Um ministro que dorme pouco e tira o sono do Planalto
BRASÍLIA - Alexandre de Moraes
dorme pouco – em média, três, quatro horas por dia, mantendo hábito da
adolescência. Enquanto cumpre a quarentena em São Paulo, com rotina de
trabalho madrugada adentro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
“tira o sono” de empresários, parlamentares, youtubers e extremistas
bolsonaristas, que entraram na mira de investigações acompanhadas com
apreensão pelo Palácio do Planalto. Uma delas, o inquérito das fake news
– sobre ameaças, ofensas e notícias falsas disseminadas contra
integrantes do STF e seus familiares – não vai acabar tão cedo. O Estadão apurou que o processo deve ser prorrogado por, no mínimo, 180 dias.
Um
acidente trágico, duas escolhas cruciais e a “mão de Deus” colocaram o
ministro “novato” do Supremo no epicentro das maiores questões
jurídico-políticas da atualidade. Em 2017, o relator da Operação Lava
Jato na época, Teori Zavascki,
morreu em acidente aéreo, abrindo uma inesperada vaga para o STF. O
então presidente Michel Temer optou por Moraes, ex-ministro da Justiça e
ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que já tinha
resolvido um caso envolvendo ameaças contra a então primeira-dama,
Marcela Temer.
A mesma expertise de Moraes, que mantém até hoje
conexões com o Ministério Público e a Polícia Militar de São Paulo, foi
decisiva para o presidente do STF, Dias Toffoli, escolher o colega como
relator do controverso inquérito das fake news. A investigação fechou o
cerco sobre o chamado “gabinete do ódio”, grupo de assessores do
Planalto comandado pelo vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos).
A existência desse núcleo foi revelada em reportagem do Estadão no ano passado.
Com
o sigilo que ronda os trabalhos do inquérito das fake news, nem os
integrantes da Corte sabem ao certo dos desdobramentos da apuração,
conduzida por cinco delegados da Polícia Federal de confiança de Moraes.
É o mesmo time que atua em outro inquérito, que se debruça sobre a
organização e o financiamento de atos antidemocráticos. Nesse caso, o
algoritmo do STF – responsável pela distribuição eletrônica dos
processos da Corte – fez com que o caso parasse no gabinete de Moraes.
Para um integrante do tribunal, foi “a mão de Deus”.
Moraes também
foi efetivado recentemente como ministro titular do TSE, onde tramitam
oito ações que investigam a campanha de Bolsonaro em 2018. As mais
delicadas são as quatro que tratam do disparo de mensagens pelo WhatsApp
– e que podem receber provas compartilhadas do inquérito das fake news.
“É uma coincidência muito particular: ao mesmo tempo que isso dá maior
visibilidade dos fatos ao ministro Alexandre, o coloca como vidraça
preferencial do bolsonarismo”, disse o advogado criminalista Davi
Tangerino, professor da FGV-SP.
“Moraes tem casca grossa, como se
diz no jargão popular. O sistema punitivo está no DNA do ministro,
talvez motivo pelo qual tenha sido eleito por Toffoli para a missão. Não
compra brigas desnecessárias na Corte e vota com brevidade e clareza”,
avaliou. “Alexandre parece ser o homem certo, no momento certo.”
O próprio Moraes já disse a interlocutores que o “couro” ficou ainda mais resistente depois sua passagem pelo Poder Executivo.
Trégua
Os
riscos de uma eventual cassação da chapa Bolsonaro-Mourão preocupam o
Planalto. No entorno de Bolsonaro, há quem considere Moraes, ex-filiado
do PSDB, um ministro “militante” e veja com desconfiança sua proximidade
com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Caberá ao ministro
comandar o TSE nas próximas eleições presidenciais, em 2022.
Em
meio ao clima de tensão entre o Planalto e o Supremo, Bolsonaro enviou
três emissários no último dia 19 a São Paulo para tentar uma trégua com o
ministro, que já havia contrariado o presidente da República ao suspender a nomeação de Alexandre Ramagem
para a direção-geral da Polícia Federal. Os ministros Jorge Oliveira
(Secretaria-Geral), André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e José
Levi Mello (Advocacia-Geral da União) almoçaram e ficaram cerca de três
horas na casa de Moraes.
Um dos participantes do encontro disse
que seria uma “loucura” discutir as investigações na ocasião, mas
observou que a mera existência da conversa já é um gesto para
distensionar o ambiente beligerante que ronda a Praça dos Três Poderes.
Um deles lembrou que a harmonia é “essencial”. Integrantes do STF
avaliam que a agenda não vai mudar em nada o rumo dos inquéritos.
É
em seu apartamento, no bairro Jardim Europa, que Moraes tem ficado
isolado para se proteger da pandemia, ao lado de sua mulher, a advogada
Viviane Barci de Moraes, com quem é casado há 28 anos. A distância,
participa por videoconferência das sessões do STF. Volta e meia,
beberica uma água de uma caneca do Corinthians (presente do 3.º Batalhão
de Choque da PM de São Paulo), quebrando assim o tom solene dos
julgamentos.
Moraes aproveita a quarentena para terminar três
leituras simultâneas: Marco Aurélio: O imperador filósofo; Sermão do
Mandato de Padre Antônio Vieira; e Fascismo – Um Alerta – em que a
autora, a ex-secretária de Estado dos Estados Unidos Madeleine Albright,
aponta que o fascismo ainda é uma ameaça à paz. Em solenidade no mês
passado, Moraes deu o recado: “Não há democracia sem Poder Judiciário
forte. E não há Poder Judiciário forte sem um juiz independente, altivo e
seguro”.
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