STJ – O direito, as mulheres e suas conquistas
Ano após ano, o Dia Internacional da
Mulher é marcado por reflexões e discussões sobre seu papel na
sociedade, suas lutas por direitos e seus esforços para garantir a
diminuição do preconceito no mercado de trabalho, na vida familiar e nos
mais diversos locais que frequentam.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), as mulheres vivem um momento
de bastante projeção. A ministra Laurita Vaz é a primeira mulher a
assumir a presidência e dirige esta corte superior pelo biênio
2016-2018. Ela falou sobre os caminhos que enfrentou para assumir o mais
alto cargo do tribunal:
“Como toda mulher da minha geração, vivenciei inúmeras dificuldades
da dupla jornada que nos é imposta: o desafio de conciliar os estudos, a
carreira, com as tarefas de casa, a criação dos filhos, a convivência
em família. Mas, graças ao enorme esforço que despendi e, sobretudo, ao
apoio incondicional da minha família, pude galgar a carreira e hoje
chegar ao maior posto desta corte.”
O sentido do trabalho
Ao assumir o comando do tribunal, a ministra fez questão de contar
com o “dedicado trabalho dos fiéis servidores do STJ”. Pensando nisso,
ampliou a participação feminina nos cargos de direção da corte.
A presidente explicou que a escolha de mulheres para a maioria das
secretarias do tribunal não ocorreu “exclusivamente pelo gênero, mas
pela sua competência e determinação demonstradas no trabalho”.
A diretoria-geral do STJ foi assumida por uma servidora de carreira,
e, das 12 secretarias que compõem o tribunal, sete são dirigidas por
mulheres.
Em sua jurisprudência, o Tribunal da Cidadania reúne diversos
julgados em que reconhece direitos específicos às mulheres. Alguns
entendimentos se tornaram importante meio de combate ao preconceito, à
violência e às desigualdades de gênero. Constituem, ainda, via concreta
de contribuição para a preservação do mercado de trabalho feminino.
Pílulas de farinha
Um acontecimento emblemático, que atingiu mulheres em todo o país,
teve grande repercussão no STJ. O tribunal julgou vários recursos nos
quais reconheceu o direito à devida indenização para as consumidoras
lesadas pela ineficácia do anticoncepcional Microvlar.
O episódio ficou conhecido como “caso das pílulas de farinha”, quando
cartelas de comprimidos sem princípio ativo, utilizadas para teste do
maquinário do laboratório S. do Brasil, chegaram às mãos das
consumidoras e não impediram a gravidez indesejada.
Ao julgar o REsp 1.192.792, cujo caso envolveu uma mãe que engravidou
de gêmeos, mesmo usando regularmente as pílulas, o ministro Paulo de
Tarso Sanseverino considerou que o Tribunal de Justiça do Paraná julgou a
matéria com fundamentação suficiente e afirmou que a mulher que consome
o anticoncepcional “tem a intenção de utilizá-lo como meio a
possibilitar sua escolha quanto ao momento de ter ou não filhos”.
Assim sendo, “a ineficácia do medicamento, frustrando a opção da
consumidora de escolher o melhor momento para a gravidez, dá ensejo à
obrigação de compensação pelos danos morais”, declarou.
No REsp 1.120.746, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, a
consumidora alegou que fazia o uso do Microvlar, quando foi surpreendida
por uma gravidez “completamente inesperada”, o que lhe causou angústia,
pois além de estar com 40 anos, idade considerada de risco para a
gestação, já tinha três filhos e poucos recursos financeiros.
A consumidora pediu indenização por danos morais pela quebra do
planejamento familiar, pela ansiedade e perplexidade diante do ocorrido,
além de danos materiais. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina,
porém, entendeu que o nascimento de um filho não poderia ser considerado
fato gerador de abalo moral, mas decidiu que eram cabíveis os danos
materiais em razão dos gastos com a manutenção do menor.
A S. então apresentou recurso no STJ, cujo provimento foi negado pela
Terceira Turma. A relatora afirmou que é “perfeitamente possível
extrair o dever de indenizar da S.” a partir dos elementos de provas
existentes nos autos.
Isonomia e inserção no mercado
Nos três próximos casos a serem apresentados, percebe-se a invocação
da igualdade material entre os gêneros e a proteção à inserção feminina
no mercado de trabalho por parte dos ministros do STJ.
No primeiro deles, o RMS 47.009, julgado pela Segunda Turma, o autor
era um homem que queria ingressar como soldado na carreira da Polícia
Militar de Mato Grosso do Sul, mas não tinha a altura mínima de 1,65m
exigida para participar do curso de formação.
O candidato impetrou mandado de segurança no Tribunal de Justiça
contra o ato administrativo que o eliminou do concurso. Alegou que houve
violação do princípio da isonomia ao se fixar estatura mínima para
candidatos do sexo masculino superior à estatura de 1,60m exigida para
mulheres. Como a ordem foi denegada, ele apresentou recurso no STJ.
