Perspectiva antirracista no Sistema de Justiça Criminal é debatida na EPM
Palestraram Inês Prado, Jarbas Santos e Fabio Esteves.
A
Escola Paulista da Magistratura (EPM) promoveu na quarta-feira (10) o
seminário Perspectiva antirracista no Sistema de Justiça Criminal, sob a
coordenação do desembargador Gilberto Leme Marcos Garcia, supervisor do
Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do
Tribunal de Justiça de São Paulo, e da juíza Maria Fernanda Belli,
assessora do GMF. Participaram como expositores a procuradora-geral do
Estado de São Paulo, Inês Maria dos Santos Coimbra de Almeida Prado, e
os juízes Jarbas Luiz dos Santos, do TJSP, e Fabio Esteves, do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e Territórios. O curso teve 793 inscritos
nas modalidades presencial e on-line.
A
abertura dos trabalhos foi feita pela juíza Camila de Jesus Mello
Gonçalves, conselheira da EPM, representando o diretor. Ela agradeceu a
participação de todos, em especial dos palestrantes, e cumprimentou os
coordenadores pela iniciativa, lembrando que a Escola realizou cursos
sobre racismo e discute a temática nos cursos de formação inicial e
continuada de magistrados, cumprindo agenda nacional do Poder Judiciário
e as resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “sensível à
importância do tema e de aprofundarmos a reflexão sobre a perspectiva
antirracista no Judiciário”.
O
desembargador Leme Garcia enfatizou o papel da cultura afro-brasileira
na construção histórica do Brasil e a necessidade de maior
representatividade da população negra, especialmente no Sistema de
Justiça, ponderando que a existência do chamado racismo estrutural no
sistema de Justiça Criminal é parte do racismo da sociedade. Apontou
como a gênese do problema o fato de que a Lei Áurea pôs fim à
escravidão, mas não trouxe medidas sociais para garantir sobrevivência
digna das pessoas até então escravizadas. “Essa situação perdurou mais
de 120 anos, quando as primeiras medidas de inclusão foram
estabelecidas, e novamente houve forte resistência das elites. A meu
ver, não vai mudar enquanto a população não aceitar a perda de
privilégios”, ponderou, frisando a importância da postura antirracista e
da conduta proativa.
A
procuradora do Estado Inês Prado discorreu sobre o papel do Judiciário e
dos órgãos da Justiça em relação ao racismo. Ela recordou a evolução do
sistema prisional no Brasil, destacando marcos do combate ao racismo e
reflexos da herança escravista na atuação dos agentes da Justiça e na
aplicação da legislação antirracista. Mencionou dados sobre o percentual
de negros na população brasileira (51%) e na população penitenciária do
país (67,5%) e salientou que os negros representam 61% dos presos no
estado de São Paulo, apesar de serem 35% da população. Citou ainda
problemas como a quase ausência de educação antirracista na rede de
ensino e o baixo percentual de pessoas negras no sistema de Justiça,
ponderando que as políticas afirmativas e as cotas são importantes, mas
não suficientes, apontando a necessidade de repensar a formação
jurídica. “Não é possível fazer justiça sem abrir mão de algo pelo outro
e a pergunta é: nós realmente estamos dispostos a fazer isso?”,
concluiu.
O
advogado José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares,
presidente de honra do evento, afirmou que a discussão da agenda
antirracista em um evento do Poder Judiciário, próximo ao aniversário de
135 anos da assinatura da Lei Áurea (13 de maio) é auspiciosa: “essa
iniciativa nos enche de esperança e permite constatar como essa
perspectiva de mudança é exequível, se tivermos disposição e vontade de
fazê-la. Nessa mesa, vemos a potência e a possibilidade do sonho e do
compromisso com essa transformação”.
O
juiz Jarbas dos Santos discorreu sobre o tema “Os equívocos no
enfrentamento do racismo e seus reflexos”, apresentando um panorama
histórico-conceitual e hermenêutico. Citou como exemplo da importância
conceitual a discussão jurídica na distinção entre o que é racismo e o
que é injúria racial, que têm consequências jurídicas muito distintas. E
esclareceu a natureza estruturante do racismo: “a sociedade e todas as
relações nela estabelecidas são perpassadas pelo racismo, ainda que
muitas vezes não nos atentemos a isso”. O expositor explanou também
sobre a prática institucionalizada do racismo, que se tornou
naturalizada e justificada e o papel da magistratura no sistema de
repressão penal.
O
juiz Fabio Esteves explanou sobre o perfilamento racial no sistema de
Justiça Criminal. Ele explicou que perfilamento, segundo a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), é uma tática adotada por
supostas razões de segurança e proteção pública motivada por
estereótipos baseados em raça, cor, etnia, idioma, descendência,
religião, nacionalidade, local de nascimento ou combinação desses
fatores, em vez de suspeitas objetivas, o que tende a isolar indivíduos
ou grupos de forma discriminatória, com base na suposição errônea de que
pessoas com tais características são propensas a se envolver em crimes
específicos. Citou jurisprudência e falou sobre as consequências desse
perfilamento, como a criminalização de certas categorias de pessoas,
reforço de associações estereotipadas enganosas, taxas de encarceramento
desproporcionais, maior vulnerabilidade ao abuso de força ou autoridade
por parte de policiais, subnotificação de atos de discriminação racial e
crimes de ódio e condenação com penas mais duras.
O
desembargador Luiz Antonio Cardoso, coordenador da Coordenadoria
Criminal e de Execuções Criminais do TJSP, salientou que não se pode
esperar mais cem anos para que ocorram transformações concretas. Ele
lembrou que o sistema prisional está abarrotado e que o número de negros
prevalece. “Quando olhamos para o todo, vemos que algo está errado”,
observou. Ele frisou que a participação da sociedade na execução da pena
é imprescindível, contribuindo para a recuperação das pessoas. E
lembrou que a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) determinou a
criação em todas as comarcas de conselhos da comunidade formados por
advogado, defensor público, assistente social e representantes da
sociedade, mas disse não se recordar de ver pessoas negras participando
desses conselhos e assumiu o compromisso de incentivar essa
participação.
Comunicação Social TJSP - MA e RF (texto) / MB (fotos)
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