É inconcebível que ainda sobreviva no Estado brasileiro resíduo de autoritarismo, diz Celso
Relator do inquérito que investiga se Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, o decano do STF disse que é preciso resistir “com as armas legítimas da Constituição e das leis dos Estado brasileiro”
Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA
16 de junho de 2020 | 15h54
16 de junho de 2020 | 15h54

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello. Foto: Dida Sampaio/Estadão
O
decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello,
disse nesta terça-feira (16) que é “inconcebível” que ainda haja resíduo
de autoritarismo dentro do Estado brasileiro. Relator do inquérito que
investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente
na Polícia Federal, Celso disse que é preciso resistir “com as armas
legítimas da Constituição e das leis do Estado brasileiro” e observou
que “sem juízes independentes, jamais haverá cidadãos livres neste
País”.
Em um discurso
endereçado a Bolsonaro, ainda que sem mencioná-lo explicitamente, Celso
criticou a postura “atrevida” de não se cumprir ordens judiciais. No mês
passado, o presidente da República disse que não entregaria seu celular, mesmo se houvesse decisão da Justiça nesse sentido. O pedido de partidos da oposição para apreender o aparelho do presidente, no entanto, acabou arquivado pelo próprio ministro.
“Esse
discurso (de não cumprir decisões judiciais) não é um discurso próprio
de um estadista comprometido com o respeito à ordem democrática e que se
submete ao império da Constituição e das leis da República. É
essencial relembrar a cada momento as lições da história, cuja
advertência é implacável, como assinalava o saudoso ministro Aliomar
Baleeiro: ‘Enquanto houver cidadãos dispostos a submeter-se ao arbítrio
sempre haverá vocação de ditadores’. É preciso resistir, mas resistir
com as armas legítimas da Constituição e das leis dos Estado brasileiro e
reconhecer na independência da Suprema Corte a sentinela das
liberdades”, disse o decano.
A
fala do decano foi feita durante a sessão da Segunda Turma, quando
integrantes do STF saíram em defesa da democracia, da Constituição e da
atuação de juízes, além de condenarem os ataques ao tribunal, em meio à
escalada de tensões na relação com o Palácio do Planalto.
Ao
longo das últimas semanas, o Supremo tomou uma série de decisões que
contrariaram os interesses do Palácio do Planalto, como a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal,
a proibição da expulsão de diplomatas venezuelanos, a limitação do
alcance do salvo-conduto a gestores públicos e o entendimento de que prefeitos e governadores têm autonomia para tomar iniciativas de combate ao novo coronavírus.
Coragem.
Coube à presidente do colegiado, ministra Cármen Lúcia, abrir a sessão
demonstrando, em suas próprias palavras, “preocupação” com o cenário
nacional.
“Atentados contra
instituições, contra juízes e contra cidadãos que pensam diferente
voltam-se contra todos, contra o País. A nós, cabe manter a
tranquilidade, mas principalmente a coragem, a dignidade de continuar a
honrar a Constituição, cumprindo a obrigação que nos é expressamente
imposta de guardá-la para garantir a sua aplicação a todos e por todos.
Constituição não é um artifício e direitos não são de menor importância,
são conquistas”, observou a presidente do colegiado, ministra Cármen
Lúcia.
“Que não se cogite
que a ação de uns poucos conduzirá a resultado diferente do que é a
convivência democrática. E não se cogite que se instalará algum temor ou
fraqueza nos integrantes da magistratura brasileira. Este tribunal é
presente, está presente, permanecerá presente e atuante cumprindo seus
compromissos institucionais com a República”, completou Cármen.
O
ministro Edson Fachin concordou com Cármen. “Temos de sair da crise sem
sair da democracia. A saúde da democracia é também a saúde das
instituições”, afirmou.
As
relações do STF com o Palácio do Planalto também ficaram estremecidas
após a declaração do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que disse
na reunião ministerial de 22 de abril que, por ele, “botava esses
vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”. No último domingo,
Weintraub furou o bloqueio na Esplanada dos Ministérios e se encontrou
com manifestantes em frente ao Ministério da Agricultura. Ao conversar
com o grupo, o ministro disse: “Eu já falei a minha opinião, o que faria
com esses vagabundos”.
No
sábado, um grupo de 20 manifestantes bolsonaristas soltou fogos de
artifício em direção à sede do Supremo, enquanto xingavam ministros do
tribunal. Outro episódio de atrito veio após o presidente Jair Bolsonaro
divulgar nota, assinada com vice-presidente Hamilton Mourão e o
ministro da Defesa, Fernando Azevedo, em que afirma que as Forças
Armadas “não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da
República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos”
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