De acordo com o relator, ministro Herman Benjamin, a jurisprudência
dos tribunais superiores é pacífica no sentido de ser constitucional a
exigência de altura mínima para o ingresso em carreiras militares.
Com relação ao tratamento diferenciado entre homens e mulheres quanto à altura, Benjamin explicou que a Constituição Federal
(CF) admite, em situações específicas, “que se consubstancie a
igualdade material entre os gêneros, em que o componente distintivo
orgânico indica que estatisticamente a altura média do homem brasileiro
de 18 anos em 2008-2009, conforme dados do IBGE, era de 1,72m, enquanto a
da mulher era de 1,61m”.
O ministro esclareceu, ainda, que tal tratamento não viola o
princípio da isonomia, em razão da distinção de estatura existente entre
os gêneros e também do “objetivo constitucional de proteção e inserção
da mulher no mercado de trabalho como mecanismo de equilíbrio das forças
produtivas (artigo 7º, inciso XX, da CF)”.
Peculiaridades de gênero
No RMS 44.576, o recorrente alegou que um item do edital do processo
seletivo para o curso de formação de sargentos da Polícia Militar de
Mato Grosso do Sul violaria o princípio da igualdade entre homens e
mulheres, fixada no artigo 5º, inciso I, da CF, pois requeria menor
tempo de serviço às mulheres para a inscrição.
O relator do caso julgado na Segunda Turma foi o ministro Humberto
Martins. Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal já apreciou matéria
semelhante e concluiu que o estabelecimento de critérios diferenciados
para promoção de militares, em razão das peculiaridades de gênero, não
ofende o princípio da igualdade.
O ministro assegurou que o artigo 42, parágrafo 1º, e o artigo 142,
parágrafo 3º, da CF autorizam os Estados e o Distrito Federal a fixar
normas sobre carreira e sistemas de promoção. “O que, no caso, foi feito
pela Lei Complementar 157/2011, cujo artigo 15-B estabelece requisitos
diferenciados de promoção para militares homens e mulheres”, afirmou.
Ao julgar o AgRg no REsp 668.046, sob a relatoria do desembargador
convocado Celso Limongi, a Sexta Turma citou que a jurisprudência do STJ
se firmou no sentido de ser “inviável a concessão das promoções
próprias do quadro feminino da referida corporação militar aos militares
do quadro masculino da Força Aérea Brasileira – FAB, sob o fundamento
de isonomia, por serem regidos por normas distintas”.
No recurso, o recorrente alegou que uma portaria que promoveu as
integrantes do quadro feminino da Aeronáutica feriu o princípio da
isonomia. Por isso, requereu também a promoção dos militares do quadro
masculino. Para o relator do caso, “é incabível a pretendida promoção
com base na isonomia entre os militares dos quadros masculino e feminino
da Aeronáutica, por se cuidar de corporações regidas por legislações
distintas”.
Trabalho no campo
No âmbito do trabalho rural, existe jurisprudência pacífica do
tribunal reconhecendo que a condição de rurícola da mulher é uma
extensão da qualidade de segurado especial do marido, na condição de
lavrador.
Ao julgar a AR 4.060, sob a relatoria do ministro Antonio Saldanha
Palheiro, a Terceira Seção afirmou que, “se o marido desempenhava
trabalho no meio rural, em regime de economia domiciliar, há a presunção
de que a mulher também o fez, em razão das características da atividade
– trabalho em família, em prol de sua subsistência”.
Na ação rescisória, a trabalhadora rural pretendia ver acórdão
anterior desconstituído, pois não considerou as provas lançadas nos
autos que comprovavam o trabalho rural em regime de economia familiar,
motivo pelo qual faria jus à aposentadoria rural por idade.
A Terceira Seção deu provimento à ação rescisória, considerando que
os documentos juntados para comprovar o efetivo trabalho rural do
cônjuge estavam aptos, também, a provar o trabalho da esposa na
agricultura.
Saldanha Palheiro esclareceu, ainda, que a concessão de aposentadoria
rural possui relevante valor social, “uma vez que busca amparar o
trabalhador rural por meio de distribuição da renda pela via da
assistência social. Dessa forma, não se deve aplicar rigor excessivo na
comprovação da atividade rurícola, sob pena de tornar-se infactível, em
face das peculiaridades que envolvem o trabalhador do campo, que
normalmente não dispõe de documentos que comprovem sua situação”.
Testemunho idôneo
Ao julgar o AgRg no AREsp 119.028, os ministros da Primeira Turma,
sob a relatoria do ministro Benedito Gonçalves, afirmaram que a
jurisprudência do STJ considera a certidão de casamento na qual conste a
qualificação do marido como agricultor ou rural válida para comprovar o
trabalho da esposa no meio agrícola.
