TJGO – Pai deverá pagar à filha indenização de 100 mil por abandono afetivo
O juiz Peter Lemke Schrader, da
comarca de São Luís de Montes Belos, condenou um pai a pagar R$ 100 mil à
filha mais velha a título de dano moral por abandono afetivo. A
ausência do genitor teria ocasionado quadro depressivo e prejuízos de
ordem moral à jovem. De acordo com a autora do processo, ela nunca
recebeu afeto, amor e nem oportunidade de convivência com o pai, tendo
sido desamparada afetiva e materialmente por ele. Afirmou que durante a
infância e adolescência morou em São Luís de Montes Belos, mas que o
genitor nunca teria comparecido às festas de aniversários, datas
comemorativas, reuniões e momentos festivos na escola e que, por conta
do descaso, chegou a sofrer bullying. Além disso, argumentou que o réu
por diversas vezes deixou de pagar pensão alimentícia, tendo retornado a
fazê-lo somente após o ajuizamento de ações na Justiça.
Em sua defesa, o genitor afirmou que não há comprovação dos danos
sofridos e que não houve abandono afetivo. Garantiu que sempre nutriu
afeto, mas a genitora dificultou a aproximação entre ele e a filha.
Afirmou, ainda, passar por problemas de saúde, sofrendo de artrose aguda
no ombro, o que reduz sua capacidade laboral e econômica.
Juízo
Para o magistrado que analisou o caso, não se pode admitir que a
atuação lesiva do genitor cessou no momento em que a filha atingiu a
maioridade. “O sofrimento que se segue é a perpetuação dos efeitos
passados”, afirmou, acrescentando que a dor e o sofrimento
experimentados não só se reforçam, mas renascem a cada dia em que acorda
e se vê sozinha, sem direito ao abraço, atenção, cuidado e companhia
paterna.
Segundo relato de uma testemunha, a mãe se afastou do país quando a
requerente tinha cinco anos, tendo ficado ausente por 10 anos, vindo ao
Brasil de tempos em tempos. “Ora, se a dificuldade de convivência com a
genitora fosse o empecilho para a aproximação, no momento em que a mãe
foi morar no exterior não haveria mais razão a impedir o réu de buscar o
convívio com a filha”, frisou o juiz Peter Schrader, rechaçando a tese
de defesa do réu.
“Se a autora, mesmo passando por problemas psicológicos, vem
conseguindo vencer os obstáculos a fim de galgar posição mais favorável,
buscando sua realização pessoal e profissional por cursar medicina,
isso demonstra que, apesar das dificuldades, é uma pessoa forte e
deveria ser motivo de orgulho para o réu”, afirmou o magistrado,
condenando o genitor ao pagamento de R$ 100 mil, acrescidos de juros a
partir de maio de 2013.
Abandono Afetivo
Peter Schrader explicou que o abandono afetivo se materializa quando,
por vontade própria e com plena consciência da atitude, o ascendente
deixa de prestar o necessário e obrigatório dever de cuidar e assistir
afetivamente seu descendente. Segundo ele, a conduta pode ser definida
pelo ato omissivo ou comissivo do genitor –– quando o agente faz alguma
coisa que estava proibido ––, que conscientemente não desempenha a
paternidade de forma adequada.
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Em setembro de 2015, a Comissão de Direitos Humanos aprovou, por meio do Projeto de Lei do Senado (PLS) 700/2007, uma mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente,
que impõe reparação dos danos ao pai ou à mãe que deixar de prestar
assistência afetiva aos filhos, seja pela convivência, seja por
visitação periódica, passando a caracterizar o abandono moral dos filhos
como ilícitos civil e penal.
O PLS propõe a prevenção e solução de casos “intoleráveis” de
negligência dos pais para com os filhos e estabelece que, o artigo 3º do
ECA, passe a vigorar acrescido de artigo que prevê pena de detenção de
um a seis meses para “quem deixar, sem justa causa, de prestar
assistência moral ao filho menor de 18 anos, prejudicando-lhe o
desenvolvimento psicológico e social”. O projeto foi remetido à Câmara
dos Deputados em outubro de 2015.
Família
Peter Schrader afirmou que, embora não haja previsão em lei ou
dispositivo que autorize expressamente a aplicação da indenização moral
no âmbito das relações familiares, também não há restrição nesse
sentido. “Deste modo, é possível entender que a família, como meio de
realização de seus membros e de garantia da dignidade da pessoa humana,
não deve ficar à margem da proteção jurídica e alheia aos princípios
inerentes à responsabilidade civil”, frisou, explicando que o dano
ocasionado por um integrante da família pode se apresentar ainda mais
gravoso que o produzido por terceiro, em virtude da proximidade e
envolvimento sentimental existente entre os sujeitos.
Segundo o magistrado, fica a expectativa, para outros filhos
abandonados afetivamente pelos genitores, de que o Poder Judiciário tem
capacidade para punir pais inconscientes. “Com isso, demonstrar à
sociedade que a paternidade responsável deve ser o ponto de partida para
a melhoria das relações familiares e para a adequada formação
psicológica e social das crianças e adolescentes, primando-se sempre
pela salvaguarda da dignidade da pessoa humana e da solidariedade
social”, pontuou.
Fonte: Tribunal de Justiça de Goiás/AASP
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