TRF-1ª – Terceiro alheio à gerência de empresa não é responsável por descaminho de sócio
A 4ª Turma do TRF da 1ª Região, por
unanimidade, negou provimento ao recurso do Ministério Público Federal
(MPF) e deu parcial provimento à apelação da parte ré contra a sentença,
da 11ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, que condenou uma
gerente comercial pela prática do crime de descaminho (previsto no art.
334 do Código Penal) a 18 meses de reclusão e absolveu seu sócio.
A denúncia contra a acusada e seu sócio decorreu de apreensão de
mercadoria estrangeira sem a devida documentação fiscal pela Receita
Federal do Brasil (RFB). No momento da apreensão, a apelante se
apresentou como responsável legal da empresa.
A ré alegou que as notas fiscais relativas à aquisição dos produtos
apreendidos foram entregues à fiscalização e que a documentação
apresentada comprova a regularidade da empresa na sua atividade de
comércio nacional e estrangeiro. Ela também referiu que dizer que a
documentação apresentada não comprova a legalidade das mercadorias em
poder da empresa é evidentemente genérica.
O MPF sustentou que o contrato social que estabelece que a
administração da sociedade seria exercida pela denunciada não afasta a
participação de seu sócio no crime, pois “para a prática do mencionado
delito não é necessária a condição de administrador da sociedade,
bastando a atuação na aquisição, guarda e revenda”.
Ao analise a questão, o relator, desembargador federal Olindo
Menezes, ressaltou que o crime de descaminho (art. 334, § 1º, c, do CP),
por se tratar de crime formal, independe de resultado naturalístico,
consumando-se com o mero ingresso da mercadoria no território nacional
sem o pagamento dos tributos devidos.
Argumentou o magistrado que o laudo de exame merceológico não é
essencial à demonstração dos crimes de contrabando e descaminho, podendo
a prova ser feita por meio do auto de prisão em flagrante, auto de
apresentação e apreensão referente às mercadorias encontradas, auto de
infração e termo de apreensão e guarda fiscal, lavrados na Receita
Federal, e a prova oral.
Esclareceu o relator que para oferecimento e recebimento da denúncia é
necessária a demonstração da ocorrência do fato criminoso e que quando a
infração deixa vestígios é indispensável o exame do corpo de delito
(exame merceológico, na espécie), direto ou indireto, não podendo
supri-lo a confissão do acusado.
Observou o desembargador que o exame do corpo de delito se trata de
prova imposta por lei, onde houver fatos permanentes, como um resquício
do sistema da prova legal ou tarifada. Sua ausência implica nulidade,
conforme o art. 564, III, “b” do Código de Processo Penal
(CPP), ressalvada a hipótese do exame do corpo de delito indireto
previsto no art. 167 do CPP, quando, desaparecendo os vestígios, a
demonstração puder ser feita excepcionalmente pela prova testemunhal.
O magistrado afirmou que os vestígios da infração, nos termos do art.
158 do CPP, são os sinais tangíveis, indeléveis, da prática do crime,
“os rastros passíveis de constatação e de registro”. O exame do corpo de
delito é “o conjunto dos elementos físicos e materiais, principais ou
acessórios, permanentes ou temporários, que corporificam a prática
criminosa, que constitui objeto do exame do corpo de delito, uma prova
pericial que constata a materialidade do crime em causa, realizada por
perito oficial ou por duas pessoas idôneas portadoras de curso superior,
preferencialmente na área específica do exame”.
Em casos de contrabando e descaminho, o usual é que se exija, em nome
do devido processo legal, a demonstração técnica por laudo merceológico
que ateste o valor e a origem da mercadoria apreendida na posse do
acusado. Neste caso, a denúncia procura suporte na representação fiscal
para fins penais, nos Termos de Retenção, Intimação e Lacração de
Volumes, no Auto de Infração e no Termo de Apreensão e Guarda Fiscal,
não tendo sido produzido laudo merceológico para aferição dos reais
valores e origem das mercadorias apreendidas.
Destacou o relator que o documento oriundo da Secretaria da Receita
Federal contém todos os dados técnicos relativos aos produtos, com
descrição, procedência e valor, podendo ser considerado como prova
pericial, firmado por dois auditores. Esclareceu, ainda, quanto ao crime
de descaminho há precedentes da Turma dispensando o laudo pericial do
Instituto de Criminalística da PF quando os autos contêm documento da
Receita Federal.
Segundo o desembargador, “a reprimenda merece ajuste, pois a sentença
considerou como circunstância judicial negativa (e única) os
antecedentes, sem que houvesse condenação com trânsito em julgado, o que
não tem sido admitido pela jurisprudência”. Portanto, na hipótese, a
pena-base deve ser reconduzida para o mínimo legal de um ano de reclusão
e dez dias-multa, pela cotação de 1/30 do salário mínimo do tempo do
fato, corrigido.
O magistrado evidenciou que a administração da sociedade era exercida
somente pela acusada, não sendo possível responsabilizar o sócio pelo
delito, visto que ele não exercia a gerência ou a administração da
empresa.
Nesses termos, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, negou
provimento ao recurso do Ministério Público Federal e deu parcial
provimento à apelação da denunciada para reduzir a sua condenação para
um ano de reclusão e dez dias-multa.
Processo: 0048854-57.2010.4.01.3800/MG
Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região/AASP
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