A certidão, porém, deve vir acompanhada de “idônea prova
testemunhal”, afirmou o relator. O ministro explicou que mesmo o
falecimento do marido, a separação judicial ou de fato do casal, em
momento anterior ao implemento da idade para usufruir do benefício, “não
são eventos que desnaturam a validade e a eficácia desse documento,
tampouco geram suposta extemporaneidade para a observância da condição
de segurada, desde que a prova testemunhal se mostre apta a atestar a
continuidade do trabalho da mulher nas lides rurais após os aludidos”.
Lei Maria da Penha
Inegável o ganho trazido pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06)
a milhares de mulheres que passam por situações de violência,
causando-lhes lesões, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano
moral ou patrimonial. A lei protege tais mulheres quando esses crimes
são cometidos no âmbito da unidade doméstica, da família ou, até mesmo,
em qualquer relação íntima de afeto.
Decorridos quase 11 anos de sua publicação, o STJ organizou material
específico contendo o entendimento da corte sobre os mais diversos
julgamentos cujos temas são abarcados pela lei.
Conforme estudo divulgado pela Secretaria de Jurisprudência por meio
da ferramenta Jurisprudência em Teses, a Lei Maria da Penha atribuiu às
uniões homoafetivas o caráter de entidade familiar, ao prever, no seu
artigo 5º, parágrafo único, que as relações pessoais mencionadas naquele
dispositivo independem de orientação sexual.
O STJ decidiu que o sujeito passivo da violência doméstica é a
mulher, já o sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde
que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de
afetividade.
Em outros julgados, o STJ reconheceu que a violência doméstica
abrange qualquer relação íntima de afeto, dispensada a coabitação.
Ainda, para a aplicação da lei, não há necessidade de demonstração da
situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência da mulher, numa
perspectiva de gênero. Essa hipossuficiência ou fragilidade da mulher
tem-se como presumida nas circunstâncias descritas pela lei.
Fim do namoro
O tribunal entende também como violência doméstica a agressão do
namorado contra a namorada, mesmo cessado o relacionamento, mas que
ocorra em decorrência dele.
Em outros julgamentos, a corte definiu não ser possível a aplicação
dos princípios da insignificância e da bagatela imprópria nos delitos
praticados com violência ou grave ameaça no âmbito das relações
domésticas e familiares.
Para o STJ, o crime de lesão corporal, ainda que leve ou culposo,
praticado contra a mulher nas relações domésticas e familiares, deve ser
processado mediante ação penal pública incondicionada, sendo, ainda,
cabível a decretação de prisão preventiva para garantir a execução de
medidas de urgência.
Conforme a jurisprudência do tribunal, nesses crimes a palavra da
vítima tem especial relevância para fundamentar o recebimento da
denúncia ou a condenação, pois normalmente são cometidos sem
testemunhas.
Feminicídio
Outra norma que trouxe importante proteção às mulheres em situação de violência foi a Lei 13.104/15.
A lei alterou o artigo 121 do Código Penal, para prever o feminicídio
como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Alterou também o
artigo 1º da Lei 8.072/90, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
O feminicídio é o assassinato de uma mulher apenas pelo fato de ela
ser mulher, ou seja, é um crime praticado em razão do gênero. Sobre o
tema, a Quinta Turma não conheceu do HC 365.371, impetrado por homem
preso em flagrante e denunciado por ameaça, feminicídio e vias de fato.
Como sua prisão foi convertida em preventiva, e o pedido de liberdade
feito no Tribunal de Justiça do Paraná foi indeferido, o homem
ingressou com o habeas corpus no STJ, alegando sofrer constrangimento
ilegal.
A relatoria do caso ficou com o ministro Joel Ilan Paciornik, que
entendeu que a prisão preventiva foi adequadamente motivada, com base em
elementos concretos de periculosidade, já que o paciente matou sua
ex-companheira “com diversos golpes de faca, em plena luz do dia e na
frente de outras pessoas que buscavam impedi-lo, mediante atos
premeditados e próximo à delegacia de polícia, em razão de ciúmes e
porque a mesma se negou a reatar relacionamento conjugal”. Segundo o
ministro, tais fatos demonstram “a necessidade de garantia da ordem
pública”.
Periculosidade
No RHC 77.610, o entendimento foi semelhante. O recorrente foi preso
preventivamente, acusado de matar a ex-esposa e de tentar matar outro
homem. Ele recorreu ao STJ sob a alegação de que faltava fundamentação
concreta para a prisão.
O relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, afirmou que a
prisão preventiva se justificava pela necessidade de garantia da ordem
pública, pois ficou “evidenciada a periculosidade do recorrente pelo
modus operandi da conduta. O recorrente ‘descarregou’ a arma, matando
sua ex-esposa, recarregou o artefato e tentou matar outra pessoa,
mediante perseguição, não conseguindo atingir o intento por
circunstâncias alheias a sua vontade”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário