proteção razoável à fauna. São inúmeras as
manifestações de médicos veterinários, juristas e técnicos no que
concerne aos maus-tratos aos animais em provas de vaquejadas e
similares. Destacamos dois pareceres técnicos reconhecidos publicamente,
com os quais concordamos.‘Os maus tratos que os animais são submetidos
não se restringem aos poucos minutos das provas em que são utilizados,
mas também a todo o período de treinamento a que são submetidos para os
condicionamentos necessários à realização das provas. Para atender
critérios e normas regulamentares, os vaqueiros são obrigados a cumprir a
prova dentro de um curto espaço de tempo, e em espaço físico restrito, o
que demanda repetição intensiva dos procedimentos nos períodos de
treinamento. Portanto, é fundamental que também se avalie e analise o
processo do ponto de vista mental e físico, não apenas na arena, mas
também nas etapas que contemplam o antes e o depois’.
“Ainda conforme esses pareceres, há possibilidades de ocorrência de
lesões físicas e de vivência de dor/sofrimento antes, durante e após o
evento da Vaquejada. Durante a prova, a derrubada do animal se dá por
meio de uma torção no rabo, o que ocasiona lesões traumáticas na medula
espinhal e muitas vezes resulta no desmembramento da cauda. Já a laçada
exige que o boi saia em disparada, motivo pelo qual se procede a prévio
molestamento por meio de choques elétricos e estocadas, levando o animal
a extremo estado de agitação e estresse. Tais condutas importam em
violação ao art. 225, caput e § 1º, da Constituição Federal, porque
implicam na submissão de animais à crueldade”.
Aspectos éticos
“Recordando-se que a articulação ética fundamental, seja ela chamada
de “regra de ouro” ou de “imperativo categórico”, exige que não se faça
aos outros o que não se deseja que se faça a si mesmo, ou considera que
uma conduta pode ser considerada boa se puder ser universalizada e
transformada em norma, a utilização de animais em práticas “esportivas”
que causam dor e terror é francamente antiética, além de
inconstitucional, dado que, salvo os pervertidos denominados
“masoquistas”, nenhum ser senciente aprecia a dor e o pavor; logo, a
conduta de se lançar animais ao sofrimento, para o puro divertimento e
esporte de alguns, não teria como ser racionalmente universalizada, ou
seja, não poderia jamais ser reputada como eticamente defensável”.
A questão cultural
“Aqui vale destacar que, ao menos na acepção acolhida pela ordem
jurídica, a cultura que interessa proteger é não apenas a herança de
comportamentos e ideias tradicionais, mas aquela tradição que se coadune
com valores reconhecidos pela sociedade como elevados e úteis ao
processo civilizatório. É que determinadas tradições podem ter sido
aceitas e até celebradas em determinado momento histórico, mas
tornarem-se inadmissíveis em outro, conforme evolução da consciência
ética da sociedade ou determinada por fatores outros. Temos como
exemplo, a superada “cultura” da supremacia masculina, que outrora
justificava até mesmo a violência doméstica, o que era fomentado
inclusive pela ordem jurídica então vigente – ilustrando o que se está a
dizer, há não muito tempo o Código Civil consagrava o homem como
“chefe” da família, e a jurisprudência não reconhecia como estupro a
conjunção sexual praticada à força pelo marido, sob a suposição de que
estaria apenas a exigir o “débito conjugal”, noções hoje reconhecidas de
modo quase unânime como repugnantes. Outro exemplo: hoje em dia, quando
o País assiste aterrado o desnudar da corrupção generalizada revelada
por variadas “operações” policiais e judiciais, fala-se numa “cultura da
corrupção” a empestear as práticas políticas nacionais. É fato notório
para quem tenha um mínimo de senso crítico reconhecer uma realidade
incômoda, mas impossível de ser desprezada: poucas coisas são mais
“tradicionais” no Brasil que a “cultura” de se utilizar o Estado como
meio de tutela de interesses pessoais de determinadas castas (estude-se a
História política nacional, e se perceberá que muitas famílias que
dominavam a política desde o Brasil colônia ainda mantêm representantes
nas diversas esferas de poder, na constituição de uma “cultura” tão
perversa como antidemocrática). É evidente que não são estas as
modalidades de “cultura” protegidas pela Constituição, mas apenas as
formas de cultura que tendam a elevar o espírito das gerações humanas,
em conformidade com a evolução científica e ética da sociedade”.
“A cultura é inerentemente mutável, e a dinâmica de suas mutações é
tanto mais acelerada quanto mais sofisticada for a evolução do
conhecimento científico e da reflexão ética. Em determinadas situações, o
abandono de uma cultura não equivale à morte ou empobrecimento, mas à
evolução da sociedade. Para demonstrar que determinados traços culturais
relativos a usos cruéis de animais podem sucumbir ante a evolução ética
e jurídica da sociedade, basta recordar o caso das rinhas de galos.
Atualmente, não mais se questiona a natureza injurídica, até mesmo
criminosa, de tais eventos. Contudo, era prática com raízes culturais
bem mais robustas que a Vaquejada, em todo o Brasil”.
Interesses econômicos
Segundo o magistrado, as consequências econômicas da vedação à
Vaquejada foram especialmente lamentadas pelos defensores da prática. No
entanto, afirmou: “Um aspecto que deve ser ressaltado é que o interesse
econômico não prevalece sobre o ordenamento jurídico, por mais poderoso
que seja. Ao revés, o que denomina atualmente “direito ambiental”
constitui-se exatamente de um complexo de limitações jurídicas contra os
excessos do capitalismo e da ambição humana, posto que a ausência de
limites à ambição leva à depredação completa de todos os recursos
naturais, o que conduziria ao perecimento de todos – reitere-se o que
fora dito acima: a depredação da natureza atenta contra a Humanidade,
que precisa de um ambiente saudável para viver dignamente”.
De todo modo, acrescentou, “como realçado pelo parlamentar autor da
Lei Distrital, as vaquejadas abrigam uma miríade de atividades
econômicas, que podem perfeitamente ser preservadas, com a exclusão
apenas das provas cruéis com animais. Neste descortino, soa
perfeitamente compatível a manutenção da Vaquejada (cuja proibição não
fora requerida neste feito, salvo no que refere à utilização de
animais), para a manutenção de toda a atividade comercial e cultural
referida acima, preservando-se os animais das práticas cruéis a que são
submetidas numa dentre tantas atividades realizadas. Satisfaz-se, com
isso, a ambição pelo dinheiro, que é evidentemente o grande móvel dos
defensores do evento, respeitando-se a diretriz constitucional de
resguardo dos animais contra a crueldade humana”, concluiu.
Saiba mais sobre o controvertido tema
A ação em questão tramita na Vara do Meio Ambiente desde 2015 e foi
ajuizada com pedido liminar para suspender uma Vaquejada que iria
acontecer em Planaltina. O evento acabou sendo proibido. Depois disso, o
tema ganhou repercussão nacional, quando o STF, com o placar apertado
de 6 votos a 5, julgou inconstitucional a lei cearense 15.299/2013, que
regulamentava a Vaquejada naquele Estado. O julgamento aconteceu em
outubro de 2016.
Nesse mesmo ano, no mês de novembro, foi publicada a Lei Federal 13.364/2016,
que elevou o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões
artístico-culturais, à condição de manifestação cultural nacional e de
patrimônio cultural imaterial.
No TJDFT, em março de 2017, o Conselho Especial julgou improcedente a
Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo MPDFT contra a Lei
Distrital 5579, que reconheceu a Vaquejada como modalidade esportiva no
Distrito Federal. Na ocasião, o colegiado decidiu que a prática não
configura maus-tratos contra animais e tem natureza recreativa e
cultural, conforme disposto na Lei Federal 13.364/16, que dispôs sobre o
tema em âmbito nacional.
Sobre essa decisão da 2ª Instância, o juiz da Vara do Meio Ambiente
esclareceu: “Não há, na presente decisão, quebra de reverência e
acatamento à decisão do e. TJDFT, que julgou a lei local constitucional à
luz da Lei Orgânica desta unidade da Federação, mas acatamento e
harmonização do caso concreto à inconstitucionalidade reiteradamente
afirmada pelo STF em situações idênticas, perfazendo-se a diretriz
processual de harmonização e respeito aos precedentes dos órgãos
superiores”.
E, concluiu, “sobre a alegação de contrariedade à declaração de
constitucionalidade da lei local que autoriza a realização de vaquejadas
pelo TJDFT, observo que a presente demanda não visa proibir pura e
simplesmente a Vaquejada, mas apenas a condenação em obrigação de não
fazer, “determinando a proibição de utilização de animais no referido
evento””.
Ainda cabe recurso da sentença de 1ª Instância.
Processo: 2015.01.1.017379-7
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios/AASP
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